quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

UM ANO BÍBLICO - A. J. JACOBS

 


Há alguns anos li uma reportagem sobre um livro que tinha acabado de ser lançado no Brasil. O autor, filho de judeus mas declaradamente agnóstico, resolveu seguir durante um ano todos os códigos morais - preceitos, regras e condenações - constantes na Bíblia (do livro do Gênesis ao Apocalipse) em plena Nova Iorque do século XX. A reportagem trazia alguns trechos do livro e a imagem do autor "vestido a caráter". Achei muita graça naquilo, mas não me interessei na época em ler o livro.

Lembrei-me dessa história em decorrência de comentário feito por meu amigo virtual GRF no post “Cultura da Bolha”. Aí, como dizem os advogados, resolvi "desentranhar" o assunto. Deu um pouquinho de trabalho, mas acabei achando uma reportagem sobre esse livro, publicada no jornal O Globo em 21/08/2011 .

O autor é daquelas pessoas que você pode chamar de "figuraça", pois já disse que vê sua vida como uma série de experimentos sobre seu próprio projeto ou estilo de vida, nos quais mergulha de cabeça e então escreve sobre o que aprendeu. Nessa linha de pensamento, além da "experiência bíblica", leu todos os 32 volumes da Enciclopédia Britânica (escreveu um livro sobre isso) e protagonizou mais algumas "façanhas" do tipo.

A seguir, a transcrição dos trechos do livro que foram publicados no jornal (para mim, o mais divertido é o terceiro). E o título em inglês - "The Year of Living Biblically: One Man's Humble Quest to Follow the Bible as Literally" é muito mais legal que o anêmico "Um Ano Bíblico" que saiu no Brasil. Olhaí.
 
 
TRECHO 1: "Minha barba está crescendo de forma acelerada. Já estou começando a parecer um pouco desleixado, algo entre um hippie do Brooklyn e um desses caras que passa o dia todo ocioso numa loja de apostas em corridas de cavalos. O que está ótimo para mim. Estou gostando de não ter de fazer a barba. Posso estar gastando todo o meu tempo em tarefas bíblicas, mas ao menos não estou desperdiçando três minutos todas as manhãs em frente ao espelho.
 
Para o café da manhã, pego uma laranja na geladeira. Minha alimentação também será uma coisa complicada ao longo deste ano. A Bíblia proíbe muitas coisas: carne de porco, camarão, coelho, águia e gavião-pescador, dentre outras. Alimentos cítricos, porém, são permitidos. Além do mais, as laranjas existem desde os tempos bíblicos - um de meus livros inclusive afirma que o fruto proibido do Jardim do Éden era uma laranja. Com certeza não era uma maçã, uma vez que não existiam maçãs no Oriente Médio dos tempos de Adão."
 
 
TRECHO 2: "(...) A Bíblia não especifica o tamanho das pedras, portanto eu usaria pedrinhas minúsculas.
 
Há alguns dias, recolhi um punhado de pedrinhas brancas do Central Park, que amontoei nos bolsos de trás das minhas calças. Agora, só me faltavam algumas vítimas. Decidi começar por violadores do sabá. Isso é muito fácil de se encontrar nesta cidade viciada em trabalho. Eu reparei que um sujeito barrigudo que trabalha na locadora de automóveis Avis a um quarteirão de nossa casa trabalhara tanto no sábado quanto no domingo. Assim, sob todos os aspectos, ele é um violador do sábado.
 
Mas eis o problema: mesmo com pedrinhas minúsculas, é difícil demais apedrejar as pessoas.
 
Meu plano era passar a pé pelo violador do sábado, aparentando indiferença, e então arremessar as pedrinhas de leve às suas costas.
 
Mas depois de passar algumas vezes por ele sem fazer nada, percebi ser uma má ideia. Uma pedrinha arremessada, por menor que fosse, não passaria desapercebida.
 
Eis o meu plano revisado: eu fingiria ser desajeitado e deixaria a pedrinha cair sobre o seu sapato. Assim fiz."
 
 
TRECHO 3: "Não sentar em cadeiras impuras (usadas por mulheres menstruadas) representa um desafio bem maior. Cheguei em casa esta tarde e já estava para desabar sobre minha poltrona oficial de cor cinza, de um material que imita couro, e que fica em nossa sala de estar.
 
- Eu não faria isso - disse Julie.
 
- Por quê?
 
- Está impura. Eu sentei nela. - Ela nem se dignou a levantar os olhos do episódio de Lost gravado em seu TiVo.
Muito bem. Ótimo. Já entendi. Ela continua não gostando das leis sobre a impureza. Mudei para outra cadeira, a de plástico preto.
 
- Sentei nessa também - disse Julie. - E nas que estão na cozinha. E na poltrona do escritório.
 
Preparando-se para minha volta para casa, ela sentou em todas as cadeiras do apartamento, algo que me incomodou mas também me deixou impressionado. Parecia como na tradição bíblica das mulheres empreendedoras - assim como Judite, que seduziu o malvado general Holofernes apenas para decapitá-lo quando se encontrava bêbado.
 
Por fim, sentei-me no banquinho de madeira do Jasper, com seus 15cm de altura, que ela esquecera, de onde digitei meus e-mails em meu notebook, com os joelhos quase encostados no queixo.
 
No dia seguinte, faço uma busca na internet e descubro uma solução que custa trinta dólares para o problema da cadeira: um assento portátil. Trata-se de um bastão de alumínio que se desdobra num minibanco de três pernas. Ele é oferecido para os idosos, bem como aos "indivíduos que sofrem de asma, artrites, cirurgia na bacia ou na perna, fibromialgia, dores nas costas" e diversas outras indisposições."
 
Estou pensando em descolar esse e outros livros do autor (claro, os que sairam no Brasil), pois é de gente descompensada assim que eu gosto. 
 

2 comentários:

  1. não conheci
    tá minha lista agora
    acho que só saiu esse mesmo
    https://www.estantevirtual.com.br/livros/a-j-jacobs

    impossível repetir essas regras antigas

    tem um doc que aborda tb o tema e que é bem engraçado:
    https://pt.wikipedia.org/wiki/Religulous

    abs!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não imaginei só ter saído esse livro em português. Pedi a tradução da Wikipédia em inglês (sempre mais detalhada que a versão em português) e nem cogitei que poderiam não ter sido traduzidos para nossa língua (também, quem mandou eu não saber inglês?)

      Excluir

EU NÃO SEI FALAR FRANCEIS

Os três últimos posts publicados ganharam títulos em francês, mas eu não sei falar francês! Só por diversão, o que eu fiz foi imaginar uma f...