sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

SINAL EM FLASH


Este diálogo é uma espécie de paródia mais depressiva da letra já naturalmente depressiva de uma lindíssima música composta por Paulinho da Viola. Mesmo não querendo jamais aviltar a letra linda de “Sinal Fechado”, devo dizer que ela sempre mexeu comigo - desde quando ainda trabalhava -  justamente pelo clima tenso e asfixiante que me transmitia.

Eu sei que usar essa letra opressiva para montar um diálogo que refletisse meu momento atual é abusar da falta de criatividade, pois me faz lembrar de uma observação do Ed Motta sobre a utilização de sons sampleados: “É como fazer bigodes na Mona Lisa ou colocar óculos em um quadro de Van Gogh". 

Mesmo assim, depois de ganhar mais uma mordida do meu "black dog", esqueci todo o pudor e decidi cometer a heresia - fazer pequenas alterações, "bigodes" quase imperceptíveis na letra original (mas "bigodes", mesmo assim). Outra intervenção foi uma releitura das inflexões  das vozes dos ex-colegas, obtida através do uso de uma pontuação explícita e ligeiramente diferente daquela apenas sugerida na letra original. Na prática, tentando opor a "exuberância produtiva" de um contra a indiferença amarga e irônica do amigo mais velho. Espero agora que esses espasmos da depressão dêem um tempo. Os versos alterados estão em itálico. Olhaí.
 
 Olá! Como vai?

- Eu vou indo... E você, tudo bem?

- Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro, e você?

- Tudo o que eu quero é só ter um sono tranquilo, mas, quem sabe...

- Quanto tempo!

- Pois é, quanto tempo...

- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.

- Ah, não tem de que, eu também já andei assim.

- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!

- “Pra semana”, (talvez nunca mais nos vejamos!) quem sabe?

- Quanto tempo!

- Pois é, quanto tempo...

- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas!

- Eu também tinha algo a dizer, mas estou perdendo as lembranças...

- Por favor, telefone (eu preciso beber alguma coisa, rapidamente)! Pra semana...

- O sinal...

- Eu procuro você!

- Vai abrir, vai abrir!

- Prometo, não esqueço! Por favor, não esqueça, não esqueça, não esqueça!

- Adeus.


E agora, como penitência por ter tido essa petulância, aí vai a gravação da música feita pelo Chico Buarque no disco “Sinal Fechado”:
 

3 comentários:

  1. Você mudou a letra mas manteve o "visual" da música. Gostei. Acompanhei ouvindo pelo vídeo. Sinal Fechado me incomoda num bom sentido por causa da métrica estranha dela. A todo momento parece que a letra não vai conseguir alcançar a música. Parece um pega-pega entre as duas. Isso gera em mim uma leve ansiedade.

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    1. Legal que gostou.Essa "prostituição" da letra já estava pronta há mais tempo, mas fiquei com vergonha de postar. Como não tinha nenhum outro texto novo para publicar, resolvi divulgar a heresia. Sempre vi a letra original como o retrato do desconforto sentido por dois antigos colegas presos em um semáforo. O verso "eu preciso beber alguma coisa rapidamente" é um bom indicativo disso. E como gosto de cantar, tentei manter nas alterações a mesma cadência e ritmo da letra original. Aproveitando a oportunidade, já conhecia os textos remanejados para 2021?

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    2. Não. Eu dei olha olhada por cima no arquivo mas não cheguei a ler inteiro. São todos novos pra mim.

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