Este diálogo é uma espécie de paródia mais depressiva da letra já naturalmente depressiva de uma lindíssima música composta por Paulinho da Viola. Mesmo não querendo jamais aviltar a letra linda de “Sinal Fechado”, devo dizer que ela sempre mexeu comigo - desde quando ainda trabalhava - justamente pelo clima tenso e asfixiante que me transmitia.
Eu sei que usar essa letra opressiva para montar um diálogo que refletisse meu momento atual é abusar da falta de criatividade, pois me faz lembrar
de uma observação do Ed Motta sobre a utilização de sons sampleados: “É como fazer bigodes na Mona Lisa ou colocar óculos em
um quadro de Van Gogh".
Mesmo assim, depois de ganhar mais uma mordida do meu "black dog", esqueci todo o pudor e decidi cometer a heresia - fazer pequenas alterações, "bigodes" quase imperceptíveis na letra original (mas "bigodes", mesmo assim). Outra intervenção foi uma releitura das inflexões das vozes dos ex-colegas, obtida através do uso de uma pontuação explícita e ligeiramente diferente daquela apenas sugerida na letra original. Na prática, tentando opor a "exuberância produtiva" de um contra a indiferença amarga e irônica do amigo mais velho. Espero agora que esses espasmos da depressão dêem um tempo. Os versos alterados estão em itálico. Olhaí.
- Olá! Como vai?
- Eu vou indo... E você, tudo bem?
- Tudo bem, eu vou indo correndo pegar meu lugar no futuro, e você?
- Tudo o que eu quero é só ter um sono tranquilo, mas, quem sabe...
- Quanto tempo!
- Pois é, quanto tempo...
- Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios.
- Ah, não tem de que, eu também já andei assim.
- Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
- “Pra semana”, (talvez nunca mais nos vejamos!) quem sabe?
- Quanto tempo!
- Pois é, quanto tempo...
- Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas!
- Eu também tinha algo a dizer, mas estou perdendo as lembranças...
- Por favor, telefone (eu preciso beber alguma coisa, rapidamente)! Pra semana...
- O sinal...
- Eu procuro você!
- Vai abrir, vai abrir!
- Prometo, não esqueço! Por favor, não esqueça, não esqueça, não esqueça!
- Adeus.
E agora, como penitência por ter tido essa
petulância, aí vai a gravação da música feita pelo Chico Buarque no disco “Sinal Fechado”:
Você mudou a letra mas manteve o "visual" da música. Gostei. Acompanhei ouvindo pelo vídeo. Sinal Fechado me incomoda num bom sentido por causa da métrica estranha dela. A todo momento parece que a letra não vai conseguir alcançar a música. Parece um pega-pega entre as duas. Isso gera em mim uma leve ansiedade.
ResponderExcluirLegal que gostou.Essa "prostituição" da letra já estava pronta há mais tempo, mas fiquei com vergonha de postar. Como não tinha nenhum outro texto novo para publicar, resolvi divulgar a heresia. Sempre vi a letra original como o retrato do desconforto sentido por dois antigos colegas presos em um semáforo. O verso "eu preciso beber alguma coisa rapidamente" é um bom indicativo disso. E como gosto de cantar, tentei manter nas alterações a mesma cadência e ritmo da letra original. Aproveitando a oportunidade, já conhecia os textos remanejados para 2021?
ExcluirNão. Eu dei olha olhada por cima no arquivo mas não cheguei a ler inteiro. São todos novos pra mim.
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