Como não sou de visitar ninguém, fico anos
sem encontrar pessoas das famílias de meu pai ou de minha mãe. Mesmo assim, depois de saber de um piripaque
sofrido por um parente com quem sempre tive mais contato, resolvi criar vergonha na
cara e fazer a ele uma visitinha relâmpago.
Encontrei-o absorto, sentado em uma cadeira
de rodas. Ao me ver, abriu o maior sorriso:
- Olha o Zé! Devo estar morrendo para você me
visitar!
- Para com isso, você está bom que nem coco!
- Acho que você esqueceu o acento
circunflexo...
- Deixe de bobagem! Que anda fazendo? Tudo bem com você?
- Como pode ver, eu
não ando fazendo nada, eu rodo fazendo alguma coisa.
- Putz, que trocadilho horroroso!
- Mal de família...
- E o que você tem "rodado fazendo"
ultimamente?
- Estou escrevendo um texto sobre minhas
lembranças de carnaval.
- Efeito do carnaval que não aconteceu neste ano?
- Não, essa vontade surgiu depois de ler um conto
lindo do Veríssimo. Aquilo revolveu minhas lembranças lá do fundo, me dando
vontade de contar um pouco da minha história.
- "Recordar
é viver", como dizia uma marchinha carnavalesca.
- Há controvérsias quanto a esse
"viver", tá certo? Ainda estou escrevendo, talvez termine amanhã ou
depois. Claro, se conseguir acordar respirando. Quer ler a parte que está
pronta?
- Lógico!
- Pegue para mim o notebook que está naquela
mesinha ali.
- Peguei!
- Bom menino! Já tem direito a ganhar sobremesa.
- Sem comentários...
Enquanto meu parente ligava o computador,
fiquei examinando sua aparência. Vejo que foi bom eu ter vindo, pois se o humor
continua o mesmo, o aspecto frágil e debilitado indica que talvez não
"rode" mais por muito tempo.
- "Toma, pega aqui o notebook, o texto
já está aberto". Comecei a ler.
VEM, NÃO DEIXE PRA DEPOIS
Primeira
infância
Quando
eu tinha uns cinco ou seis anos (talvez um pouco mais) minha mãe nos levava ao
centro da cidade para ver o movimento de carnaval. Em cada cruzamento de ruas
da área central encontravam-se barraquinhas que vendiam todo tipo de badulaque
para quem quisesse se equipar: colares de havaianas, quepes de comandante de
navio e boinas de marinheiro do tipo usado pelo Popeye, máscaras diversas,
óculos de acetato, apitos, sacos de confete, serpentinas e lança-perfumes Rodouro (que
tinham um cheiro maravilhoso).
Ao
longo da avenida alto-falantes instalados para a ocasião alternavam marchinhas
de carnaval com publicidade de produtos diversos e
empresas. O movimento era intenso, com gente andando para lá e para
cá, mas, para minha decepção, quase ninguém fantasiado. Dessa época, além das
poucas lembranças, tenho guardado um retrato em que eu e meu irmão aparecemos
fantasiados. Eu devia ter uns três ou quatro anos e estava vestido com uma
roupa tipo "gênio do Aladim". Um dia minha mãe parou de nos levar ao
centro para ver o carnaval.
Final
da infância
Quando
eu tinha uns onze ou doze anos e ficava perambulando pelo bairro onde morava,
surgiu a brincadeira do "sangue do diabo". Segundo meu pai, era uma
mistura de "amoníaco e fenolftaleína", mas nunca me preocupei com
isso, pois era ele quem preparava o "sangue" para nós. Essa solução
era acondicionada em bisnagas de plástico cujo formato imitava as já proibidas
lança-perfumes.
Era
divertido ver o susto das pessoas que recebiam um jato do líquido avermelhado,
pois as roupas ficavam imediatamente manchadas - manchas que sumiam assim que o
líquido se evaporava. Claro que existia o risco de ganhar uns cascudos, mas
normalmente só acontecia um princípio de esporro, logo atenuado pelo
desaparecimento da mancha. A molecada promovia verdadeiras batalhas com aquilo.
Um dia essa brincadeira passou também, talvez pegando carona no final da nossa infância.
Início
da adolescência
- Que achou?- Gostei, principalmente do título e da
última frase. Consegui me lembrar nitidamente daquele tempo. Quando vou ler o
resto?
- Bom, como eu sei que você não virá aqui só
para ler o texto, te mando por e-mail assim que acabar.
- Beleza. Vai falar do primeiro namorado que
arrumou?
- Deixe de ser ridículo, não é sua biografia que estou escrevendo!
(Fim da primeira parte)
Encontrei-o absorto, sentado em uma cadeira de rodas. Ao me ver, abriu o maior sorriso:
- Olha o Zé! Devo estar morrendo para você me visitar!
- Para com isso, você está bom que nem coco!
- Acho que você esqueceu o acento circunflexo...
- Deixe de bobagem! Que anda fazendo? Tudo bem com você?
- Como pode ver, eu não ando fazendo nada, eu rodo fazendo alguma coisa.
- Putz, que trocadilho horroroso!
- Mal de família...
- E o que você tem "rodado fazendo" ultimamente?
- Estou escrevendo um texto sobre minhas lembranças de carnaval.
- Efeito do carnaval que não aconteceu neste ano?
- Não, essa vontade surgiu depois de ler um conto lindo do Veríssimo. Aquilo revolveu minhas lembranças lá do fundo, me dando vontade de contar um pouco da minha história.
- "Recordar é viver", como dizia uma marchinha carnavalesca.
- Há controvérsias quanto a esse "viver", tá certo? Ainda estou escrevendo, talvez termine amanhã ou depois. Claro, se conseguir acordar respirando. Quer ler a parte que está pronta?
- Lógico!
- Pegue para mim o notebook que está naquela mesinha ali.
- Peguei!
- Bom menino! Já tem direito a ganhar sobremesa.
- Sem comentários...
Enquanto meu parente ligava o computador, fiquei examinando sua aparência. Vejo que foi bom eu ter vindo, pois se o humor continua o mesmo, o aspecto frágil e debilitado indica que talvez não "rode" mais por muito tempo.
- "Toma, pega aqui o notebook, o texto já está aberto". Comecei a ler.
VEM, NÃO DEIXE PRA DEPOIS
Quando eu tinha uns cinco ou seis anos (talvez um pouco mais) minha mãe nos levava ao centro da cidade para ver o movimento de carnaval. Em cada cruzamento de ruas da área central encontravam-se barraquinhas que vendiam todo tipo de badulaque para quem quisesse se equipar: colares de havaianas, quepes de comandante de navio e boinas de marinheiro do tipo usado pelo Popeye, máscaras diversas, óculos de acetato, apitos, sacos de confete, serpentinas e lança-perfumes Rodouro (que tinham um cheiro maravilhoso).
Ao longo da avenida alto-falantes instalados para a ocasião alternavam marchinhas de carnaval com publicidade de produtos diversos e empresas. O movimento era intenso, com gente andando para lá e para cá, mas, para minha decepção, quase ninguém fantasiado. Dessa época, além das poucas lembranças, tenho guardado um retrato em que eu e meu irmão aparecemos fantasiados. Eu devia ter uns três ou quatro anos e estava vestido com uma roupa tipo "gênio do Aladim". Um dia minha mãe parou de nos levar ao centro para ver o carnaval.
Final da infância
Quando eu tinha uns onze ou doze anos e ficava perambulando pelo bairro onde morava, surgiu a brincadeira do "sangue do diabo". Segundo meu pai, era uma mistura de "amoníaco e fenolftaleína", mas nunca me preocupei com isso, pois era ele quem preparava o "sangue" para nós. Essa solução era acondicionada em bisnagas de plástico cujo formato imitava as já proibidas lança-perfumes.
Era divertido ver o susto das pessoas que recebiam um jato do líquido avermelhado, pois as roupas ficavam imediatamente manchadas - manchas que sumiam assim que o líquido se evaporava. Claro que existia o risco de ganhar uns cascudos, mas normalmente só acontecia um princípio de esporro, logo atenuado pelo desaparecimento da mancha. A molecada promovia verdadeiras batalhas com aquilo. Um dia essa brincadeira passou também, talvez pegando carona no final da nossa infância.
Início da adolescência
- Que achou?
- Bom, como eu sei que você não virá aqui só para ler o texto, te mando por e-mail assim que acabar.
- Beleza. Vai falar do primeiro namorado que arrumou?
- Deixe de ser ridículo, não é sua biografia que estou escrevendo!
(Fim da primeira parte)
Nenhum comentário:
Postar um comentário