quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

VEM, NAO DEIXE PRA DEPOIS - 2/3

Por estar aposentado, não tenho mais o costume de abrir diariamente o Outlook. Às vezes fico uma semana ou mais sem me preocupar com isso, pois praticamente só recebo spam, ofertas de produtos e pesquisas de opinião sobre compras on line. Por isso, já tinha até esquecido a história, quando recebi um e-mail com o final do texto que meu parente estava escrevendo quando fui visitá-lo. E este é o final, o complemento do texto que li em seu notebook.
 

Início da adolescência
Creio que foi ao entrar na adolescência que descobri - terrível descoberta! - que eu era feio, desengonçado, narigudo, magricelo. E sem queixo. Essa aparência desfavorável aliada a um medo paralisante e a uma timidez nível "hard" me deixava totalmente sem ação ao estar perto de uma menina. O resultado imediato e previsível é que eu não era notado por ninguém. E se fosse, não saberia como me aproximar, como proceder.
 
Foi nessa época de trevas, quando devia ter não mais que quatorze anos que me sugeriram ir a uma matinê de carnaval em um clube próximo de nossa casa. Fiquei sem saber se ia, pois nunca tinha visto antes um "baile de carnaval". Mas acabei cedendo à insistência de minha mãe e fui. Meio a contragosto, mas fui.
 
Naquela época carnaval bom era carnaval de clube. Por isso,até as matinês carnavalescas ficavam cheias de gente. O salão tinha sido dividido em dois, creio que com utilização de cadeiras. De um lado ficavam os adultos e adolescentes mais velhos, girando e marchando em torno de um círculo imaginário. Do outro lado ficava o pessoal da minha faixa etária formando uma grande roda, todos de mãos dadas, fazendo uma espécie de ciranda. E no meio os mais desinibidos e as meninas que às vezes escolhiam algum garoto para puxar para o meio da roda. Ficavam ali "puladançando" um ou dois minutos e logo o menino era despachado para o anonimato de onde saíra.
 
Acho pertinente dizer que as músicas executadas eram em sua maioria marchinhas compostas especialmente para os festejos "momescos". Por isso, ninguém exibia dotes de passista de escola de samba, todo mundo "marchava". Cadenciadamente nas músicas mais lentas ou pulando  animadamente nas mais aceleradas. 

E ali estava eu, mais deslocado que penetra em velório de desconhecido. Apesar da timidez e da total falta de traquejo eu estava pronto a me apaixonar por qualquer menina que olhasse na direção de onde eu estava. Nem precisava ser muito bonita, bastava que não fosse feia (afinal, de feio já bastava eu). E "ela" me olhou. E fez mais, puxou-me para o centro da ciranda.
 
Eu não sabia exatamente o que fazer, mas fiquei extasiado com aquele projeto de deusa à minha frente. A fantasia que usava era de índia americana, tinha cabelos pretos presos por uma tira ou cocar de duas penas, os olhos verdes estavam maquiados e na boca estava depositado um batom vermelho ou coisa parecida. Usava colar e brincos, provavelmente feitos de miçangas. Esqueci de dizer que era linda. E eu ali, desenxabido, sem graça, esperando ser despachado de volta ao "espaço exterior", o que aconteceu no tempo "regulamentar". Não sei se continuei no salão depois dessa overdose de felicidade ou se fui embora, pois sabia que não entraria novamente na órbita da índia.
 
Na matinê seguinte (só havia matinês aos domingos e terças feiras) nem precisei ser incentivado. Fui logo me encaixando na roda dos "mendicantes", à espera de ser novamente puxado para o centro pela deusa, mas não foi o que aconteceu. Não sei se ela não foi ou se ignorou minha presença e meu olhar de enamorado. E assim terminou minha primeira festa de carnaval.

Fiquei apaixonado durante um ano, paixão que foi amortecendo até o carnaval seguinte. Também não sei se ela estava ou não presente nas matinês, mas isso já não importava, pois em um domingo qualquer, quando voltava da missa, descobri onde morava. Conversava no portão de uma casa, mas não tinha a beleza estonteante que julguei que possuísse. E, pior, já estava namorando - um sujeito mais velho, mais alto, mais bem aparentado e mais forte que eu.
 
 
Estava nesse ponto da história quando fui convocado a fazer compras no supermercado e obrigado a interromper a leitura do e-mail, pois ainda havia um trecho grande daquela história para ler. E confesso que estava curioso por saber que outras revelações meu companheiro de juventude tinha se animado a fazer.

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