sábado, 27 de fevereiro de 2021

TENSÃO DE ESCOAMENTO

Texto originalmente publicado em 22/08/2014 (nem me lembrava mais dele, mas acho que ficou legal)..


Outro dia me ocorreu uma imagem meio bizarra para representar a vida de uma pessoa (esse assunto de novo!). Eu sei, tenho alguns pensamentos recorrentes, recorrentes até demais. Mas, antes de apresentar essa ideia, preciso contar uma pequena história que tem tudo a ver com o assunto:

Quando meu cunhado voltou do Iraque depois de lá permanecer por três anos, alguém perguntou o que ele havia notado de diferente nas pessoas. Ele respondeu ter se surpreendido com as mudanças observadas nas crianças e nos idosos. Em relação aos demais, não havia alteração significativa.

Traduzindo, os processos de crescimento das crianças e envelhecimento dos idosos eram significativamente mais acelerados e perceptíveis do que as mudanças nos adultos jovens. Naquela época, meados da década de 1980, achei essa observação curiosa, mas não passou disso – afinal, eu estava entre os que não haviam sofrido grandes transformações.

Depois de fazer cinquenta anos, no entanto, comecei a notar em mim que os sinais de envelhecimento manifestavam-se de forma mais acentuada do que ocorria quando era mais jovem (e ainda tem gente que chama essa faixa etária de “melhor idade”! Leviandade e hipocrisia ou retardo mental). Também, até aí nada de mais.

Outro dia, porém, enquanto trabalhava duro para arranjar alguma coisa para passar o tempo, ao me lembrar da observação feita anos atrás por meu cunhado, fiquei imaginando como isso ficaria em um gráfico (já sei, “o hábito do cachimbo...”). Mas, para não entediar (mais ainda) o eventual leitor desta maluquice, diria apenas que o formato do gráfico seria muito semelhante ao perfil do "Tobogã da Avenida do Contorno", em BH (no sentido “subida”), correspondendo as duas rampas às fases inicial e final da vida.

A primeira “rampa” corresponderia ao período de zero até os 19 anos (para ficar coerente com a faixa “teen”). A famigerada fase da “melhor idade” (melhor idade é a puta que o pariu!) corresponderia à segunda ladeira. Finalmente, a parte plana entre as rampas representaria a faixa etária compreendida entre os 20 e os 50 anos, de acordo com a observação feita por meu cunhado (bela analogia!).

Mas a coisa não para por aí. Quando visualizei esse gráfico, lembrei-me na hora de um gráfico parecido, visto centenas de anos atrás no curso de engenharia civil, em alguma sala do velho “AS” (Álvaro da Silveira).

Esse gráfico atende pelo singelo nome de “diagrama de tensão versus deformação”, que seria o registro de dados de um teste de tração (vamos chamar de “esticamento”) de uma amostra de barra de ferro usada em construção. Mas ninguém precisa se assustar, pois eu fui um péssimo e relapso aluno. Além do mais, minha memória (ou o que resta dela) é mais visual do que qualquer outra coisa. E, afinal, o velho e bom Guga (Google, pô!) está aí para ajudar, não é mesmo? E olha a elegância:

“Caracteriza-se a resistência do aço pela sua resistência máxima à tração. O valor de tensão considerado como limite de resistência é o da Tensão de Escoamento ou Limite de Escoamento”.
Chama-se de escoamento o fenômeno observado em alguns metais, nos quais ocorre acréscimo de deformação sem acréscimo de tensão. (...) Ocorre tensão de escoamento real quando no gráfico tensão versus deformação temos patamar de escoamento.”

Isso significa que, submetido à tração, o aço vai se deformando (“esticando”) à medida que a força aumenta. De repente, ele continua a se deformar sem nenhum acréscimo de força (o tal “escoamento”). A partir de determinado valor, volta à situação inicial – é necessário aumentar gradativamente a força de tração para que ele continue a se deformar, até ocorrer o rompimento.

E aí é que entra o meu delírio: normalmente, vejo por aí que o transcorrer da vida é sempre associado a caminhadas, estradas, rios, essas coisas manjadas. A novidade dessa alegoria (ociologia pura!) é a sua origem na engenharia – mais precisamente, na tecnologia de materiais de construção.

Vejam bem, se fizermos uma correlação entre o comportamento do aço em teste com as transformações que as pessoas sofrem ao longo de sua existência (sendo o tal “patamar de escoamento” a fase produtiva do homem), teremos uma nova imagem para explicar (para um ET, lógico) como é o transcorrer de uma vida humana.

Dá até para extrair algumas metáforas dessa comparação. Por exemplo, a tensão crescente, correspondente ao avanço dos anos, tem tudo a ver com a tensão diária da vida nas cidades. Outra equivalência: a deformação do aço, se metaforicamente alinhada às transformações sofridas física e emocionalmente ao longo da vida, fica particularmente ideal para descrever a terceira fase da vida – queda de cabelo e outras quedas, perda de memória, o escambau. É tanta “deformação” que fica difícil assimilar tudo sem espernear.

Finalizando, já que se falou tanto em “escoamento”, nunca é demais lembrar que, “ao fim e ao cabo”, tudo termina mesmo escoando para o ralo. 

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