sábado, 6 de fevereiro de 2021

DALTONISMO À BRASILEIRA

 
Geralmente as coisas que eu penso ou são muito óbvias ou nada originais. Por isso, às vezes imagino que o que pensei já ocorreu de forma mais brilhante, elegante a outras pessoas. Pode ser esse o caso do lero-lero de hoje. 

Tenho um parente próximo que é portador de daltonismo. Um dia, quando ainda era criança, coloriu de vermelho a copa do desenho de uma árvore. A tia que o ajudava a fazer o dever de casa estranhou a escolha da cor e perguntou-lhe o motivo. A reação do menino foi de surpresa. “Qual a diferença?”, teria questionado. Pela percepção observada em mais algumas situações, não havia para ele dessemelhanças significativas entre verde e vermelho ou vermelho e verde.
 
A tia estava na faculdade e pegou emprestadas com alguém aquelas cartelas usadas durante o processo de aquisição ou renovação da licença para dirigir, que mostram números quase camuflados em um mar de borrões de cor próxima à do número. Perguntado sobre qual número estava vendo, a reação foi de desespero (“Eu não estou vendo número nenhum!”).
 
Os pais foram comunicados dessa descoberta e o menino levado a um especialista que confirmou seu daltonismo, herdado através do avô materno, também ele daltônico. A partir daí escreveram nos lápis de colorir qual era a cor de cada um.
 
Lembrei-me hoje desse caso antigo quando cautelosamente tomava um cafezinho quente pra caramba. Enquanto esperava que esfriasse um pouquinho, veio à minha mente uma analogia que me pareceu bastante razoável e que passo a detalhar. Frequentemente tenho me espantado e horrorizado com as barbaridades e trocas de insultos que leio nos comentários sobre noticias relacionadas ao nosso presidente e publicadas nos portais de noticia ou, melhor ainda, nos compartilhamentos de posts do Facebook ou outras redes sociais.
 
Pelas reações dos apoiadores mais exaltados do mito parece que o mundo tingiu-se irremediavelmente de vermelho, como se isso fosse uma manifestação tardia de uma das pragas do Egito. Mas a semelhança com a fábula bíblica para por aí, pois a cor vermelha que incomoda os bolsonaristas-raiz vem do “comunismo” dos opositores e críticos de seu messias, visão que, venhamos e convenhamos, é de uma paranoia ou estupidez atroz.
 
Mas muitos pensam mesmo assim, fazendo-me lembrar da letra da música “Ouro de Tolo” cantada pelo Raul Seixas, pois esse pessoal aparenta não utilizar nemdez por cento de sua cabeça animal”. Depois de todas essas abobrinhas, esta é a analogia imaginada: graças a essa visão limitada e até ridícula, cheguei à conclusão de que essas pessoas padecem de um “daltonismo ideológico”, pois enxergam vermelho onde às vezes existe apenas a cor verde.

Bem, o parágrafo anterior deveria ser o final deste post, justamente por conter a ideia tema da publicação. Mas resolvi fazer um adendo que nada tem a ver com o assunto “daltonismo ideológico”, só para dizer o seguinte: postar as coisas que escrevo, por mais idiotas que sejam –  horríveis, simplórias, sem graça, inconvenientes, irrelevantes, mesmo que ninguém as leia – sempre me proporciona uma emoção diferente, uma expectativa, uma alegria, uma sensação de liberdade, talvez a mesma que sente uma criança muito presa que, de repente, a mãe autoriza a sair de casa para brincar na rua sem que alguém mais velho fique tomando conta (eu fui essa criança). E vocês, amigos virtuais, sempre tornam essa emoção muito mais intensa. Fui.

4 comentários:

  1. A analogia é boa. E eu incluiria uma subdivisão aí. A dos daltônicos por interesse e a dos daltônicos por instinto (burrice). Só que eu não limitaria ao vermelho. Essa doença nova, "daltonismo ideológico", atinge toda a faixa do espectro visível e político. E o que determina sua intensidade e posição no círculo cromático é a cor do agente patogênico que está no poder.

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    1. É uma ponderação boa para se matutar. A ideia do verde e vermelho surgiu quando li uma troca de comentários entre um dos meus "amigos de facebook" e um desconhecido (provavelmente para ele também). Em determinado momento, meu "amigo" pergunta se o outro é de esquerda e já acrescenta "você deve ser comunista". O outro retruca que não é de esquerda e que se baseou em informações bla bla bla. Esse meu conhecido, um bolsonarista de extrema direita (pleonasmo) e super radical encerrou o diálogo reafirmando que seu contendor era comunista sim. Fiquei tão espantado com essa negação do que o outro tinha dito que acabei chegando ao daltonismo ideológico. Sinceramente, meu caro Giovani, não me lembro de reação tão exacerbada vinda no sentido oposto (embora seja possível, claro). Um sujeito de esquerda radical chamar um moderado também de esquerda de "fascista". Então, creio que essa visão parcial acontece mais quando os extremistas se manifestam. Eu me considero de centro-direita moderadíssima (mas não do Centrão) e odeio que alguém possa me chamar de "isentão" (ainda não fizeram isso). Mas esse meu "amigo", a quem conheço desde quando ele era adolescente, um dia, de brincadeira, me chamou de "comunista" por eu sempre criticar o Bolsonaro. Cancelei minha amizade com ele no Facebook.

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    2. Pode acreditar, não houve revanchismo, ódio ou sentimentos semelhantes. Eu bloqueei esse cara (uma simpatia pessoalmente) por não aguentar mais ver notícias parciais, comentários levianos e um comportamento canino em relação ao presidente. Foi uma medida para preservar minha saúde mental (sério!). Basta lembrar a frase célebre do Umberto Eco. Era muito ufanismo, muita patriotada exagerada. Ironizando, o governo faz dois metros de meio fio e já vem um idiota com a frase mantra: "Mas isso a mídia (ou 'Globolixo') não mostra!". Isso dá azia! Repetindo, eu não tenho nada contra o sujeito ser de direita (eu sou) ou de esquerda (respeito), mas radical de qualquer cor é uma coisa que me faz mal (de verdade!). E como o presidente de plantão é uma toupeira ignorante, um "homem primata", seus seguidores mais exaltados conseguem ser ainda piores. Aliás, creio que nem notou que eu o bloqueei, pois tem uns 500 amigos ou mais.

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