sexta-feira, 16 de outubro de 2020

RASCUNHO


O título deste post deve-se ao fato de ser um rascunho que desisti de tentar melhorar, pois começou a ser escrito em 11/08, em um de meus momentos "black dog". Já que alguns amigos virtuais parecem incomodar-se com minhas oscilações de humor, apenas lhes direi que experimentem completar setenta anos para ver o que acontece! Hoje, por exemplo, estava de boa, "nem chorando nem sorrindo" (como cantou o Caetano Veloso), apenas matutando comigo mesmo, tentando entender a lógica de pessoas muito melhores, mais cultas e mais instruídas que eu terem se tornado seguidoras do Blogson. E essa afirmação em nada se assemelha às palavras de ordem  com que os programas de auditório comandam a platéia ("Aplausos!" "Gargalhadas"), pois já vou avisando que não estou à cata de aplausos ou de frases tipo “deixe de frescura, Jotabê!” Em outras palavras, não estou jogando para a arquibancada. Mas que intriga, ah, isso intriga!

Porque percebo nos nove amigos virtuais (acho muito pedante dizer “seguidores”) uma cultura humanística que eu não possuo, um vocabulário sofisticado que está a léguas de distância da minha linguagem coloquial. Fazer o quê, não é mesmo? Eu acho é bom, mas acabo me sentindo um semi-analfabeto como o Lula ou um boçal como o Bolsonaro (defeito colateral), pois ambos têm seguidores muito melhores que eles próprios. Esta introdução não tem nada a ver com o texto principal do post (escrito há dois meses), só quis registrar minha perplexidade sincera pelo fato de um idoso (sem noção, mas velho assim mesmo) escrever besteiras que agradam a pessoas muito mais jovens e mais cultas que ele. Isso é verdadeiramente um mistério. 


11/08
Às vezes, graças a alguma palavra, expressão ou uma frase curta que ouço, leio ou vejo, meu cérebro se mobiliza em torno disso, mesmo que eu ainda não saiba o que quero dizer. Começo a escrever sem rumo, tentando fazer o cérebro "pegar no tranco", mas orbitando o assunto que despertou minha atenção. O estímulo de hoje foi provocado por um antigo personagem de desenho animado, uma hiena que não ria.

Minha irmã é onze anos mais nova que eu. Por isso, quando eu ainda estava na mais desprogramada adolescência, às vezes ficava assistindo televisão com ela. Uma das séries que ela adorava era "Perdidos no Espaço", em que o impagável vilão Dr. Smith e um robô sem noção eram nossos personagens prediletos. Outra preferência compartillhada eram os desenhos da Hanna-Barbera.

A título de curiosidade, pesquisei na internet sobre essa dupla e descobri que de 1957 a 1990 a Hanna-Barbera Productions, Inc. produziu 183 séries de desenhos animados. Descobri também que a dupla criou os personagens Tom e Jerry, uma das melhores lembranças do final da minha infância. Mas voltemos ao tempo em que ficava assistindo os desenhos animados com minha irmã.

Pelo que descobri na internet, os personagens que mais nos divertiam são justamente alguns dos que foram criados nas décadas de 1950 e 1960. Creio que a explicação para isso serve para todos os desenhos animados antigos: nenhum foi criado exclusivamente para o público infantil.

Fazendo um retrospecto do que era exibido diariamente, percebo que a depressiva hiena Hardy era meu personagem predileto, justamente por seu bordão cheio de desalento "Oh, vida, oh, dia, oh, azar!" (que repito até hoje, imitando a voz do personagem). Essa hiena cuja boca doía ao tentar rir, fazia par com um sempre bem humorado leão, o esfuziante Lippy. E foi justamente o bordão da hiena que me fez começar este texto.

Os tempos mais recentes (ia escrever "os últimos tempos", mas sei lá, vai que o Cosmos gosta desse "últimos"...), repetindo, os tempos mais recentes têm sido muito pesados para mim, muito tristes e dolorosos (mas dispenso palavras de consolo e apoio, ok?). Um dos motivos foi provocado por uma sensação de velhice progressivamente acelerada, cada vez mais rápida, cada vez mais inexorável. Daí a ironia ao dizer a mim mesmo "Oh, dia, oh, vida, oh, azar!"

A velhice lembra uma historieta divertida que li, em que o diabo convence um sujeito a trocar o céu pelo inferno, mostrando um ambiente descoladíssimo, com uma iluminação feérica, cheio de luxo e luxúria, belas mulheres, com todos os antigos companheiros de esbórnia e putaria ali reunidos, se divertindo horrores. Depois de assinado o "contrato", a cenografia muda instantaneamente e o inferno se transforma no que realmente "é" - um lugar horroroso e cheio de sofrimento. É uma historieta que fala de cliente, marketing, etc., mas não consegui me lembrar onde foi lida. E também não é esse o assunto do dia.

O que sei é que a velhice chega silenciosa, suave, sorrateira e te conduz delicadamente a um portal de boas vindas onde algum filho da puta pintou "Melhor Idade". Quem entra, logo descobre que é na verdade um portal da má vida, de uma vida de merda, da vida de limitações e sofrimentos crescentes. Quando fiz 42 anos deixei minha barba crescer outra vez e achei graça nos dois pequenos tufos de cabelos brancos nas laterais do queixo quase inexistente. Minha barba começava a ficar branca, que engraçado! Talvez também tenha sido nessa época que minha visão outrora excepcionalmente boa (só a do olho esquerdo) começou a não conseguir mais ler os pequenos anúncios de jornal nem os nomes e endereços nas finadas listas telefônicas. Isso também foi muito engraçado!

A partir daí a coisa ficou parecendo um automóvel estacionado em uma rua descida e que esqueceram de manter com o freio de mão acionado. O carro começa a se mover devagarinho e vai pegando velocidade até dar perda total em um poste, muro, tanque de guerra ou nave alienígena, tanto faz. Comigo foi exatamente assim: os joelhos começaram a doer, os cabelos e outros adereços começaram a cair, a surdez surgiu e foi aumentando. Com ela vieram a hipertensão e o hipotiroidismo, o humor foi ficando rarefeito, o desejo de viver foi sendo anestesiado.

Aí, quando eu achava que não poderia piorar muito mais que isso, surgiu a pandemia, trazendo consigo a pandemência causada pelo isolamento forçado. Desde março de 2020 não saio de casa, graças a meu pertencimento ao "Grupo de Risco" (e pensar que nunca risquei nem grafitei muro nenhum quando era jovem!).

Essa situação restritiva, limitante, que faz com que eu me solidarize com os marinheiros de submarino e com os astronautas da Estação Espacial é que tem provocado o sincero desejo de estar morto (não com sofrimento, bem entendido), pois não mais me sinto capaz de defender, proteger e fazer felizes as pessoas que mais amo. E essa é só a ponta do iceberg, do izéberg. Só posso dizer "Oh, dia, oh, vida, oh, azar"!, enquanto torço por um infarto fulminante (corona não!).


10 comentários:

  1. A hiena Hardy Har Har também é, até hoje, um dos meus personagens preferidos. Também comecei a fraquejar da visão por volta dos 42 anos e lutei contra isso como um idiota que pudesse fazer parar o tempo; aos 45, não teve jeito, passei a usar óculos para "vista cansada", um grau e meio; neste ano, já sentindo dificuldade para ler as letrinhas das palavras cruzadas, voltei ao oftalmologista : lentes de 3 graus. É a podridão, meu velho. Fora os tendões dos joelhos e calcanhares que reclamam a qualquer caminhada um pouco mais longa que eu faça.
    Quanto à história que contou do capeta convencendo o cara a ir pro inferno, eu tenho uma melhor, de um cara que, depois de ser levado por São Pedro em uma visita pelo Céu, resolve por conta própria optar pelo inferno. Mas essa eu vou contar lá no Marreta, talvez ainda hoje.
    Quanto à sua indagação inicial, de se sentir semianalfabeto frente aos seus leitores, esqueça, é besteira. Eu também tenho entre aqueles seguidores que aparecem lá gente muito culta, competente e capacitada que eu. Ali tem jornalista (José Pedrialli, o cara já escreveu pra Folha de São Paulo e atualmente mantém coluna na Folha de Londrina), tem um promotor, um advogado de direitos humanos que já esteve em missão em Timor-Leste, um cara que é tradutor-intérprete de russo, alemão e - parece brincadeira - búlgaro, tem até um padre com doutorado em Ciências Sociais ou coisa parecida. E tem até o Jotabê. Talvez esses caras sejam tão sérios em seus ofícios, levem uma vida tão séria e comprometida, que gostam e se divertem ao ler as besteiras que nós escrevemos. Acho que pode ser um pouco isso, mas sei lá.

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    1. "E tem até o Jotabê". Ou virou um puxa-saco profissional ou estou precisando que alguém levante a placa onde se lê "Sarcasmo!"

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  2. Compartilho muitos dos seus pensamentos e chego a me sentir aliviada por isso. Acredito que seja normal se comparar dessa maneira, se sentir tão marginalizado diante daquilo que nos rodeia.
    Eu sou só uma garotinha do interior que criou um blog por puro hobby e a maioria dos meus leitores são pessoas com o dobro da minha idade ou mais. Passei a acompanhar elas também e vi quão "grande" a galera é. Agora, por exemplo, estou comentando num post do Jotabê, que apesar de ter muito mais idade que eu, não acha tudo que escrevo uma bobagem como a maioria dos senhores pensam das pessoas mais jovens.
    Também sinto uma certa "responsabilidade" em colocar conteúdo bom, em passar uma certa imagem, mas isso passa quando percebo que são bobagens. Minha linha de pensamento é a seguinte: se eles dedicam seu tempo a ler as bobagens pessoais que escrevo é porque realmente se interessam por aquilo, então basta que eu seja eu mesma.
    Já fiquei muito bolada por escrever muito sobre coisas tristes, mais puxadas pro lado melancólico, pois eu pensava "a vida de todo mundo já é um porre e eu fico trazendo esse tipo de coisa, ninguém tá interessado em mais tristeza". Mas daí passei a receber comentários de pessoas que diziam refletir, olhar pra si mesmas e até filosofar com o que escrevia. Eu fiquei surpresa, feliz e lisonjeada. E aos poucos parei de ter tanta neura quanto ao meu conteúdo.
    Mas confesso que a maioria das vezes escrevo de madrugada, quando estou mais relaxada e as coisas dentro de mim parecem mais em ordem, boto uma música e deixo as feras se libertarem. Escrevo. Publico. Quase sempre quando acordo me sinto envergonhada, fico pensando "agora sim terão a certeza de que sou louca" e me seguro pra não apagar. Kkkkkkk. É bom compartilhar nossas vulnerabilidades.

    Não se preocupe. Pega mais leve consigo mesmo (desculpe se isso soar como palavras de consolo e apoio, mas eu digo mesmo assim).

    Já quis muito estar aos 30 anos. Tirei essa ideia ansiosa da cabeça quando percebi que isso logo vem, e como vem. Imagino como deve ser difícil envelhecer, mas o que sempre me atraiu na ideia de ter mais anos de vida é o amadurecimento que isso traz. A visão mais apurada. O saber tão maior e mais amplo das coisas.

    A vida é difícil. As vezes penso que estar aqui é uma competição pra ver quem sofre mais e mesmo diante de tanto sofrimento consegue brincar no playground fodido. As vezes é necessário se controlar pra se manter vivo. Mas, as vezes, vale a pena; ou a gente tem que fazer (ou arranjar um jeito de) valer.

    Aprendo muito contigo, Jotabê.

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    1. https://www.youtube.com/watch?v=URXSAlFukg8. A frase que sempre me impactou é esta: "How terribly strange to be seventy". E hoje impacta mais.

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    2. Linda música. Profunda, tanto em letra quanto em voz e melodia.
      Imagino como se sente. Acho que quanto mais calejados ficamos, mais as indagações e questionamentos se intensificam.

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    3. Às vezes eu silencio as indagações fazendo piadas idiotas, rindo como hiena (na verdade eu gosto de fazer piadas idiotas, pois minha boca não doi quando eu rio).Todos os comentários feitos neste post me levaram a (spoiler!) requentar, remendar, alterar um post antigo que sairá amanhã à zero hora e um minuto.

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  3. Obrigado pelo comentário. Sugiro que escute uma música gravada pela dupla Simon & Garfunkel que se chama "Old friends". Se não entender inglês (eu não sei), pegue a letra no Google e traduza. Há um verso que é a minha cara (na verdade,sempre me deixou meio aturdido).

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  4. "O inverno acompanha os velhos
    Perdidos em seus sobretudos
    Esperando pelo pôr-do-sol"
    "Velhos amigos
    Movem-se juntos pelos mesmos anos
    Compartilhando em silêncio o mesmo medo"

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