Não sei de onde ou de quem minha mulher recebeu o texto a seguir. Só sei que o publicou em seu perfil de Facebook. Não sei quem é a autora e imagino que os leitores mais jovens talvez tenham pouca sintonia com as ideias e emoções tão bem apresentadas no texto. Não importa. Esse (ou este) texto pode ser enquadrado no lema "Como não fui eu que fiz?"
Quando eu era pequena, não entendia o choro solto da minha mãe ao assistir a um filme, ouvir uma música ou ler um livro. O que eu não sabia é que minha mãe não chorava pelas coisas visíveis. Ela chorava pela eternidade que vivia dentro dela e que eu, na minha meninice, era incapaz de compreender.
O tempo passou e hoje me emociono diante das
mesmas coisas, tocada por pequenos milagres do cotidiano.
É que a memória é contrária ao tempo. Enquanto
o tempo leva a vida embora como vento, a memória traz de volta o que realmente
importa, eternizando momentos. Crianças têm o tempo a seu favor e a memória
ainda é muito recente. Para elas, um filme é só um filme; uma melodia, só uma
melodia. Ignoram o quanto a infância é impregnada de eternidade.
Diante do tempo, envelhecemos, nossos filhos
crescem, muita gente parte. Porém, para a memória, ainda somos jovens, atletas,
amantes insaciáveis. Nossos filhos são crianças, nossos amigos estão perto,
nossos pais ainda vivem.
Quanto mais vivemos, mais eternidades criamos
dentro da gente. Quando nos damos conta, nossos baús secretos – porque a
memória é dada a segredos – estão recheados daquilo que amamos, do que deixou
saudade, do que doeu além da conta, do que permaneceu além do tempo.
A capacidade de se emocionar vem daí, quando
nossos compartimentos são escancarados de alguma maneira. Um dia você liga o
rádio do carro e toca uma música qualquer, ninguém nota, mas aquela música já
fez parte de você – foi o fundo musical de um amor, ou a trilha sonora de uma
fossa – e mesmo que tenham se passado anos, sua memória afetiva não obedece a
calendários, não caminha com as estações; alguma parte de você volta no tempo e
lembra aquela pessoa, aquele momento, aquela época...
Amigos verdadeiros têm a capacidade de se
eternizar dentro da gente. É comum ver amigos da juventude se reencontrando
depois de anos – já adultos ou até idosos – e voltando a se comportar como
adolescentes bobos e imaturos. Encontros de turma são especiais por isso,
resgatam as pessoas que fomos, garotos cheios de alegria, engraçadinhos,
capazes de atitudes infantis e debiloides, como éramos há 20,30 ou 40 anos.
Descobrimos que o tempo não passa para a memória. Ela eterniza amigos,
brincadeiras, apelidos... mesmo que por fora restem cabelos brancos, artroses e
rugas.
A memória não permite que sejamos adultos
perto de nossos pais. Nem eles percebem que crescemos. Seremos sempre "as
crianças", não importa se já temos 30, 40 ou 50 anos. Pra eles, a lembrança
da casa cheia, das brigas entre irmãos, das estórias contadas ao cair da
noite... ainda são muito recentes, pois a memória amou, e aquilo se eternizou.
Por isso é tão difícil despedir-se de um amor
ou alguém especial que por algum motivo deixou de fazer parte de nossas vidas.
Dizem que o tempo cura tudo, mas não é simples assim. Ele acalma os sentidos,
apara as arestas, coloca um band-aid na dor. Mas aquilo que amamos tem vocação
para emergir das profundezas, romper os cadeados e assombrar de vez em quando.
Somos a soma de nossos afetos, e aquilo que amamos pode ser facilmente
reativado por novos gatilhos: somos traídos pelo enredo de um filme, uma música
antiga, um lugar especial.
Do mesmo modo, somos memórias vivas na vida
de nossos filhos, cônjuges, ex-amores, amigos, irmãos. E mesmo que o tempo nos
leve daqui, seremos eternamente lembrados por aqueles que um dia nos amaram.
Texto extremamente tocante. Eu me surpreendo como alguém consegue ter tamanha sensibilidade pra escrever algo assim. É realmente fora da minha compreensão.
ResponderExcluirObrigada por compartilhar, Jotabê. Vou salvar pra ler daqui há algum tempo. Certamente a interpretação será diferente, mais rica, mais intensa.
Sem dúvida! Por isso eu disse que gostaria de tê-lo escrito (mas sou só um analfabeto emocional)
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