quinta-feira, 29 de outubro de 2020

FARELOS DA HISTÓRIA

 
Morei na casa de minha avó até me casar. Casa de vó, especialmente das que tiveram muitos filhos, é uma mina de coisas inúteis, antigas e bizarras, Se a dupla do programa “Caçadores de Relíquias” entrasse na casa de minha avó certamente desejaria comprar muita coisa, pois tranqueira é o que mais existia ali. Cofrinhos do Banco da Lavoura, coleção de lápis de propaganda (isso já existiu!), revistas “O Cruzeiro” da década de 1950, canetas tinteiro que não escreviam mais, mata-borrão (alguém sabe o que é isso?), um conjunto de jarro e bacia de louça do início do século XX e até uma cristaleira metida a besta que todo mundo chamava de étagère (não com essa frescura toda de acentos).
 
Pois bem, estou chegando à conclusão que nossa casa está ficando igual, pois às vezes descubro coisas de que nem me lembrava mais. Uma dessas surpresas aconteceu ontem. Depois de ter sido pego no laço por minha mulher para arrumar um quartinho transformado em biblioteca, discoteca de vinis, despensa e almoxarifado pandêmico, descobri esquecida em uma das prateleiras mais altas uma verdadeira relíquia, uma coleção de caixas de fósforo de propaganda (distribuídas como brinde em um tempo onde fumar não era um ato condenável). Essas caixinhas (cartelas) trazem impressas imagens, telefones, endereços, etc.
 
Ao bater o olho naquela “preciosidade”, não tive dúvida: levei tudo para perto do scanner, arrumei caprichosamente as caixinhas no vidro da máquina e mandei bala, ou seja, escaneei tudo. E foi bom ter feito isso, pois se percebia uma discreta umidade em uma das laterais da caixa onde estiveram acondicionadas. Essa umidade bastou para tirar o brilho original de várias peças.
 
Descobri também que não faço a menor ideia de como essa coleção veio parar aqui em casa (mesmo que eu e minha mulher tenhamos perfil de acumulador), pois, além de serem visivelmente antigas, algumas trazem propaganda de boates e restaurantes do Rio de Janeiro. Mas há três que são absolutamente sensacionais: uma delas traz a imagem do Juscelino Kubistchek quando ainda estava concorrendo ao cargo de presidente! A data impressa na lombada da caixa é “1955”. A segunda traz o retrato de Terezinha Morango, Miss Brasil 1957. A terceira é uma caixa “anabolizada”, pois tem o tamanho de três cartelas emendadas. Pelas datas que se podem ver em outras caixas, essa coleção deve ter sido formada na segunda metade da década de 1950.
 
Talvez devesse ter escaneado frente e verso de todas elas, mas daria muito trabalho. Por isso, reservei esse tratamento especial apenas ao grupo que aparece na primeira página.  E são essas imagens que compõem o post de hoje. Não significam nada, provavelmente nada valem, são como as casquinhas que se soltam do pão que é partido na mesa de café da manhã e depois varridas. São como que casquinhas ou farelos da História. Que eu resolvi não varrer para o lixo. Olhaí.










6 comentários:

  1. Removi o primeiro comentário porque faltou uma parte.
    Se vale alguma coisa, do ponto de vista monetário, eu não sei, mas que é uma belíssima coleção, isso é.
    Eu também colecionei várias coisas quando criança e adolescente, figurinhas, tampinhas de garrafa, chaveiros, maços de cigarro (escondidos da mãe e do pai), selos, insetos, gibis etc.
    Não vejo mais essa meninada de hoje em dia, e falo inclusive do meu filho, com interesse em colecionar mais nada. O que acho uma pena. Pois nos dedicarmos a uma coleção é uma maneira prazerosa de treinarmos disciplina, método, paciência, orgnaização, hierarquia.
    em tempo : até caixinha de fósforo do Jânio tem. No caso dele, acho que a propaganda teria sido mais efetiva na época se a cara dele viesse estampada num copinho dosador de cachaça.

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    1. Como já disse outras vezes, morei na casa de minha avó materna até me casar. Nessa casa, além de meus avós e minha família, moraram também oito tios e tias, cada um com um estilo diferente. à medida que iam saindo de casa, deixavam para trás objetos, livros, coleções e essa tranqueirinha que nem nos lembramos mais da existência. Nada disso era jogado fora, ficava lá, esquecido. Já postei aqui no Blogson minha coleção de maços de cigarro que minha mãe guardou e um dia me entregou. Mas essa coleção de cartelinhas de fósforo eu realmente não sei a quem pertenceu. Minha mulher acredita que pode ter sido de um irmão já falecido. Incomodá-lo no "Centro Oriente" só para confirmar é desagradável (piada!). Talvez possa ser mesmo, pois no meio das caixinhas existe uma de 1976, quando todos os tios já tinham se casado. Mesmo assim, fica a dúvida, pois as caixas são muito antigas, com propagandas de empresas que nem existem mais, algumas de São Paulo, outras do Rio, uma de Montes Claros ou Uberlandia, se não me engano. Sem contar a "icônica" caixa do Juscelino. Só gente mais velha que eu pode ter guardado isso. Quanto à do Jânio, uma curiosidade: a imagem era o verso da caixa, propaganda de um candidato a vereador. Isso dá para ver na primeira página, pois tive a paciência de escanear frente e verso. Se bobear deve estar guardada em algum canto uma coleção de lápis que foi de um tio, pois minha mulher adora guardar coisas. O problema é que eu nunca acho. Ela é organizada TOC e eu desorganizado top. Só levo desvantagem.

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    2. Uma suspeita: a parte principal da caixa é onde fica a superfície usada para riscar o fósforo. A explicação talvez fosse a necessidade de se observar o lado onde ficava a lixa. O verso da caixa seria só um bônus, um complemento. Copare a do Juscelino com a da Miss Brasil. Mesmo assim, escaneei só a face que achei mais atraente.

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  2. muito legal
    organizar da trabalho mesmo

    abs!

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    1. Imaginei que duas pessoas gostariam muito da coleção, você e o Ozymandias

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