quarta-feira, 7 de outubro de 2020

QUO USQUE?

Entre os anos de 1347 e 1351 a Europa e a Ásia foram atingidas por uma pandemia conhecida entre outros nomes como "Peste Negra" ou, simplesmente, "Peste". Essa Peste resultou na morte de 75 a 200 milhões de pessoas (“precisão” é isso!).
 
Agora, em pleno século 21, vem nosso presidente declarar-se um “cabra da peste”. Parece até ato falho referir-se a si próprio como “o cabra da peste”, porque a Covid-19 é exatamente isso, mais uma pandemia, mais uma peste.
 
E esse auto-reconhecimento é devido à sua defesa do uso da cloroquina em recente viagem ao Nordeste, quando disse: “Deus foi tão abençoado que nos deu a hidroxicloroquina para quem se acometer da doença. Quem não acreditou engula agora. Eu não sou médico, mas sou ousado, como o cabra da peste nordestino. Nós temos que buscar uma solução para os nossos problemas, e ela apareceu”.
 
Sinceramente, fico profundamente incomodado com essa obsessão presidencial, pois não é mais crença, não é mais convicção, é obsessão mesmo. É como se ainda fosse militar da ativa e resolvesse marchar no sentido contrário ao do desfile dos diversos batalhões. Por isso, deve ser muito constrangedor (para ele!) saber que Donald Trump pegou Covid e que sua amada hidroxicloroquina não foi incluída no coquetel de medicamentos prescrito pelos médicos que estão atendendo seu ídolo.
 
Aliás, que ídolo! Que exemplo! Depois de sair totalmente contaminante do hospital para dar uma voltinha de carro e acenar para seus eleitores (lembrou alguém?), o "cabelo de milho" recebeu severas críticas por essa irresponsabilidade eleitoreira. A mais contundente e educativa talvez tenha sido esta, publicada no jornal “The Guardian”:
 
James Phillips, doutor em medicina de emergência na George Washington University e médico assistente na Walter Reed, chamou a façanha de “insanidade”.
“Cada pessoa no veículo durante aquele 'passeio' presidencial completamente desnecessário agora tem que ser colocado em quarentena por 14 dias. Eles podem ficar doentes. Eles podem morrer”, escreveu ele em um tweet.
"Para teatro político. Comandado por Trump para colocar suas vidas em risco pelo teatro. Isto é loucura."
Em um segundo tweet, Phillips acrescentou: “Esse SUV presidencial não é apenas à prova de balas, mas hermeticamente selado contra ataques químicos. O risco de transmissão de COVID19 no interior é tão alto quanto fora dos procedimentos médicos. A irresponsabilidade é surpreendente".
 
O texto original é este:
James Phillips, doctor of emergency medicine at George Washington University, who is an attending physician at Walter Reed, called the stunt “insanity”.
“Every single person in the vehicle during that completely unnecessary Presidential ‘drive-by’ just now has to be quarantined for 14 days. They might get sick. They may die,” he wrote in a tweet.
“For political theater. Commanded by Trump to put their lives at risk for theater. This is insanity.”
In a second tweet Phillips added: “That Presidential SUV is not only bulletproof, but hermetically sealed against chemical attack. The risk of COVID19 transmission inside is as high as it gets outside of medical procedures. The irresponsibility is astounding.
 .
A título de comentário sobre a declaração do nosso presidente (sem esquecer do coquetel de medicamentos do Trump) e a saidinha do presidente americano, pode-se lembrar que a História preservou os discursos pronunciados pelo cônsul romano Marco Túlio Cícero contra o senador Catilina. Talvez o trecho mais conhecido seja este:
 
Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?
Quam diu etiam furor iste tuus eludet?
Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia?
 
Traduzindo o discurso para língua de gente e mudando o nome do destinatário para “Sr. Presidente”, ficaria assim:
 
Até quando, Sr. Presidente, abusarás da nossa paciência?
Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?
A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia (ou "ousadia")?
 
E se os americanos também quiserem puxar a orelha do Trump, fica aqui a sugestão:

How long, Mr. President, will you abuse our patience?
How long will your madness mock us?
To what extremes should your unbridled audacity fall? 

6 comentários:

  1. Eu fico preocupado com a sanidade mental dos apoiadores do Bolsonaro

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    1. Em meio a tudo isso, eu fico preocupado é com a minha!

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    2. Isso também.

      Ontem um amigo meu me mostrou que no Twitter, a "hashtag" (assunto do momento) #BolsonaroPetista foi a mais utilizada no dia. Estamos num nível de loucura que a galera está dizendo que o Bolsonaro é Petista! É a prova que os conceitos de "esquerda" e "direita" já foram por terra. E que o povo define as palavras na política pelo calor do momento.

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  2. Eu fico consternado por ver tanto radicalismo, tanta falta de bom senso que os "apoiadores" exibem. Isso me faz pensar em uma cena do fantástico filme "A última tentação de Cristo" (execrado injustamente - a meu ver - pela Igreja Católica). Em seu delírio, pregado na cruz, Jesus imagina encontrar Paulo, que está pregando a um grupo qualquer, e se identifica. Paulo raage negativamente, dizendo que não precisa dele vivo, mas morto. E que toda pregação que faz acontece em cima de um Jesus ressuscitado, não de um Jesus que se recusou a morrer. (o filme é ótimo, mesmo que aparente ser herético). Voltando ao Bolsonaro, o que seus seguidores parecem desejar é que ele seja ainda mais radical que eles próprios, e que um "Jairzinho paz e amor" não atende seu desejo de sangue (metaforicamente falando, claro).

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    1. Não vi o filme, Jotabê, mas talvez ele seja bom por ser herético?!
      E sim, os seguidores do outro Messias (que geralmente também seguem o Messias anterior) estão nessa.

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    2. Eu não consigo vê-lo como herético, mas não vou dar spoiler. Apenas sugiro que o veja. É do Martin Scorsese, se não me engano.

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