Recebi
este texto de um educador que admiro muito. Foi publicado originalmente no
"Estadão", no dia 29 de setembro de 2020. Achei tão expressivo e pertinente
que resolvi publicá-lo aqui no Blogson justamente no Dia Mundial dos Professores, como reconhecimento pelo trabalho dos profissionais do ensino devotados à sua profissão Um deles certamente é meu amigo virtual
Azarão do Marreta - ou Marreta do Azarão.
Ministro Milton Ribeiro, deixe-me apresentar.
Sou escritor, publiquei 46 livros, jornalista desde 1952, hoje cronista e
pertenço a duas Academias, a Brasileira e a Paulista. Este breve curriculum se
deve a quê? Aos professores que tive.
Todos de primeira linha, dedicados, cultos,
apaixonados. Desde 1975, junto a outro escritor e acadêmico da Brasileira,
Antonio Torres, atravessamos o Brasil. Convidados por professores, discutimos a
formação de leitores e literatura. Estive várias vezes no Mackenzie, sua
escola, levado por quem? Por professores que adoram seu ofício.
Ao longo destes 50 anos, conhecemos e nos
relacionamos com mais de dois ou três mil professores que desdenharam outras
profissões. Poderiam ter sido médicos, engenheiros, advogados, ministros,
astronautas, cientistas, artistas, executivos, banqueiros, e daí em diante.
Preferiram ser mestres. Ninguém vai ser professor sem paixão pelo ensino.
Deste modo, ao ler sua entrevista neste
jornal, recentemente, levei um susto com sua escorregadela: “Hoje, ser
professor é ser quase que uma declaração que a pessoa não conseguiu fazer outra
coisa”. Ou seja, são pessoas que fracassaram. Em seguida, percebendo, o senhor
tentou consertar: “É preciso a gente olhar com carinho maior para os
professores”. Ou seja, uma no prego e outra na ferradura. Um tapa, um beijo.
Afago e beliscão.
Existem zilhões de profissões. Mesmo assim, o
que se depreende de sua fala é que milhões acabaram sendo professores por
incapacidade, preguiça, deficiência mental, incompetência, ignorância, burrice,
analfabetismo? Exagero?
Como escritor, trabalhando com a imaginação
exacerbada, conhecendo o absurdo da realidade tornei-me, segundo me definem
curiosamente, “vidente”, profeta. Está em meu livro Desta Terra Nada Vai
Sobrar..., publicado em 2018: “O Ministério da Educação foi eliminado, porque o
governo decidiu que quem quiser estudar, estude onde quiser, como quiser, como
puder, onde conseguir, se tiver vontade.” Antecipei Bolsonaro e o
desmantelamento do Ensino. Há dois anos vivemos o caos educacional.
O senhor, Ministro, pertence a uma escola de
elite em São Paulo, reconhecida pela qualidade. Quer dizer que os professores
que dão aulas ali, e em todas as escolas do Estado, do País, foram dar aulas
porque não acharam mais o que fazer? Ou é gente que sonhou e se formou para
isso, estudou, batalhou à exaustão, conseguiu nível de excelência? Ou porque
idealizaram mudar cabeças, melhorar o País e isso se consegue com educação?
Sei – e o senhor sabe – que o número de
professores no país, em 2017, passava de 2,5 milhões, segundo revelou Carolina
Gonçalves, da Agência Brasil. A maior parte dos professores é da educação
básica, seguindo os do ensino superior, além dos que estão na zona rural.
Será que este número enorme é de gente que
não conseguiu outro trabalho? Não puderam ser célebres no cinema, nem
cientistas, caminhoneiros, artistas, garis, bombeiros, mestres de cozinha,
modelos, publicitários, jornalistas, bailarinos, futebolistas, taxistas,
assessores de políticos, de imprensa horticultores, balconistas, metalúrgicos,
motoboys, vidraceiros, caftens, marceneiros, pedreiros, chapeiros de
hambúrguer, agrimensores, bicheiros, pianistas, donos de papelaria ou de
pastelaria?
Andou pelo Brasil, Ministro? Saiu dessa
confortável poltrona em que o vejo sentado na foto do jornal? Esteve nas
escolas rurais de Pirenópolis, interior do Goiás, onde professoras madrugam
para dar aulas a filhos de camponeses? Embarcou nos barcos bibliotecas que
partem de Macapá levando livros para escolas ribeirinhas sobre o Amazonas?
Esteve com as professoras que conseguiram ensinar alunos rebeldes,
tresloucados, filhos de marginais, na Casa Meio Norte, em Teresina, hoje modelo
premiado?
Esteve – como estive – na escola da aldeia
dos índios da tribo Canindé, no Ceará, e viu os jovens mantendo tradições e
manipulando computadores com o pé no futuro? Ou acha, como o presidente, que os
índios estão só queimando matas? Conviveu com professores dando aulas ao ar
livre em Rio Branco, Acre, rodeados por jovens?
Testemunhou o trabalho monumental,
voluntário, dos professores que a cada ano são voluntários nas Feiras de Livros
de Ribeirão Preto, que chega à sua 20ª edição? Ou do esforço feito em Passo
Fundo pelas Jornadas de Literatura de Tania Rösing e sua equipe? Jornadas
extintas por dificuldades financeiras. Assombre-se, elas reuniam em cada sessão
– e eram três por dia – seis mil professores formadores de leitores.
Rapaz, obrigado pela homenagem.
ResponderExcluirTenho quatro livros do Ignácio de Loyola e li uns outros tantos. Vi-o ao vivo duas vezes, quando a Feira do Livro de Ribeirão Preto ainda prestava e não tinha ainda sido popularizado, virado "point" dos manos e das minas.
Loyola está correto em praticamente tudo que escreveu, porém com um porém : todos os professores descritos genericamente pelo seu texto são os professores que ele teve, que o ministro teve, tempo em que professor ganhava feito um juiz de direito e por isso atraía os melhores da categoria, era uma profissão reconhecida financeira e moralmente.
Infelizmente, nos dias de hoje, quando o ministro diz : “Hoje, ser professor é ser quase que uma declaração que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”, ele está mais perto da verdade que o Loyola.
Com a falta de professores ocasionada pelos baixos salários e péssimos condições de trabalho e até de segurança e integridade física, bons profissionais começaram a migrar para outras áreas. O que fez o governo? Incentivou a profissão? Não. Aprova a cada dia mais e mais faculdades à distância para a formação de professores a toque de caixa. Hoje, muitas licenciaturas à distância são concluídas em dois, três anos.
Hoje, não é o bom aluno que se torna um professor, não é o aluno que gostava de estudar. É o vagabundo. É, sim, me desculpe o Loyola, o sujeito que não vai virar mais nada na vida.
Já vi casos e mais casos aberrantes onde leciono. Professores semianalfabetos, professores que usam uma linguagem tão ou mais baixa que a do aluno para se expressar, tanto em sala de aula como em reuniões com direção etc, professores que se sentam com os alunos para ouvir música e ver vídeos engraçados nos celulares durante a aula. Está cheio disso por aí, caro Jotabê. E aumentando cada vez mais.
Queria muito menos concordar com o Loyola e discordar do ministro. Mas talvez seja o Loyola que tenha que seguir o conselho que deu ao ministro e andar mais pelo Brasil. Talvez fazer uma experiência. Ao invés de ser apresentado a uma sala de aula como o fodástico escritor que é, como uma celebridade, ele poderia entrar como um anônimo, um simples professor, para tentar dar aula em algumas escolas públicas por aí, conhecer os nossos alunos tão vitiminhas.Conviver na sala dos professores, sem que saibam sua verdadeira identidade.
Loyola se surpreenderia.
Eu acredito que os três estão certos (você, o ministro e o Loyola). O que precisaria ser resgatada é a valorização do professor para chegar pelo menos perto de Cingapura. ("Ser professor não é um emprego, é uma profissão responsável por moldar as futuras gerações. Tratamos os professores como joias", explicou Chor Boon Goh, gerente-geral da NIE International, braço do Instituto Nacional de Educação de Cingapura.). Quando entrei na faculdade o segundo colocado geral do primeiro vestibular unificado de MG pretendia seguir a carreira de engenheiro. Ele era absolutamente genial, matava a pau todas as matérias, inclusive cálculo diferencial e integral. Não deu outra: foi convidado pelo catedrático dessa matéria dificílima para se mudar de mala e cuia para o curso de Matemática. E ele foi. Nunca mais tive notícias dele, mas não tenho dúvida de que deve ter brilhado no setor. Então, é como você falou, sem valorização e grana só loucos e apaixonadospensam em dar aulas de qualidade.
ExcluirLoucos e apaixonados? Tem alguma diferença entre eles?
ExcluirNeste caso, não.
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