segunda-feira, 5 de outubro de 2020

MINISTRO, PEÇA DESCULPAS AOS PROFESSORES - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO

Recebi este texto de um educador que admiro muito. Foi publicado originalmente no "Estadão", no dia 29 de setembro de 2020. Achei tão expressivo e pertinente que resolvi publicá-lo aqui no Blogson justamente no Dia Mundial dos Professores, como reconhecimento pelo trabalho dos profissionais do ensino devotados à sua profissão Um deles certamente é meu amigo virtual Azarão do Marreta - ou Marreta do Azarão.  Para ser sincero, fiquei sabendo desta data um pouco tarde, bem depois de já ter publicado um texto sem noção no mesmo dia. Mas tudo bem. 

Ministro Milton Ribeiro, deixe-me apresentar. Sou escritor, publiquei 46 livros, jornalista desde 1952, hoje cronista e pertenço a duas Academias, a Brasileira e a Paulista. Este breve curriculum se deve a quê? Aos professores que tive.

Todos de primeira linha, dedicados, cultos, apaixonados. Desde 1975, junto a outro escritor e acadêmico da Brasileira, Antonio Torres, atravessamos o Brasil. Convidados por professores, discutimos a formação de leitores e literatura. Estive várias vezes no Mackenzie, sua escola, levado por quem? Por professores que adoram seu ofício.

Ao longo destes 50 anos, conhecemos e nos relacionamos com mais de dois ou três mil professores que desdenharam outras profissões. Poderiam ter sido médicos, engenheiros, advogados, ministros, astronautas, cientistas, artistas, executivos, banqueiros, e daí em diante. Preferiram ser mestres. Ninguém vai ser professor sem paixão pelo ensino.

Deste modo, ao ler sua entrevista neste jornal, recentemente, levei um susto com sua escorregadela: “Hoje, ser professor é ser quase que uma declaração que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”. Ou seja, são pessoas que fracassaram. Em seguida, percebendo, o senhor tentou consertar: “É preciso a gente olhar com carinho maior para os professores”. Ou seja, uma no prego e outra na ferradura. Um tapa, um beijo. Afago e beliscão.

Existem zilhões de profissões. Mesmo assim, o que se depreende de sua fala é que milhões acabaram sendo professores por incapacidade, preguiça, deficiência mental, incompetência, ignorância, burrice, analfabetismo? Exagero?

Como escritor, trabalhando com a imaginação exacerbada, conhecendo o absurdo da realidade tornei-me, segundo me definem curiosamente, “vidente”, profeta. Está em meu livro Desta Terra Nada Vai Sobrar..., publicado em 2018: “O Ministério da Educação foi eliminado, porque o governo decidiu que quem quiser estudar, estude onde quiser, como quiser, como puder, onde conseguir, se tiver vontade.” Antecipei Bolsonaro e o desmantelamento do Ensino. Há dois anos vivemos o caos educacional.

O senhor, Ministro, pertence a uma escola de elite em São Paulo, reconhecida pela qualidade. Quer dizer que os professores que dão aulas ali, e em todas as escolas do Estado, do País, foram dar aulas porque não acharam mais o que fazer? Ou é gente que sonhou e se formou para isso, estudou, batalhou à exaustão, conseguiu nível de excelência? Ou porque idealizaram mudar cabeças, melhorar o País e isso se consegue com educação?

Sei – e o senhor sabe – que o número de professores no país, em 2017, passava de 2,5 milhões, segundo revelou Carolina Gonçalves, da Agência Brasil. A maior parte dos professores é da educação básica, seguindo os do ensino superior, além dos que estão na zona rural.

Será que este número enorme é de gente que não conseguiu outro trabalho? Não puderam ser célebres no cinema, nem cientistas, caminhoneiros, artistas, garis, bombeiros, mestres de cozinha, modelos, publicitários, jornalistas, bailarinos, futebolistas, taxistas, assessores de políticos, de imprensa horticultores, balconistas, metalúrgicos, motoboys, vidraceiros, caftens, marceneiros, pedreiros, chapeiros de hambúrguer, agrimensores, bicheiros, pianistas, donos de papelaria ou de pastelaria?

Andou pelo Brasil, Ministro? Saiu dessa confortável poltrona em que o vejo sentado na foto do jornal? Esteve nas escolas rurais de Pirenópolis, interior do Goiás, onde professoras madrugam para dar aulas a filhos de camponeses? Embarcou nos barcos bibliotecas que partem de Macapá levando livros para escolas ribeirinhas sobre o Amazonas? Esteve com as professoras que conseguiram ensinar alunos rebeldes, tresloucados, filhos de marginais, na Casa Meio Norte, em Teresina, hoje modelo premiado?

Esteve – como estive – na escola da aldeia dos índios da tribo Canindé, no Ceará, e viu os jovens mantendo tradições e manipulando computadores com o pé no futuro? Ou acha, como o presidente, que os índios estão só queimando matas? Conviveu com professores dando aulas ao ar livre em Rio Branco, Acre, rodeados por jovens?

Testemunhou o trabalho monumental, voluntário, dos professores que a cada ano são voluntários nas Feiras de Livros de Ribeirão Preto, que chega à sua 20ª edição? Ou do esforço feito em Passo Fundo pelas Jornadas de Literatura de Tania Rösing e sua equipe? Jornadas extintas por dificuldades financeiras. Assombre-se, elas reuniam em cada sessão – e eram três por dia – seis mil professores formadores de leitores.

Ministro, não ignore o fundamento de uma nação, o professor. Esse que é mal pago, desconsiderado, violentado, processado por pais, agredido por alunos. Sou escritor por ter tido professores dignos. Percorra a nossa história e verá quantas figuras fundamentais (ou não) foram formadas por eles. Peça desculpas a essa gente, base da nação. Seu cargo é mais importante que o do presidente da nação. Não misture alhos com bugalhos, libere-se dos preconceitos e entre para a história colocando ordem na casa.                        

4 comentários:

  1. Rapaz, obrigado pela homenagem.
    Tenho quatro livros do Ignácio de Loyola e li uns outros tantos. Vi-o ao vivo duas vezes, quando a Feira do Livro de Ribeirão Preto ainda prestava e não tinha ainda sido popularizado, virado "point" dos manos e das minas.
    Loyola está correto em praticamente tudo que escreveu, porém com um porém : todos os professores descritos genericamente pelo seu texto são os professores que ele teve, que o ministro teve, tempo em que professor ganhava feito um juiz de direito e por isso atraía os melhores da categoria, era uma profissão reconhecida financeira e moralmente.
    Infelizmente, nos dias de hoje, quando o ministro diz : “Hoje, ser professor é ser quase que uma declaração que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”, ele está mais perto da verdade que o Loyola.
    Com a falta de professores ocasionada pelos baixos salários e péssimos condições de trabalho e até de segurança e integridade física, bons profissionais começaram a migrar para outras áreas. O que fez o governo? Incentivou a profissão? Não. Aprova a cada dia mais e mais faculdades à distância para a formação de professores a toque de caixa. Hoje, muitas licenciaturas à distância são concluídas em dois, três anos.
    Hoje, não é o bom aluno que se torna um professor, não é o aluno que gostava de estudar. É o vagabundo. É, sim, me desculpe o Loyola, o sujeito que não vai virar mais nada na vida.
    Já vi casos e mais casos aberrantes onde leciono. Professores semianalfabetos, professores que usam uma linguagem tão ou mais baixa que a do aluno para se expressar, tanto em sala de aula como em reuniões com direção etc, professores que se sentam com os alunos para ouvir música e ver vídeos engraçados nos celulares durante a aula. Está cheio disso por aí, caro Jotabê. E aumentando cada vez mais.
    Queria muito menos concordar com o Loyola e discordar do ministro. Mas talvez seja o Loyola que tenha que seguir o conselho que deu ao ministro e andar mais pelo Brasil. Talvez fazer uma experiência. Ao invés de ser apresentado a uma sala de aula como o fodástico escritor que é, como uma celebridade, ele poderia entrar como um anônimo, um simples professor, para tentar dar aula em algumas escolas públicas por aí, conhecer os nossos alunos tão vitiminhas.Conviver na sala dos professores, sem que saibam sua verdadeira identidade.
    Loyola se surpreenderia.

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    1. Eu acredito que os três estão certos (você, o ministro e o Loyola). O que precisaria ser resgatada é a valorização do professor para chegar pelo menos perto de Cingapura. ("Ser professor não é um emprego, é uma profissão responsável por moldar as futuras gerações. Tratamos os professores como joias", explicou Chor Boon Goh, gerente-geral da NIE International, braço do Instituto Nacional de Educação de Cingapura.). Quando entrei na faculdade o segundo colocado geral do primeiro vestibular unificado de MG pretendia seguir a carreira de engenheiro. Ele era absolutamente genial, matava a pau todas as matérias, inclusive cálculo diferencial e integral. Não deu outra: foi convidado pelo catedrático dessa matéria dificílima para se mudar de mala e cuia para o curso de Matemática. E ele foi. Nunca mais tive notícias dele, mas não tenho dúvida de que deve ter brilhado no setor. Então, é como você falou, sem valorização e grana só loucos e apaixonadospensam em dar aulas de qualidade.

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    2. Loucos e apaixonados? Tem alguma diferença entre eles?

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