segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

NOÇÕES DE ZÉOMETRIA ESPECIAL - AULA 01

Imagino que geometria espacial é uma coisa hoje tão distante do ensino médio quanto a Lua da Terra. Por isso, resolvi dar minha modesta contribuição para corrigir um pouco essa lacuna. Pensei em tentar ensinar noções básicas dessa matéria. Mas, como não sou bacharelado em Matemática, tenho receio de ser até processado por exercício ilegal da profissão. 

Assim, criei uma variante que certamente não está nos livros escolares, a que dei o singelo nome de “Noções de Zéometria Especial” (quero ver alguém me processar agora!). E o primeiro passo é identificar corretamente os sólidos geométricos. Ao final desses ensinamentos, ninguém poderá dizer que não sabe o que é um prisma, uma paraboloide, uma elipsoide, um poliedro, etc.Por isso, vamos à primeira lição!






domingo, 28 de dezembro de 2014

TABULEIRO

Às vezes eu me surpreendo tanto com o comportamento de alguns líderes evangélicos que isso acaba fazendo surgir pensamentos malucos em minha cabeça. O mais recente desses pensamentos poderia talvez ser classificado como a “mensagem do dia":

Do jeito que alguns "bispos" se comportam, o único lugar adequado para eles deveria ser o xadrez (talvez seja apenas coincidência, mas as igrejas evangélicas que eles comandam estão sempre cheias de peões).

(Como não sabe jogar nada, Jotabê só joga pedra)


sábado, 27 de dezembro de 2014

CERVANTES

Alguns bilhões de anos atrás, eu estava empolgado em fazer alguns cartoons com base em frases e expressões populares (“populares”, claro, naquela época); tentava também emular o traço fantástico do Ziraldo (não consegui, lógico). Fiz uns três e parei, não sei bem por que.

O primeiro baseou-se em uma frase atribuída ao Cervantes, que eu li em algum lugar. A frase era assim: "Todas as dores se tornam menores com pão". Recentemente, por curiosidade, tentei confirmar a autoria da frase, mas o máximo que encontrei foi alguma coisa parecida, dita pelo personagem Sancho Pança (ou Panza). O que continua a ser de Cervantes, lógico. E a frase dita por ele aparece no capítulo XIII da Segunda Parte do livro Dom Quixote... (pesquisei na internet, um trabalhão dos diabos)

Em espanhol é assim: "los duelos, con pan son menos". A tradução que fizeram para o português ficou assim: "pois que lágrimas com pão passageiras são". (vai ser "erúdito" assim na puta que pariu!).

Depois dessa baba cósmica, nem precisava mostrar o desenho (mentira, claro), mas como não sou Cervantes e o máximo que consigo é ser vão, aí está a obra (sei lá, eu acho que tenho obrado demais): 




sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

POTÊNCIA DE DEZ


Minha Amada é a mulher mais inteligente que já conheci. Não quero “ferir suscetibilidades”, não pretendo desmerecer ninguém, mas o fato é que ela é inteligente demais. Inteligente e perspicaz. Inteligente, perspicaz e analítica (e linda). 

Eu até que não me acho um jumento (intelectualmente falando, pô!), mas querer comparar nossas inteligências é o mesmo que dizer que 10² e 10³ são parecidos apenas porque a base é 10 e os expoentes são sequenciais. Talvez seja essa a distância, essa a ordem de grandeza que separa nossas mentes.



quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

APOLO 11

Os que são de minha família ou amigos próximos sabem que nosso filho mais velho nasceu no Natal. Não às 23h55min ou à zero hora mais dez minutos. Ele nasceu às 11h35min da manhã do dia 25 de dezembro. Nada mais natalino ou natalício, concordam? Mas nenhum desses é seu nome, pois tivemos o bom senso de registrá-lo com nome de gente normal (afinal, eu tenho experiência nisso!).

Pois bem, hoje é Natal, dia 25 de dezembro. E este post é uma homenagem a ele, que foi e é o responsável pela maior emoção que já senti em minha vida, a emoção de me saber pai. Um pai muito novo, muitíssimo inexperiente.

Espero que seus irmãos não fiquem enciumados por esta homenagem explícita. Eles sabem que jamais conseguiria imaginar minha vida sem qualquer um deles, pois todos são fundamentais e imprescindíveis para mim. Sabem também que desde o primeiro segundo de vida foram e são amados e tornaram-se imediatamente insubstituíveis. Mas a emoção que algumas pessoas têm ao sentir-se pais (ou mães) pela primeira vez assemelha-se à emoção transmitida por uma antiga e premiadíssima propaganda de lingerie, aquela que dizia que “o primeiro sutiã a gente nunca esquece”. Acredito que todos os pais e mães de primeira viagem sentem o mesmo que senti naquele dia de Natal. Acho que é porque ninguém jamais supera o significado de “pontapé inicial” que um primogênito provoca na vida de um  casal normal.

Pois bem, a emoção de ver nossos filhos nascerem sempre foi para mim uma coisa quase fulminante, mas a primeira vez é, sem dúvida, um divisor de águas. Talvez a pouca idade e a imensa inexperiência possam ter influído um pouco, não sei. O que sei, o que tenho certeza é que olhar para um bebê recém-nascido, lindíssimo (nossos filhos são bonitos pra caramba!), uma criaturinha frágil e indefesa, fez com que eu mudasse definitivamente meu sistema "métrico", pois tudo, todos os sentimentos passaram a tê-lo como o ponto máximo da escala. Nunca, nada superou essa emoção. 

Ver seu desenvolvimento intelectual extremamente rápido e sempre surpreendente foi também uma experiência inesquecível. As primeiras alegrias de ser pai foram de uma intensidade estratosférica (só igualadas às que senti quando os outros filhos nasceram). Mas a intensidade da primeira vez também se manifestou nas primeiras preocupações, nos primeiros remorsos e primeiras culpas. 

É importante repetir: nosso filho mais velho me redimensionou como pessoa. Usando uma expressão do Gilberto Gil, foi ele que me deu "régua e compasso". Ele foi decisivo para que eu tentasse me tornar melhor, mais humano, mais livre para demonstrar amor e afeto (espero ter conseguido). E olha que eu nem falei de sua inteligência e de seus múltiplos e fantásticos talentos! 

Mas, se este texto é uma homenagem escancarada ao aniversariante de hoje, é necessário que eu deixe bem claros e registrados meus sentimentos em relação aos nossos queridíssimos “meninos”. Todos eles são igualmente depositários da melhor parte de mim, da parte mais pura do que eu sou e fui. E jamais consegui pensar que gosto mais de um do que de outro. Pode alguém até duvidar, mas isso nunca funcionou comigo!

Eu sei que existem pessoas que tem preferência manifesta por esse ou aquele filho (eu até conheço gente assim!). Alguns, talvez sem perceber, fazem isso de forma tão explícita que chega a ser obscena. Essa não é (felizmente) a minha praia, pois o amor que sinto por cada um é rigorosamente igual ao que sinto pelos outros. Para mim, essa é uma certeza tranquila, serena. E sei também, tenho absoluta certeza que só minha Amada e nossas “crianças” conseguiram dar sentido à minha vida. 

Assim, para finalizar este texto que homenageia o aniversariante de hoje, utilizarei uma imagem especial, ou melhor, espacial: se os pais fossem comparados ao solo lunar, o primeiro filho seria como a bota do Neil Armstrong. A marca de sua pegada nunca será igualada em importância e significado.

escrito em 24/12/2014


ESTAVAM ALI REUNIDOS

Então, ao entardecer daquele dia, o primeiro da semana, os discípulos estavam reunidos a portas trancadas, por medo das autoridades judaicas. Jesus apareceu, pôs-se no meio deles e disse: "A paz seja convosco!” (João 20;19)

Alguns anos atrás, por conta de uma situação de conflito familiar que presenciei, resolvi escrever o texto abaixo, tentando imitar a linguagem dos textos bíblicos. Se alguém me perguntar por que, direi que não faço a menor ideia. Também não sei o motivo de nunca tê-lo mostrado para ninguém. 


Naquela noite, como em todos os anos anteriores, estavam todos no mesmo lugar de sempre. E embora estivessem reunidos, cada um estava trancado dentro de si mesmo, cada um carregando seus rancores, sua desesperança, suas dores. 

E assim, permaneciam calados, desconfiados, com receio de serem novamente machucados, novamente humilhados, novamente agredidos. Mas eis que, de repente, o verdadeiro Espírito do Natal instalou-se naquele ambiente e impregnou o coração de cada um.

E aqueles rostos que antes expressavam censura, mágoa e rancor, iluminaram-se, cada um de acordo com suas convicções, com sua fé. E ficaram todos cheios de ternura e alegria e começaram a se abraçar e a confraternizar. Porque era Natal. 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

À ESPERA DO ASSALTANTE

Por conta da violência de hoje, os especialistas em segurança dizem que não se deve permanecer dentro de um carro parado em uma rua qualquer. Pode chegar um assaltante dizendo – “Perdeu! Perdeu!” (frase que já se tornou clássica), e levar seu carro e até sua vida, dependendo do stress de ambos os lados. Isso, lógico, não é brincadeira nem tem graça nenhuma.

Ainda assim, às vezes eu vacilo e fico lendo dentro do carro, enquanto meu Amor faz alguma compra rápida que não justifique parar dentro de estacionamento. Ultimamente, tenho até cochilado (sabe como é, né? Idade, essas coisas...).

Pois bem, em uma época onde esse risco de ser assaltado era menor ou porque eu simplesmente o ignorava, às vezes, na falta de algum livro ou jornal, começava a rabiscar algum pedaço de papel, ao perceber que a espera seria um pouco maior que o normal.

Um dia, tive uma ideia que resultou em dois rabiscos bacaninhas (apesar de bastante toscos), feitos com caneta esferográfica, em datas e ruas diferentes. Resolvi tentar desenhar o que estava vendo à minha frente, sem mexer a cabeça, só os olhos. Essa imobilidade da cabeça provocou um desenho meio distorcido, causando um efeito legal (aliás, eu usei o mesmo processo para desenhar minha sala de trabalho. Só não me lembro quem veio primeiro, bem no estilo o ovo ou a galinha).

Uma das vezes eu estava sentado no banco do motorista; na outra, estava no banco do passageiro. O carro, creio, era Brasília (põe tempo nisso!) ou Gol. Minha Amada guardou  os dois desenhos. Assim, quando os revi, resolvi escaneá-los (memória digitalizada!). O resultado é esse:



domingo, 21 de dezembro de 2014

ISSO NÃO TEM NADA DE ESPIRITUOSO

Já aviso que tenho o maior respeito por aqueles que acreditam em espiritismo. Especialmente alguns amigos que são excepcionalmente do Bem. Normalmente são pessoas devotadas a ações sociais ou à elevação espiritual. 

O problema é que não acredito em espíritos. Sempre dizia (nem digo mais, cansei) que se esse lance de reencarnação fosse verdadeiro, o mundo e a Vida seriam muito mais emocionantes; só que, repito, infelizmente não acredito nisso!

Mas há picaretagens tão inequívocas que chegam a ser cômicas. Uma delas aconteceu assim: meu irmão sempre foi chegado a um esoterismo; por isso, um dia me convidou para ir com ele a uma reunião espírita na casa de um professor de quem tinha sido aluno na faculdade (não era qualquer zé mané!). Na época, eu e minha Amada não éramos ainda casados. E lá fomos nós. 

O bairro era classe média alta, a casa era boa e tal. Fomos apresentados ao médium, uma figura muito simpática e meiga (meio gay) e conduzidos a uma sala pouco iluminada, onde estavam mais alguns gatos-pingados. Dentre eles, a mãe do médium e meu irmão, com a namorada. Ai a coisa começou. 

O professor começou a aspirar o ar pela boca, de forma ruidosa e prolongada, como se tivesse acabado de ser salvo de uma asfixia ou estivesse com o nariz entupido. O silêncio se fez por alguns minutos (o suficiente para dar no saco) e o “espírito” se manifestou, falando um monte de abobrinhas. Fomos embora com aquela sensação de quem pisou sem querer em cocô de cachorro (– “que merda!”).

Na semana seguinte, no mesmo dia, na mesma bat-hora, rolaria outra sessão. Disse ao meu irmão que não iríamos e fim. Depois, fiquei sabendo que o “espírito” perguntara por mim e disse que precisava muito falar comigo. Fazer o que, né? Voltamos lá outra vez. Só que o professor não estava presente, pois precisara viajar. Quem recebeu o “espírito” foi sua mãe. E eu lá, esperando a tal mensagem, que nunca foi dita. Nunca mais voltamos. Mas imagino que se o alegre professor estivesse lá, a tal mensagem seria sussurrada assim no meu ouvido – “eu necessito!” 
Ah, bichona!

sábado, 20 de dezembro de 2014

SANSÃO


-   Pô, cara! Brigou com o barbeiro?

-   É, tô precisando cortar o cabelo, tá grande pra caramba...

-   Tá mesmo. Tá até lembrando a floresta amazônica!

-   Por causa da exuberância da juba, né?

-   Não, porque está cheio de áreas desmatadas. Olha só as peladas!



sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

C' EST LA VIE

Natal chegando,
comprar no shopping é inevitável.
Sem paciência para escolher presentes,
meu olhar se perde entre pessoas e vitrines,
no burburinho próprio da época.

Distraído, olho com meus olhos de vinte ou trinta anos.
Quando passo perto de algum espelho, no entanto,
a imagem que retorna é a de um senhor
de mais de sessenta anos,
com ar perplexo e apalermado. Sinistro.



quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

E ENTÃO É NATAL...

Natal chegando, já sabe, tão infalível quanto ganhar meia e cueca de presente  é o especial de fim de ano do Roberto Carlos, o “imbiografável”.  Certamente atrizes da Globo e cantores famosos (ou quase isso) dividirão o palco com ele, em um show “espetacular". 

Aquelas músicas manjadas, tocadas em todos os – sei lá –  trinta últimos especiais, certamente serão cantadas de novo. Tudo bem. Isso, pelo menos, é melhor do que ouvir pela milionésima vez a versão da Simone para a música do John Lennon (“então é Natal...”).

Pensando nessas coisas, fiquei lembrando a figura atual do Rei: sobrancelhas aparentemente extintas, aquele sorriso igual ao da finada Hebe Camargo. E o cabelo? Pintado e alisado com chapinha ou coisa semelhante. Diante desse quadro, eu concluo que esse realmente é o Cara, o Rei, Rei dículo.




Bônus:
Eu sei que hoje, quinta feira, é o dia da semana que escolhi para falar sério, mas não resisti à tentação de acrescentar ao post que já estava pronto o texto abaixo:

Creio que a rejeição do Rei à cor marrom é quase tão gritante  quanto sua obsessão pela cor azul. Isso fez surgir dois pensamentos na minha mente sempre convulsionada . São eles:

- Ele jamais deveria fazer shows à noite ou em dias nublados. Afinal, nessas situações, o céu nunca está azul!

- Imagino que ele talvez já tenha recusado a participação da cantora Alcione em seus shows de fim de ano. O motivo disso (essa é muito fácil!) é o fato de ela ser chamada pela mídia de “Marrom”. (Issa!)



quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

CRÔNICAS - AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA

Nunca me liguei na obra de Affonso Romano de Santanna até começar a ler suas crônicas no jornal. Pela própria coluna fui descobrindo que é mineiro, poeta, que foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional, que deu aulas no exterior, etc. 

Como sou um ignorante, um casca grossa genuíno, continuei sendo apenas um leitor de jornal, satisfazendo-me em constatar que ele tem horror a um tipo de "obra de arte" moderna, representada pelo Marcel Duchamp com sua produção "ready made" (quem quiser saber sobre isso que procure na internet. Vai "adorar").

Bom, já deu para perceber que, embora goste dele, não é meu ídolo, não é um Rubem Braga para mim. Mas, um dia, em um dia muito trágico, ele escreveu uma crônica que me deixou paralisado pelo abalo, pelo horror e pela intensidade das emoções que conseguiu transpor para o texto. É uma crônica escrita imediatamente após o atentado às torres gêmeas do World Trade Center. Nunca mais esqueci o impacto de suas palavras, tão precisas quanto um corte a laser, tão incisivas quanto um bisturi.

A reprodução dessa crônica magistral é minha mais sincera reverência a quem a escreveu. Só o trecho que sublinhei já me dá um milhão de motivos para admirá-lo. Mas, como o assunto é triste demais, resolvi transcrever também um ótima crônica sobre filhos e netos, para contrabalançar. 

Salve, Affonso Romano de Santanna!


 SAINDO DAS CINZAS
Um homem está precipitando-se do alto do World Trade Center, em chamas, em Nova York. Não é o único. Dezenas de corpos vivos, incendiados pelo desespero e ódio alheio, jogam-se lá de cima, depois que dois aviões pilotados por terroristas chocaram-se contra aqueles edifícios e contra a humanidade.

Outros estão descendo desesperados pelas escadarias em meio à fumaça, gritaria e destroços. Mas agora um homem está caindo do alto do sólido mundo capitalista e se condensa numa foto antes de se desmanchar no solo.

Estou acompanhando esse corpo que cai.

Sei que dentro de poucos minutos serão milhares de mortos e feridos empilhados nas ferragens dos dois edifícios que derretem-se, derretem-se paradoxalmente em chamas ante o nosso gelado espanto. Mas meus olhos estão paralisados nesse corpo que se jogou lá de cima, embora, ao lado, acima, já antes dele, outros corpos risquem o espaço numa precipitada chuva de desilusões e pânico.

Concentro-me nesse único corpo que cai, porque como dizia outro poeta “meus olhos são pequenos para ver” a imensidão do horror que por toda parte se espalha.

Há quinze minutos, no entanto, aquele homem estava no seu escritório atendendo um telefonema. Falava com sua mulher sobre um compromisso que teriam à noite, e ia começar a conferir números do mercado financeiro. Estava com os pés sobre a mesa e olhava através do altíssimo e envidraçado edifício o mundo lá fora. A vida era estável. Lá no alto as oscilações da bolsa o embalavam. Lá do alto via toda a ilha, a baía com os barcos e os aviões que chegavam e partiam. Não, ele não sabia que um avião havia decolado contra seu corpo e seu país e vinha ferozmente em sua direção, arrebentando a placenta de aço e vidro onde se aninhava.

Diria, portanto, que ele estava absurdamente tranquilo. Afinal, era um belo dia aquele, dia azulzíssimo. Havia se despedido dos filhos, depois do suco de laranja, do ovo cozido, do pão com geleia, iogurte e sucrilhos. Havia beijado a esposa, pego o chaveiro, a pasta de trabalho, e tirando o carro da garagem atravessara a cidade fazendo planos e conjecturas para o amanhã. Passou pela portaria do edifício como se fosse um dia comum, cumprimentou pessoas e funcionários, fez uma piada qualquer ao entrar no escritório, como se a vida tivesse alguma graça. Seguiu insensatamente, sem saber que naquele dia deveria ter trazido asas para sobreviver ao acaso. Ele não tinha consciência que mais que a maioria dos homens, ele era um homem que não podia mais adiar sua morte. Tinha quinze ou cinco minutos de vida e continuava sorrindo e fazendo planos.

Do horizonte da história, de repente, surge um avião pilotado pelo ódio. Nenhum radar foi capaz de rastreá-lo, detê-lo. O choque, o estrondo, ecoou por todo o mundo. E quando a perplexidade ainda se concentrava no primeiro edifício, o segundo recebia também o impacto de outro enlouquecido avião. Fugindo das chamas, por entre corpos flamejantes, atordoado agarra-se à tênue linha de vida que sobrou, liga o celular e joga no ar as últimas palavras de amor para sua mulher. Acuado pela apocalíptica irracionalidade e pelo pânico, lança-se ou é lançado absurdamente no vazio.

Agora seu corpo está despencando lá de cima enquanto uma fogueira histórica segue ardendo corpos e consciências.

Com aquele homem e naquele homem despencava mais que um homem. Com os milhares que com ele morreram fez-se algo mais que um simples cemitério. Com aqueles dois edifícios desmoronava-se uma época.

Talvez sobre essas cinzas e sangue ainda se possa construir alguma coisa.

* * * * *

ANTES QUE ELAS CRESÇAM
Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, pôsteres e agendas coloridas de pilô. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

CANTE COMIGO: “A MESMA PRAÇA, O MESMO BANCO...”

Como sabem os 2,7 malucos que acessam este blog, eu não tenho Facebook nem utilizo Instagram. Whatsapp para mim ainda é uma pergunta em inglês e tenho até medo de perguntar o que é Pinterest.

Mas, hoje, quem não está conectado nas redes sociais pode até requerer uma certidão de inexistência. Outro dia, por exemplo, para ganhar um troco a mais, eu até tentei me inscrever no programa Bolsa-Família, mas fui informado de que não existo. Sério!

Pois bem, mesmo desconectado, consigo perceber os efeitos dessas redes no comportamento das pessoas que as utilizam. São como gases, por exemplo – você pode até não ter nada com o assunto, mas acaba sentindo a sua presença (acho que fugi um pouco do tema deste post).

Outro dia, pensando nos selfies que já tive a chance de ver, cheguei à conclusão que alguns são tão assustadores que quem os vê pode sentir-se tentado a sair correndo, enquanto grita, aterrorizado:

"SELFIE-SE QUEM PUDER!".

(Jotabê nunca teve problemas com a própria beleza, só com a própria feiura).

domingo, 14 de dezembro de 2014

SUMO SACERDOTE

Eu já acreditava no ditado que diz que "a fé remove montanhas". Depois que o "Templo de Salomão" foi inaugurado em São Paulo, eu passei a acreditar ainda mais.

Mais de seiscentos milhões de reais (!) foram gastos para construir o maior complexo religioso do Brasil! É muita grana. Não tenho dúvida que, a uma hora dessas, o Valdemiro e o R.R. Soares  estão se roendo de inveja, no maior complexo (maior não, porque o maior é o templo do edir).

Voltando à "fé que remove", como já disse, acredito piamente na força e na veracidade desse ditado. Basta imaginar a montanha de dinheiro que o macedinho já removeu para seus cofres. Senão, como bancar um gasto tão fantástico? Aliás, a "arca da aliança" dele deve ter também escrituras de compra e venda de imóveis, de fazendas (não o tecido, pô!), anéis, braceletes, todo tipo de joia.


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O NATAL SE APROXIMA

Quando eu era criança, não havia ainda essa febre, essa paranoia coletiva de comprar zilhões de presentes. Imagino que essa loucura foi aumentando à medida que o significado cristão desse dia foi sendo obscurecido pelas campanhas publicitárias cada vez mais feéricas e eficientes. Penso que a coisa desandou de vez com o advento dos shopping centers.

Mas, voltando ao tempo em que ainda acreditava no Papai Noel (põe tempo nisso!), eu achava um pouco estranho ver que os poucos presentes que eu e meu irmão ganhávamos eram infinitamente diferentes e mais modestos do que aqueles que nossos primos ricos ganhavam. Essa estranheza, para o bem e para o mal, durou pouco, é claro. Aí, o que sobrou foi a dura realidade. 

Talvez por isso, não sei, acho esse negócio de comprar presentes um porre (ao contrário de minha mulher, que ama presentear todo mundo e faz até estoque para o caso de aparecer alguém não lembrado). Para mim, o Natal continua a ser principalmente uma data ideal para confraternizar com as pessoas que têm importância em nossas vidas. Mas a verdade é que o "espírito do Natal" mexe um pouco com as pessoas, sejam elas cristãs ou não.

Uma coisa é certa: quando chega dezembro, eu sempre penso que minha Amada e nossos filhos são como presentes de Natal, os melhores presentes que ganhei em toda a minha vida. E sempre agradeço a Deus por tê-los recebido (mesmo sem ter feito nada para os merecer). 

Não sei mais o que dizer (e talvez nem precise dizer mais nada), exceto repetir mais uma vez (e mais e mais e mais e mais) que eu amo a todos e a cada um deles profundamente, definitivamente.


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

TRADUZIR-SE – FERREIRA GULLAR

“A arte não existe para maltratar ninguém, ela existe porque a vida não basta”.

O Pasquim tinha vários colaboradores que moravam em outros países. Além dos artigos e crônicas do Paulo Francis, Ivan Lessa, e outros, o poeta Ferreira Gullar (autor da frase acima e destinatário de minha reverência de hoje) também podia ser lido no velho "Pasca". É daquela época meu primeiro e único contato com o reverenciado de hoje, pois nunca me interessei em ler nada de sua obra. Ignorância e falha minha, lógico.

A coisa mudou ligeiramente quando ele foi entrevistado pela revista Veja. Fiquei tão encantado com o que disse que logo me apressei em escanear as páginas da revista para enviar por e-mail aos meus filhos.

Mas, em vez de ficar conversando fiado sobre quem ignoro quase tudo, vou transcrever um poema espetacular que descobri e, também, alguns trechos da tal entrevista (excelente, diga-se) concedida ao jornalista Pedro Dias Leite.


TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?


UMA VISÃO CRÍTICA DAS COISAS

Um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, Ferreira Gullar, 84 anos, foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, no Chile e na Argentina.
Desiludiu-se do socialismo em todas as suas formas e hoje acha o capitalismo “invencível”.
É autor de versos clássicos — “À vida falta uma parte / — seria o lado de fora — / para que se visse passar / ao mesmo tempo que passa / e no final fosse apenas / um tempo de que se acorda / não um sono sem resposta. / À vida falta uma porta”.
Gullar teve dois filhos afligidos pela esquizofrenia. Um deles morreu. O poeta narra o drama familiar e faz a defesa da internação em hospitais psiquiátricos dos doentes em fase aguda. Sobre seu ofício, diz: “Tem de haver espanto, não se faz poesia a frio”.

— O senhor já disse que “se bacharelou em subversão” em Moscou e escreveu um poema em que a moça era “quase tão bonita quanto a revolução cubana”. Como se deu sua desilusão com a utopia comunista?
— Não houve nenhum fato determinado. Nenhuma decepção específica. Foi uma questão de reflexão, de experiência de vida, de as coisas irem acontecendo, não só comigo, mas no contexto internacional. É fato que as coisas mudaram. O socialismo fracassou. Quando o Muro de Berlim caiu, minha visão já era bastante crítica.
A derrocada do socialismo não se deu ao cabo de alguma grande guerra. O fracasso do sistema foi interno. Voltei a Moscou há alguns anos. O túmulo do Lenin está ali na Praça Vermelha, mas pelo resto da cidade só se veem anúncios da Coca-Cola. Não tenho dúvida nenhuma de que o socialismo acabou, só alguns malucos insistem no contrário. Se o socialismo entrou em colapso quando ainda tinha a União Soviética como segunda força econômica e militar do mundo, não vai ser agora que esse sistema vai vencer.

— Por que o capitalismo venceu?
— O capitalismo do século XIX era realmente uma coisa abominável, com um nível de exploração inaceitável. As pessoas com espírito de solidariedade e com sentimento de justiça se revoltaram contra aquilo. O Manifesto Comunista, de Marx, em 1848, e o movimento que se seguiu tiveram um papel importante para mudar a sociedade.
A luta dos trabalhadores, o movimento sindical, a tomada de consciência dos direitos, tudo isso fez melhorar a relação capital-trabalho. O que está errado é achar, como Marx diz, que quem produza riqueza é o trabalhador e o capitalista só o explora. É bobagem. Sem a empresa, não existe riqueza. Um depende do outro. O empresário é um intelectual que, em vez de escrever poesias, monta empresas. É um criador, um indivíduo que faz coisas novas.
A visão de que só um lado produz riqueza e o outro só explora é radical, sectária, primária. A partir dessa miopia, tudo o mais deu errado para o campo socialista. Mas é um equívoco concluir que a derrocada do socialismo seja a prova de que o capitalismo é inteiramente bom. O capitalismo é a expressão do egoísmo, da voracidade humana, da ganância. O ser humano é isso, com raras exceções.
O capitalismo é forte porque é instintivo. O socialismo foi um sonho maravilhoso, uma realidade inventada que tinha como objetivo criar uma sociedade melhor. O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível.
A força que torna o capitalismo invencível vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento.

— O senhor se considera um direitista?
— Eu, de direita? Era só o que faltava. A questão é muito clara. Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é. Pensar isso a meu respeito não é honesto. Porque o que estou dizendo é que o socialismo acabou, estabeleceu ditaduras, não criou democracia em lugar algum e matou gente em quantidade. Isso tudo é verdade. Não estou inventando.

— E Cuba?
— Não posso defender um regime sob o qual eu não gostaria de viver. Não posso admirar um país do qual eu não possa sair na hora que quiser. Não dá para defender um regime em que não se possa publicar um livro sem pedir permissão ao governo. Apesar disso, há uma porção de intelectuais brasileiros que defendem Cuba, mas, obviamente, não querem viver lá de jeito nenhum. É difícil para as pessoas reconhecer que estavam erradas, que passaram a vida toda pregando uma coisa que nunca deu certo.

— Como o senhor define sua visão política?
— Não acho que o capitalismo seja justo. O capitalismo é uma fatalidade, não tem saída. Ele produz desigualdade e exploração. A natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós. A capacidade criativa do capitalismo é fundamental para a sociedade se desenvolver, para a solução da desigualdade, porque é só a produção da riqueza que resolve isso. A função do estado é impedir que o capitalismo leve a exploração ao nível que ele quer levar.
 (...)
— O senhor condena quem pegou em armas para lutar contra o regime militar?
— Quem aderiu à luta armada foram pessoas generosas, íntegras, tanto que algumas sacrificaram sua vida. Mas por um equívoco. Você tem de ter uma visão critica das coisas, não pode ficar eternamente se deixando levar por revolta, por ressentimentos. A melhor coisa para o inimigo é o outro perder a cabeça. Lutar contra quem está lúcido é mais difícil do que lutar contra um desvairado.

— Como se justifica sua defesa da internação no tratamento da esquizofrenia?
— As pessoas usam a palavra manicômio para desmoralizar os hospitais psiquiátricos. Internei meu filho em hospitais que têm piscina, salão de jogos, biblioteca. Mesmo os públicos não têm mais a camisa de força ou sala com grades. Tive dois filhos esquizofrênicos. Um morreu, o outro está vivo, mas não tem mais o problema no mesmo grau. Controlou com remédio, e a idade também ajuda. A esquizofrenia surge na adolescência e se junta à impetuosidade. Com o tempo, a pessoa vai amadurecendo. Doença é doença, não é a gente. Se estou gripado, a gripe não sou eu. A esquizofrenia é uma doença, mas eu não sou a esquizofrenia. Posso evoluir, me tornar uma pessoa mais madura, debaixo de toda aquela confusão. O esquizofrênico com 5 anos não é o mesmo de quando tinha 17.

— Qual o pior momento na sua convivência com filhos esquizofrênicos?
— Quando a pessoa entra em surto, ela pode se jogar pela janela. Meu filho, o Paulo, se jogou. Hoje ele anda mancando porque sofreu uma lesão na coluna. Ele conversava comigo, via televisão, brincava, lia meus poemas. Em surto, não tinha controle. Queria estrangular a empregada. Nessas horas, a única maneira é internar e medicar. Nesse estado, sem nenhum socorro, o esquizofrênico pode fazer qualquer coisa.
(...)
Quando ouço alguém dizer que as famílias internam os filhos porque querem se ver livres deles, só posso pensar que essa pessoa gosta dos meus filhos mais do que eu. Nunca viu meu filho, mas ama meu filho mais do que eu. Absurdo. Você não sabe o que é uma família ter um filho esquizofrênico. Além do problema do tratamento, existe o desespero de não saber o que fazer.
 (...)
— Como é seu método para fazer poesia?
— Já fiquei doze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há onze anos. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema… Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.
O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.

(...)

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

A INFLAÇÃO DESCONTROLADA É MESMO UM PERIGO

Essa ideia me ocorreu agora e sai como post bônus.

Esse negócio de inflação é mesmo uma coisa seriíssima. Vejam esse exemplo: segundo a Bíblia, Judas Iscariotes vendeu Jesus por trinta moedas de prata, o que, venhamos e convenhamos, é uma merreca. E olha que o vendido era Jesus!

Semana passada, para comprar um deputado furreca qualquer, a Dirma pagou 748.000 reais. Ninguém aguenta uma inflação assim! 

MEDICINA LEGAL

MEDICINA PREVENTIVA
Depois dos quarenta anos, consultar periodicamente um urologista é prova de bom senso. Alguns machões, entretanto, ficam tão apavorados com os procedimentos, que evitam ao máximo essa consulta (alguns se dão mal).
Mas, não tem jeito: quando se decidem a ir ao médico ou a isso são obrigados, já sabe, chegam apavorados, com cara de não-me-toques e saem constrangidos, cheios de dedos.


RADICALZHEIMER
Há algum tempo eu li que os radicais livres são responsáveis pelo envelhecimento e morte das células de nosso organismo.
Hoje, ao acordar, olhando-me no espelho, me vi despenteado, os olhos empapuçados, todo amarrotado. Aí pensei que meu corpo deve estar lotado de radicais livres. Considero isso uma puta sacanagem!
Logo eu, que sempre fui contra qualquer tipo de radicalismo!


GERIATRIA
É engano pensar que os idosos vivem entregues às suas lembranças. Jovens é que sentem nostalgia! A partir dos 50, 60 anos, a pessoa começa a esquecer das coisas – recados, horários, compras, se fechou o zíper, o lugar onde estacionou e por aí vai.
Como pode um sujeito mais velho viver no passado? Ele não se lembra de merda nenhuma!
(Jotabê fez fez curso de geriatria por correspondência em Cuba, mas não passou no Revalida)



segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SÓ ESSO DÁ AO SEU CARRO O MÁXIMO

Nos primeiros anos da televisão no Brasil e, mais especificamente em Belo Horizonte, poucas eram as casas que tinham o aparelho. Nessa época surgiu a expressão “tele-vizinho”, para designar as pessoas que iam assistir aos programas de TV nas casas dos vizinhos mais abastados.

Bom, éramos muito pobres, morávamos na casa de minha avó materna (nós e mais oito tios e tias solteiros); minha mãe, para ganhar algum dinheiro, ia à casa da Tia Ci, sua irmã mais velha, para costurar para ela.

Tia Ci era rica, casada com o Tio Tristano, nascido na Itália e filho de Dona Clara, uma italiana com cara de brava, que era dona de um hotel fuleiro (hotel mesmo) no centro da cidade. A casa onde moravam ficava no bairro Santo Antônio, de frente para o Minas Tênis e tinha dois andares. No primeiro, morava minha tia com o marido e os dois filhos. No segundo, moravam sua sogra e a filha solteirona, Derna.

Sempre que minha mãe ia para lá, eu ia também. Como ela ficava até à noite, eu acabava assistindo o Repórter Esso, equivalente ao Jornal Nacional. O que um menino podia ver de interessante em um telejornal, que era basicamente apenas narrado e, até onde eu me lembro, sem imagens? Só mesmo a propaganda da Esso, feita com desenhos animados.
O desenho mais frequente tinha uma musiquinha imbatível, que colava como chiclete em passeio público. A letra era assim:

“Só Esso dá ao seu carro o máximo, só Esso dá ao seu carro o máximo, só Esso dá ao seu carro o máximo, veja o que Esso faz. Só Esso Extra”.

No Youtube é possível encontrar alguns deles.  Mas lembro-me especialmente de um, que mostrava uma orquestra com seu maestro e tudo mais. A música (descobri no Google) era uma paródia de um trecho do prelúdio da ópera Carmen, de Bizet. Pois bem, aparecia um tenor cantando:

“Só Esso dá, ao seu carro o máximo, só Esso dá, ao seu carro o máximo/ Só, Esso dá ao seu carro o máximo, veja o que Esso faaaz!”.

Aí, o maestro batia a batuta no suporte das partituras e dizia: “Non, no é esta música!” Um dos músicos tocava então o tema original numa flautinha e o maestro: “É isso!!!” E o tema com a letra original era cantado. Eu adorava essa propaganda e tenho as músicas na memória até hoje. Mas minha ligação com a publicidade e propaganda começou bem antes.

Penso que a minha primeira lembrança ligada à publicidade e propaganda está relacionada ao Carnaval. Nessa época, minha mãe levava a mim e ao meu irmão para a Afonso Pena, para que víssemos aquela muvuca: muitas pessoas fantasiadas (acreditem!) andando para lá e para cá, lança-perfumes (Rodouro) vendidos nas inúmeras barracas espalhadas pela avenida e ruas transversais, etc.

Havia também um sistema de som espalhado pela avenida, que tocava o tempo inteiro músicas de carnaval e... jingles. Lembro-me de um que tocava a toda hora, até a saturação. A letra, “riquíssima”, era assim (ou quase isso):

“Vai tudo bem, tudo bem, muito bem, muito bem, muito bem, tudo bem, bem, bem, com Pílulas de Lussen/ Pílulas de Lussen, Pílulas de Lussen”.
(Imagino que a música devia terminar com o clássico Pam, parararã, pam, pam!)

Lembro-me também de outro jingle, das lâminas de barbear Gilette, que estava ligado a futebol. Realmente, não sei dizer se foi feito especificamente para alguma copa do mundo (1958 ou 1962) ou se era utilizado aos domingos. Creio que a letra era assim (lembro-me também da música):

“Vitória / com Gilette Azul / Sucesso/ Com Gilette Monotech / Alegria! / Faça a barba todo dia com Gilette Azul!”

A bem da verdade, o pessoal ligado à publicidade sempre criou jingles extremamente viscosos, grudentos, que ficaram em minha memória até hoje:
O “cha-cha-chá” das Casas da Banha, com um desenho animado ótimo, onde dois porquinhos dançavam um “cha-cha-chá” com letra das Casas da Banha (“... é lá que eu quero comprar”). Outro jingle memorável era dos Cobertores Paraíba (“já é hora de dormir...”).

E por aí vai. Dá pra perceber que, desde sempre, eu fui tocado pela música, não é mesmo? Há jingles memoráveis, feitos por artistas do primeiro time da MPB, como Gilberto Gil (“índigo blue índigo blusão – Santista”) e Zé Rodrix (no Youtube tem).

Mudando de pau para cavaco, eu sempre curti muito as campanhas publicitárias, algumas absolutamente geniais. No canal Multishow existia um programa onde eram passados filmes publicitários premiados. Só filmes sensacionais, alguns hilariantes, outros puxando pela emoção, mas sempre fantásticos.

Porque, embora não seja publicitário, morro de inveja (saudável) de quem é. Como, por exemplo, do dono do blog "Mixidão", que é um publicitário de mão cheia e mega criativo. Quando fiz vestibular, nem sabia se havia curso de Comunicação e Publicidade. Minha ignorância restringia as possibilidades a quatro ou cinco cursos – engenharia, medicina, etc. Mas eu sempre fui atraído pela criatividade inerente à publicidade. Ou melhor, sempre me deixei fascinar pela criatividade em qualquer área, porque criatividade para mim é sinônimo de inteligência e mente livre, aberta (já deu pra sentir que eu não me daria bem nessa profissão, concordam?).

Aliás (voltando ao passado), uma vez, quando tinha de 12 a 14 anos, uma professora pediu que fizéssemos um cartaz publicitário. Eu gostava de desenhar, mas era uma lástima nessa área, ainda que meu pai dissesse que eu desenhava muito bem (como disse o Millor, “em terra de olho quem tem um cego... errei!”). 

Pois bem, peguei uma cartolina, desenhei uma lâmina de barbear com braços e pernas, com um aparelho de barbear em uma das mãos e um sorriso no “rosto”. Do texto não me lembro mais, mas a marca da lâmina de barbear era “Tirapel”. Dá pra imaginar um trocadilho mais indecente? O pior de tudo é que pintei (mal) toda a cartolina com guache azul. Não lembro que nota tirei, mas sei o resultado final do trabalho: uma super bosta!

Mas voltemos ao presente. Sendo engenheiro por formação, eu penso que a nata da Engenharia é ocupada pelos calculistas (normalmente os alunos mais brilhantes na época da escola). Na Medicina a elite seria formada pelos neurocirurgiões, aqueles que buscam o máximo de resultado no menor espaço possível.
Na literatura, para mim, os campeões são os poetas, que obtêm o máximo de sensibilidade e emoção com a máxima concisão (basta lembrar os craques em soneto, a forma mais engessada de poesia).

Pois bem, os publicitários seriam uma mistura de neurocirurgiões com poetas, pois têm que ser concisos, precisos e capazes de encantar e seduzir.

Alguém aí ficou envaidecido? Menos, menos... Esse é o lado bom, mas há também outro lado, que encontra uma espécie de eco na Idade Média: a Publicidade pode ser vista como uma espécie de pedra filosofal, que tenta transformar em ouro qualquer porcaria em que toca.

Outra analogia também pode ser feita, ao se comparar o publicitário com o vendedor de carros usados: você nunca saberá se ele está falando a verdade ou apenas tentando te empurrar um abacaxi.

Mas a coisa mais legal que acredito existir na Publicidade é que seus profissionais têm (ou deveriam ter) liberdade para pensar qualquer besteira, antes de chegar à melhor solução. Ou seja, o velho e bom “brain storming” (ou “tormenta de parpite”, como li recentemente).

O Millor Fernandes disse uma vez que “livre pensar é só pensar”. Eu acredito que se alguém se reprime para só pensar, dizer, fazer ou criar coisas inteligentes, provavelmente nunca será muito feliz, pois criar pressupõe liberdade de pensar de uma forma que ninguém ainda tinha pensado. E sacadas geniais são como pepitas de ouro, não aparecem a toda hora, você tem que mover montanhas de terra para encontrar alguma, como em Serra Pelada.

Acho que é por isso tudo que a Publicidade continua me divertindo e surpreendendo.


MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4