segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

SÓ ESSO DÁ AO SEU CARRO O MÁXIMO

Nos primeiros anos da televisão no Brasil e, mais especificamente em Belo Horizonte, poucas eram as casas que tinham o aparelho. Nessa época surgiu a expressão “tele-vizinho”, para designar as pessoas que iam assistir aos programas de TV nas casas dos vizinhos mais abastados.

Bom, éramos muito pobres, morávamos na casa de minha avó materna (nós e mais oito tios e tias solteiros); minha mãe, para ganhar algum dinheiro, ia à casa da Tia Ci, sua irmã mais velha, para costurar para ela.

Tia Ci era rica, casada com o Tio Tristano, nascido na Itália e filho de Dona Clara, uma italiana com cara de brava, que era dona de um hotel fuleiro (hotel mesmo) no centro da cidade. A casa onde moravam ficava no bairro Santo Antônio, de frente para o Minas Tênis e tinha dois andares. No primeiro, morava minha tia com o marido e os dois filhos. No segundo, moravam sua sogra e a filha solteirona, Derna.

Sempre que minha mãe ia para lá, eu ia também. Como ela ficava até à noite, eu acabava assistindo o Repórter Esso, equivalente ao Jornal Nacional. O que um menino podia ver de interessante em um telejornal, que era basicamente apenas narrado e, até onde eu me lembro, sem imagens? Só mesmo a propaganda da Esso, feita com desenhos animados.
O desenho mais frequente tinha uma musiquinha imbatível, que colava como chiclete em passeio público. A letra era assim:

“Só Esso dá ao seu carro o máximo, só Esso dá ao seu carro o máximo, só Esso dá ao seu carro o máximo, veja o que Esso faz. Só Esso Extra”.

No Youtube é possível encontrar alguns deles.  Mas lembro-me especialmente de um, que mostrava uma orquestra com seu maestro e tudo mais. A música (descobri no Google) era uma paródia de um trecho do prelúdio da ópera Carmen, de Bizet. Pois bem, aparecia um tenor cantando:

“Só Esso dá, ao seu carro o máximo, só Esso dá, ao seu carro o máximo/ Só, Esso dá ao seu carro o máximo, veja o que Esso faaaz!”.

Aí, o maestro batia a batuta no suporte das partituras e dizia: “Non, no é esta música!” Um dos músicos tocava então o tema original numa flautinha e o maestro: “É isso!!!” E o tema com a letra original era cantado. Eu adorava essa propaganda e tenho as músicas na memória até hoje. Mas minha ligação com a publicidade e propaganda começou bem antes.

Penso que a minha primeira lembrança ligada à publicidade e propaganda está relacionada ao Carnaval. Nessa época, minha mãe levava a mim e ao meu irmão para a Afonso Pena, para que víssemos aquela muvuca: muitas pessoas fantasiadas (acreditem!) andando para lá e para cá, lança-perfumes (Rodouro) vendidos nas inúmeras barracas espalhadas pela avenida e ruas transversais, etc.

Havia também um sistema de som espalhado pela avenida, que tocava o tempo inteiro músicas de carnaval e... jingles. Lembro-me de um que tocava a toda hora, até a saturação. A letra, “riquíssima”, era assim (ou quase isso):

“Vai tudo bem, tudo bem, muito bem, muito bem, muito bem, tudo bem, bem, bem, com Pílulas de Lussen/ Pílulas de Lussen, Pílulas de Lussen”.
(Imagino que a música devia terminar com o clássico Pam, parararã, pam, pam!)

Lembro-me também de outro jingle, das lâminas de barbear Gilette, que estava ligado a futebol. Realmente, não sei dizer se foi feito especificamente para alguma copa do mundo (1958 ou 1962) ou se era utilizado aos domingos. Creio que a letra era assim (lembro-me também da música):

“Vitória / com Gilette Azul / Sucesso/ Com Gilette Monotech / Alegria! / Faça a barba todo dia com Gilette Azul!”

A bem da verdade, o pessoal ligado à publicidade sempre criou jingles extremamente viscosos, grudentos, que ficaram em minha memória até hoje:
O “cha-cha-chá” das Casas da Banha, com um desenho animado ótimo, onde dois porquinhos dançavam um “cha-cha-chá” com letra das Casas da Banha (“... é lá que eu quero comprar”). Outro jingle memorável era dos Cobertores Paraíba (“já é hora de dormir...”).

E por aí vai. Dá pra perceber que, desde sempre, eu fui tocado pela música, não é mesmo? Há jingles memoráveis, feitos por artistas do primeiro time da MPB, como Gilberto Gil (“índigo blue índigo blusão – Santista”) e Zé Rodrix (no Youtube tem).

Mudando de pau para cavaco, eu sempre curti muito as campanhas publicitárias, algumas absolutamente geniais. No canal Multishow existia um programa onde eram passados filmes publicitários premiados. Só filmes sensacionais, alguns hilariantes, outros puxando pela emoção, mas sempre fantásticos.

Porque, embora não seja publicitário, morro de inveja (saudável) de quem é. Como, por exemplo, do dono do blog "Mixidão", que é um publicitário de mão cheia e mega criativo. Quando fiz vestibular, nem sabia se havia curso de Comunicação e Publicidade. Minha ignorância restringia as possibilidades a quatro ou cinco cursos – engenharia, medicina, etc. Mas eu sempre fui atraído pela criatividade inerente à publicidade. Ou melhor, sempre me deixei fascinar pela criatividade em qualquer área, porque criatividade para mim é sinônimo de inteligência e mente livre, aberta (já deu pra sentir que eu não me daria bem nessa profissão, concordam?).

Aliás (voltando ao passado), uma vez, quando tinha de 12 a 14 anos, uma professora pediu que fizéssemos um cartaz publicitário. Eu gostava de desenhar, mas era uma lástima nessa área, ainda que meu pai dissesse que eu desenhava muito bem (como disse o Millor, “em terra de olho quem tem um cego... errei!”). 

Pois bem, peguei uma cartolina, desenhei uma lâmina de barbear com braços e pernas, com um aparelho de barbear em uma das mãos e um sorriso no “rosto”. Do texto não me lembro mais, mas a marca da lâmina de barbear era “Tirapel”. Dá pra imaginar um trocadilho mais indecente? O pior de tudo é que pintei (mal) toda a cartolina com guache azul. Não lembro que nota tirei, mas sei o resultado final do trabalho: uma super bosta!

Mas voltemos ao presente. Sendo engenheiro por formação, eu penso que a nata da Engenharia é ocupada pelos calculistas (normalmente os alunos mais brilhantes na época da escola). Na Medicina a elite seria formada pelos neurocirurgiões, aqueles que buscam o máximo de resultado no menor espaço possível.
Na literatura, para mim, os campeões são os poetas, que obtêm o máximo de sensibilidade e emoção com a máxima concisão (basta lembrar os craques em soneto, a forma mais engessada de poesia).

Pois bem, os publicitários seriam uma mistura de neurocirurgiões com poetas, pois têm que ser concisos, precisos e capazes de encantar e seduzir.

Alguém aí ficou envaidecido? Menos, menos... Esse é o lado bom, mas há também outro lado, que encontra uma espécie de eco na Idade Média: a Publicidade pode ser vista como uma espécie de pedra filosofal, que tenta transformar em ouro qualquer porcaria em que toca.

Outra analogia também pode ser feita, ao se comparar o publicitário com o vendedor de carros usados: você nunca saberá se ele está falando a verdade ou apenas tentando te empurrar um abacaxi.

Mas a coisa mais legal que acredito existir na Publicidade é que seus profissionais têm (ou deveriam ter) liberdade para pensar qualquer besteira, antes de chegar à melhor solução. Ou seja, o velho e bom “brain storming” (ou “tormenta de parpite”, como li recentemente).

O Millor Fernandes disse uma vez que “livre pensar é só pensar”. Eu acredito que se alguém se reprime para só pensar, dizer, fazer ou criar coisas inteligentes, provavelmente nunca será muito feliz, pois criar pressupõe liberdade de pensar de uma forma que ninguém ainda tinha pensado. E sacadas geniais são como pepitas de ouro, não aparecem a toda hora, você tem que mover montanhas de terra para encontrar alguma, como em Serra Pelada.

Acho que é por isso tudo que a Publicidade continua me divertindo e surpreendendo.


6 comentários:

  1. Bom texto. Você pode achar que não, mas ainda é possível você estudar Publicidade, já que isso de agrada tanto. Não quero parecer sentimental, mas devemos correr atrás dos nossos sonhos e é sempre tempo para isso. Eu por exemplo: sempre quis ser escritor, achava muito chique. Quando era adolescente, tive a brilhante ideia de escrever um livro filosófico, à la Hermann Hesse, a que dei o título de "Siegfried". Imagina a obra prima que ficou. Um adolescente que não sabia nada escrevendo coisas reflexivas. Acho que ia ser bom como instrumento de tortura. Apesar disso, ainda tive esse sonho. Hoje, estou escrevendo um livro, agora ao estilo simpático de Júlio Verne e Alexandre Dumas, que domino muito mais. Desse meu exemplo você pode tirar duas coisas: primeiro que você não é o único doido no mundo e segundo que nunca é tarde para fazer o que sonhamos.

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    1. O que eu gostaria ("ria" mesmo) de estudar mesmo é psicologia. Pensando bem, você até que me deu uma ideia para um novo post. Quanto à vontade de escrever um livro, eu também tive essa pretensão, logo descartada. Se ainda não leu, sugiro o post "Norton antivirus", que conta essa história.
      Agradeço os comentários, sempre positivos. Isso, afinal nem me espanta muito, pois você é um gentleman, aliás, como todo Lord deve ser.

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    2. Obrigado pelos elogios! Eu ainda não tinha lido o posto "Norton antivirus". Você escreve muito bem, eu tenho dificuldades em descrever ambientes e coisas, já você é bom nisso. Podia tentar escrever de novo, embora eu preferiria uma coisa com mais humor, até Shakespeare escreveu comédias, e você domina esse quesito (pode até pensar que não).

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    3. Em tudo o que faço ou escrevo há um pouco de ironia ou sarcasmo. Deve ter alguma coisa de genética nisso, não sei. Mas outra pessoa já fez uma sugestão parecida ao comentar o "Norton" e eu respondi o mesmo que poderia responder a você. Se quiser, lei os comentários. A propósito, não sei se leu, mas o Norton tem três partes. E, para finalizar, a pessoa que eu mencionei tem um blog hardcore muito passional e interessante, pois escreve muito bem, com imensa ironia. Sugiro dar uma olhada. Esse blog é o "Marreta do Azarão".

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  2. Esse "só Esso dá ao seu carro o máximo" ficou na minha memória desde a mais tenra infância, mas eu não sabia a origem. Um dia apareceu na TV uma orquestra tocando "Carmen" e eu reconheci a melodia na hora! Fiquei ali cantando por cima! Parece que era uma série de comerciais chamada "Ópera"!

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    1. Essa eu não sabia! Caso se interesse, poderá ver esses comerciais no Youtube. E obrigado pela visita e comentário.

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