quarta-feira, 5 de novembro de 2014

CONTA E TEMPO - FREI ANTÓNIO DAS CHAGAS

Hoje eu reverencio uma pessoa de quem, até recentemente, nunca tinha ouvido falar e de quem, provavelmente, nunca conhecerei mais nada de sua obra. O motivo disso é simples: o autor, Frei António das Chagas, segundo descobri no Google, nasceu em 1631 e suas obras talvez só sejam encontradas em bibliotecas públicas (onde entrei pela última vez no final da década de 1960).

Mas uma das poesias (um soneto) que ele escreveu tem duas características que prezo muito: a marca da inteligência e criatividade e o tema, que é a passagem do tempo (uma de minhas obsessões depois dos cinquenta anos).

Por ter escrito esse poema incrivelmente bem bolado – que trata da batalha perdida contra a passagem desse filho da puta (o tempo, lógico) – minha reverência hoje é para Frei António das Chagas. Acrescento ainda que encontrei na web duas versões ligeiramente diferentes para o terceiro e para o quarto verso (prova de que a internet é a pátria da prostituição literária). Mantive a que descobri primeiro.

A título de brincadeira, diria que esse soneto incrível é a versão seiscentista da letra da música "Epitáfio", gravada pelos Titãs. Divirtam-se. 

Deus pede estrita conta do meu tempo,
E eu vou, do meu tempo, dar-Lhe conta;
Para dar minha conta feita a tempo,
O tempo foi-me dado, e não fiz conta.

Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,
Eu que gastei sem conta, tanto tempo?
Não quis, sobrando tempo, fazer conta,
Hoje quero dar conta, e não tenho tempo.

Ó vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo
Cuidai, enquanto é tempo, em vossa conta.

Pois aqueles que, sem conta, gastam tempo,
Quando tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, o não ter tempo.
(Frei Antonio das Chagas)




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