ESCATOLOGIA
O
Digão era um sujeito curioso, pois sendo um pai severíssimo, ao tratar com os
colegas, transmutava-se, tornava-se tão igual aos demais, que ninguém ligava
para a diferença de idade existente entre ele e nós outros. Assim, às vezes os
assuntos descambavam para a mais pura escatologia, como se dois ou mais pré-adolescentes
estivessem conversando.
Um
dia comentou conosco que tinha sido operado de hemorroidas, contou alguns
detalhes da operação e disse que um procedimento pós-operatório era o
“alargamento do ânus”, para que a cicatrização fosse realizada adequadamente,
evitando com isso o estreitamento do reto. Mas no caso dele, esclareceu, não
foi feito esse “tratamento de choque”:
– O dedo do médico era
da grossura do meu punho, pô!!
Depois de ser designado chefe do setor de projetos, mudou-se para o outro extremo do prédio, no mesmo andar, onde ficavam os desenhistas e projetistas, mas ia todo dia conversar fiado na antiga sala. Normalmente, chamava a atenção com a expressão –“Aqui, vocês já viram...” Na falta momentânea de assunto, saiu um dia esse diálogo:
– Aqui, você já cagou
hoje?
– Já.
– Muito ou pouco?
– Normal.
- Qual a cor?
– Marrom...
– Mole ou duro?
– Normal!!!
– Fino ou grosso?
– Vá à puta que pariu!
O caso a seguir é um dos que classifico como fantasioso e de gosto mais que duvidoso, diga-se. Entretanto, o que mais impressiona nele é o fato de ter sido contado sem nenhuma preocupação de parecer ridículo, para um grupo de colegas que riram até a barriga doer, por um senhor de cabelos brancos, educadíssimo, muito culto, um cavalheiro, enfim. Em outras palavras, ele sempre fez questão de se comportar como qualquer um de nós, nunca quis ser tratado com a deferência e respeito a que tinha direito e merecia. E era essa simplicidade e sabedoria que faziam dele o grande sujeito que realmente era e de quem todos gostavam. Mas vamos à história, tão “suja” quanto sanitário de posto de gasolina:
Um
dia, quando ainda trabalhava em outra empresa, foi encarregado de levar ao Rio
de Janeiro uma proposta para uma licitação de obra. Como iria voltar no mesmo
dia, só levou uma pasta com os documentos necessários. Enquanto aguardava o seu
voo, ficou no restaurante do aeroporto com um colega, tomando chope – vários,
segundo ele – e beliscando tira-gostos. Chegou ao Rio, almoçou e foi direto
para o órgão público para a abertura das propostas concorrentes, mas começou a
sentir um pouco de cólica. Aguentou firme até o final do processo licitatório
(demorado, na maioria das vezes).
Pegou
um táxi, mas percebeu que não seria boa ideia ir direto para o aeroporto,
distante do local onde estava. Pediu para o motorista seguir para o hotel onde
costumava ficar quando ia à cidade.
Chegou
à recepção já muito apertado e pediu a chave de um quarto, pois precisava ir ao
banheiro urgentemente. Perto dele, um grupo de estudantes preenchia suas fichas,
ficando com “risinhos irônicos” ao perceber a afobação do meu amigo.
Recebeu
a chave de um quarto em andar mais elevado. O recepcionista disse que alguém
iria acompanhá-lo até lá, mas ele dispensou, com o intestino já na mais aberta
rebelião. Ao
sair do elevador, o quarto ficava no final de um longo corredor:
– Parecia que tinha um
quilômetro!
A
chave salvadora destrancou a porta e a mão acionou a maçaneta, mas a porta não
abriu – a fechadura tinha duas voltas.
Quando
a porta não se abriu na primeira volta da chave, todos os controles entraram em
colapso e ele se liquefez ali mesmo, na porta do quarto, com a merda descendo
pela perna até o sapato e manchando o carpete do corredor. Correu
ao banheiro, pegou uma toalha, encharcou-a no lavatório e limpou o carpete, que
ficou com uma mancha úmida “suspeitíssima”. Agora,
era hora da higiene: tomou um longo banho, lavou a toalha, as calças, a cueca e
os sapatos.
Depois
que acabou, constatou que não poderia sair do quarto, por não ter trazido
nenhuma muda de roupa. Chamou
a camareira e perguntou pela lavanderia do hotel e soube que já estava fechada.
Sem outra solução, perguntou quanto a funcionária ganhava por semana e ofereceu
a ela a mesma quantia, para que fosse à sua casa secar a calça “que havia caído na água, ao tomar banho”.
Duas
ou três horas depois, volta a camareira com a calça seca e comenta, se
desculpando:
– Não ficou muito bom
não, porque a calça estava meio suja na bainha. O senhor deve ter pisado em
algum barro...
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