O VOO CEGO
Quando foi trabalhar no sul do país, na
construção de uma outra ponte, mudou-se para lá com toda a família. Ali ficou
sabendo que uma senhora estava vendendo o monomotor do marido, já falecido.
Graças à sua paixão por aviões, resolveu comprá-lo, em sociedade com outro
funcionário da obra.
Já sabia pilotar aviões – apesar do olho cego
– desde a obra onde aconteceu o caso da vaca (– “Aprendi a voar antes de aprender a decolar”).
Para utilizar o avião, mandou fazer uma pista
de terra próxima à casa onde morava. A cabeceira da pista ficava logo após uma
linha de alta tensão, o que o obrigava a uma aterrissagem rápida após a
passagem sobre os fios. E o mecânico do avião era o mesmo que dava manutenção
no trator de esteiras...
– Altamente
especializado – disse rindo.
Segundo sua explicação, o centro de gravidade
desse modelo, quando o piloto está voando sozinho, fica no segundo banco, que
contém os mesmos comandos da frente do avião. Caso contrário, o peso do motor
mais o peso do piloto inclinam o avião para a frente, sei lá com que
consequências. Com duas pessoas, o problema deixa de existir, pela melhor
distribuição de peso.
No caso dele, por ser cego de um olho,
pilotar sozinho, sentado no banco de trás, era impossível. Para resolver o
problema, utilizava um saco de cimento colocado no banco de trás, ou
levava junto o Diguinho. Ao passar em voos rasantes sobre a casa, o Xulipa (que
era como chamava o filho) acenava freneticamente, com o corpo meio para fora da
janela:
– Hei,
mãe!!!
Por duvidar dessa loucura, perguntei ao
Diguinho se a história era verdadeira e ele confirmou, rindo.
Um domingo pela manhã, com “céu de brigadeiro”,
para testar os limites do avião, resolveu subir até onde a potência do motor
conseguisse superar o ar cada vez mais rarefeito.. E foi subindo em espiral,
até onde o avião aguentou.
Ao verificar a altitude – no olho, pois o
avião não tinha altímetro funcionando – resolveu descer, também em
espiral – “fazendo belíssimas
voltas” enquanto apreciava a paisagem.
Olhando para sua casa, notou que havia se
formado um pequeno ajuntamento de gente na porta. Em seguida, viu o carro de
sua mulher sair em disparada, na direção da pista de pouso. Sem entender nada,
continuou descendo, sempre na espiral.
Ao chegar à altitude adequada, endireitando o
avião para o pouso, em linha reta com a pista, a cabine foi invadida por uma
fumaça preta. Foi a conta de desviar da linha de alta tensão, mergulhar o avião
e descer correndo, tão logo o calhambeque aéreo parou. Mas nada explodiu ou se
incendiou. A fumaça foi diminuindo e acabou.
Explicação: o parafuso de drenagem do óleo do
motor estava meio bambo, fazendo com que o óleo, pela ação do movimento de
descida, deslocamento de ar e tal, fosse “cair” sobre a superfície quente do
motor, queimando-se e provocando a fumaceira preta, que saía pela tangente e
para cima e ia ficando sempre fora de sua visão, principalmente por sair do
lado do olho cego, até ele alinhar o avião com a pista.
– Foi o
fim da picada! –
disse rindo – Depois disso,
Dona Maria me fez vender o avião...
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