sábado, 2 de agosto de 2014

HISTÓRIAS DO DIGÃO - PARTE VI


O VOO CEGO

Quando foi trabalhar no sul do país, na construção de uma outra ponte, mudou-se para lá com toda a família. Ali ficou sabendo que uma senhora estava vendendo o monomotor do marido, já falecido. Graças à sua paixão por aviões, resolveu comprá-lo, em sociedade com outro funcionário da obra.

Já sabia pilotar aviões – apesar do olho cego – desde a obra onde aconteceu o caso da vaca (–  “Aprendi a voar antes de aprender a decolar”).

Para utilizar o avião, mandou fazer uma pista de terra próxima à casa onde morava. A cabeceira da pista ficava logo após uma linha de alta tensão, o que o obrigava a uma aterrissagem rápida após a passagem sobre os fios. E o mecânico do avião era o mesmo que dava manutenção no trator de esteiras...

– Altamente especializado – disse rindo.

Segundo sua explicação, o centro de gravidade desse modelo, quando o piloto está voando sozinho, fica no segundo banco, que contém os mesmos comandos da frente do avião. Caso contrário, o peso do motor mais o peso do piloto inclinam o avião para a frente, sei lá com que consequências. Com duas pessoas, o problema deixa de existir, pela melhor distribuição de peso.

No caso dele, por ser cego de um olho, pilotar sozinho, sentado no banco de trás, era impossível. Para resolver o problema, utilizava um saco de cimento colocado no banco de trás, ou levava junto o Diguinho. Ao passar em voos rasantes sobre a casa, o Xulipa (que era como chamava o filho) acenava freneticamente, com o corpo meio para fora da janela:

– Hei, mãe!!!

Por duvidar dessa loucura, perguntei ao Diguinho se a história era verdadeira e ele confirmou, rindo.

Um domingo pela manhã, com “céu de brigadeiro”, para testar os limites do avião, resolveu subir até onde a potência do motor conseguisse superar o ar cada vez mais rarefeito.. E foi subindo em espiral, até onde o avião aguentou.
Ao verificar a altitude – no olho, pois o avião não tinha altímetro funcionando – resolveu descer, também em espiral – “fazendo belíssimas voltas” enquanto apreciava a paisagem.

Olhando para sua casa, notou que havia se formado um pequeno ajuntamento de gente na porta. Em seguida, viu o carro de sua mulher sair em disparada, na direção da pista de pouso. Sem entender nada, continuou descendo, sempre na espiral.

Ao chegar à altitude adequada, endireitando o avião para o pouso, em linha reta com a pista, a cabine foi invadida por uma fumaça preta. Foi a conta de desviar da linha de alta tensão, mergulhar o avião e descer correndo, tão logo o calhambeque aéreo parou. Mas nada explodiu ou se incendiou. A fumaça foi diminuindo e acabou.

Explicação: o parafuso de drenagem do óleo do motor estava meio bambo, fazendo com que o óleo, pela ação do movimento de descida, deslocamento de ar e tal, fosse “cair” sobre a superfície quente do motor, queimando-se e provocando a fumaceira preta, que saía pela tangente e para cima e ia ficando sempre fora de sua visão, principalmente por sair do lado do olho cego, até ele alinhar o avião com a pista.

– Foi o fim da picada! – disse rindo – Depois disso, Dona Maria me fez vender o avião...

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