segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

UMA TROCA JUSTA

 
Embora seja hoje o que eu mesmo defini como “ateu-católico” ou “católico-ateu”, continuo a reconhecer o papel positivo das religiões e crenças. Quando se está destroçado emocionalmente pela perda de alguém querido, no mais fundo dos poços, atingido por uma doença terminal ou por uma insolúvel situação financeira, acreditar na existência de uma divindade que possa socorrer, curar e ajudar o caído a se levantar é uma dádiva a que os ateus não têm direito.
 
Além disso, ao longo da história humana, a crença em uma ou mais divindades provocou a criação de belíssimas obras de arte e a construção de monumentos e templos que jamais existiriam se a humanidade possuísse a espiritualidade de um babuíno ou elefante, por exemplo.
 
Sem o medo da morte e a crença na imortalidade, sem o desejo de louvar esse ou aquele deus, como imaginar que seriam construídos os templos e pirâmides egípcias? Certamente palácios seriam construídos, suntuosos mausoléus seriam erguidos para que a memória de reis e rainhas não fosse esquecida, mas que dizer dos quadros de Rafael Sanzio, das esculturas de Michelangelo e da música sacra de Bach? Existiriam? Teriam sido criados?
 
Michelangelo teria esculpido as estátuas de Davi, Moisés e da Pietá? Teria pintado o teto da Capela Sistina? Existiria uma Capela Sistina? Da Vinci teria pintado a celebérrima “Última Ceia”? Johann Sebastian Bach teria composto mais da metade de sua aclamadíssima produção musical inspirado em temas religiosos? Provavelmente não, certamente não.
 
O mesmo se pode dizer de outros pintores, escultores e músicos mais ou menos conhecidos, de construtores de catedrais e templos. Sem uma crença religiosa estabelecida, mecenas como papas e cardeais não teriam existido. Assim, mesmo que alguns ateus vejam com desdém aqueles que creem em um ou mais deuses, é inegável o fato da vivência religiosa ter servido para confortar os aflitos e necessitados ou fazer desabrochar o que pode haver de melhor na natureza humana. Por outro lado...
 
Se os sapiens tivessem a crença religiosa das baleias ou dos gorilas provavelmente nunca teriam se preocupado em criar forma e conteúdo para essa ou aquela divindade. Jamais divulgariam leis e lendas surgidas na mente de algum ancião como se tivessem sido ditadas pelo próprio deus.
 
Não haveria mitologias nem escritos “sagrados” a respeitar e seguir. Não haveria a perseguição a quem tivesse crenças diferentes da maioria, simplesmente porque não haveria crenças nem punições delas decorrentes.
 
Não haveria a Santa Inquisição, as bruxas de Salém, o Onze de Setembro, o Talibã, a destruição de templos e monumentos religiosos (pois não haveria templos nem monumentos religiosos a destruir). Também não haveria a tentativa de converter nativos e indígenas para essa ou aquela corrente religiosa. 
Além disso, não seriam perpetuadas e defendidas crenças equivocadas e idiotas como a da “terra prometida”.

Se não houvesse religião, na falta de crenças religiosas e vida espiritual, a humanidade jamais teria a oportunidade de se embevecer com as maravilhas arquitetônicas e obras de arte inspiradas nessa ou aquela divindade, mas estaria livre da maldade que o preconceito religioso sempre foi capaz de produzir. Como agora, no momento em que negam a uma etnia o direito de ter seu próprio país e que uma embaixadora recentemente indicada tem a coragem de dizer sandices com cheiro de má fé.
 
Ao ser questionada se ela concordava com o direito dos palestinos de se autogovernar em uma política de dois Estados - israelense e palestino -, Elise Stefanik, indicada para o cargo de embaixadora americana nas Nações Unidas desconversou, mas teve a coragem de dizer que Israel tem “direito bíblico” ao território da Cisjordânia.
 
Ao ler essa notícia, o primeiro pensamento que tive foi "direito bíblico é a puta que pariu!" Um pouco menos irritado, cheguei à conclusão que a inexistência de obras de arte sacra e catedrais de tirar o fôlego seria um preço justo a pagar para que não existissem tantos preconceitos e violência decorrentes de crenças religiosas antagônicas. Certamente até Deus aprovaria essa troca.

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