sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

PENSANDO "NAQUILO"

 
Vamos combinar que sexo sempre foi uma coisa de responsa, pois mesmo sendo uma fonte de prazer e até mesmo usado para reprodução, não se pode dar mole com esse assunto, se me entende. Agora, imagine (talvez seja melhor não tentar) como era o sexo na Idade Média, aquele período da história em que tomar banho era uma raridade, que o cheiro de desodorante vencido era a regra.
 
E falando em tempos difíceis, em uma época em que execuções públicas por enforcamento, esquartejamento ou empalação eram procedimentos corriqueiros, o mau odor das pessoas era o menor dos problemas. Porque naquele período as punições por culpa ou pecado cometido eram o bicho, para dizer o mínimo. E nem preciso falar de caça às bruxas, de bruxarias, práticas combatidas com afogamento ou queima na fogueira. O pecado podia acontecer até debaixo dos lençóis de pessoas casadas.
 
Descobri na internet uma relação de orientações a serem seguidas pelos padres durante as confissões auriculares quando o assunto era sexo, ou melhor, os “pecados” sexuais cometidos por homens e mulheres.
 
“Na Idade Média, a vida sexual era regida por regras morais da Igreja Católica, com destaque para livros penitenciais que orientavam confissões e penitências”.
 
Pensar em sexo? Nem pensar!
“O Livro Penitencial do monge irlandês Cummean (ou Cominianus) indica: Aquele que, por muito tempo, é atraído pela imaginação a cometer fornicação e repele o pensamento muito gentilmente deve fazer penitência de um ou dois ou mais dias, de acordo com a duração da imaginação”.
 
Desejar transar (sem a capacidade de fazer) também rendia um ano de penitência. Queria entender de quem seria a culpa por essa impossibilidade. Seria um caso de paumolescência (neologismo criado pelo titular do blog A Marreta do Azarão”)?
“O mesmo livro diz: ‘Aquele que meramente deseja em sua mente cometer fornicação, mas não é capaz, deve fazer penitência de um ano, especialmente nos três períodos de 40 dias’, com destaque para a Quaresma”.
 
Sonhar com sexo também não era permitido.
“Aquele que foi poluído, com vontade, durante o sono deve se acordar e cantar nove salmos em ordem, de joelhos. No dia seguinte, ele deve fiver apenas de pão e água ou deve cantar 30 salmos, ajoelhando-se ao final de cada um. Àquele que deseja pecar durante o sono, ou é poluído sem intenção, 15 salmos, àquele que peca e não é poluído, 24 salmos’, diz o Penitencial de Cummean”.
Se essas eram as penitências por sonhar com a esposa, sonhar com a cunhada gostosa ou com a vizinha dando mole, então, só ajoelhando no feijão, pois o milho ainda não era conhecido pelos europeus!
 
 
O sexo oral em qualquer de suas versões (felação ou cunnilingus) deveria ser considerado um dos maiores pecados (e era, mas, curiosamente, as instruções previam apenas o popular bola-gato).
“O Penitencial de Teodoro considera ‘Qui semen in os miserit’ — aquele que coloca semente na boca — como o pior entre os maus, já que este ato elimina a possibilidade de procriação. Ambos os participantes tinham que fazer penitência pelo menos, por sete a 12 anos, ou pelo resto de suas vidas”.
 
Masturbação também era motivo para pedir perdão
“Se ela pratica vício solitário, deve fazer penitência pelo mesmo período, diz Teodoro. Cummean ainda tinha uma especificação a respeito da ‘masturbação femoral’ — a estimulação com a coxa — que deveria merecer dois anos de penitências”.
 
 Pela severidade das penitências (eu ia dizer dureza, mas desisti), o sexo homossexual provavelmente considerado “o” pecado
“Se uma mulher prática 'vício' com outra mulher, ela deverá fazer penitência por três anos. E ‘aquele que, após seu 20º aniversário, se deflorar com outro homem deverá fazer penitência por 15 anos. Um homem que comete fornicação com outro homem deve fazer penitência por [pelo menos] 10 anos, generaliza ainda o Livro Penitencial de Teodoro”.
 
Alem desses “pecados” o artigo ainda relaciona algumas proibições: “Um marido não deve ver sua mulher nua”. Também não pode fazer sexo no domingo (dia do Senhor ) nem no período pós parto (por 33 dias, se for um filho e 66 dias se tiver nascido uma filha). E se a mulher for estéril o casal deve praticar a abstinência sexual (e ninguém falava da possível esterilidade masculina!).
 
Uma compilação destes trabalhos foi popularizada, em inglês, pelo livro "Medieval Handbooks of Penance" dos pesquisadores John T. McNeill e Helena M. Gamer, publicado em 1938 pela Columbia University Press. Pena não existir sua versão em português, pois seria um ótimo livro de cabeceira, concordam?
 
No fim das contas, parece que a Idade Média foi uma era de pecadores compulsivos e penitentes incansáveis. Mas não deixa de ser irônico o fato desses pecados e penitências terem sido estabelecidos por quem (teoricamente) não os cometia. Essa bizarrice me faz lembrar de um verso do Djavan, que diz “ser mais fácil aprender japonês em Braille”.
 
 

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