“É hora
da ciência!”,
disse em recente entrevista publicada no portal ISTO É o climatologista Carlos
Nobre, referência internacional em aquecimento do planeta. Nessa entrevista ele
traça um painel sombrio sobre o descaso com as mudanças climáticas provocadas
pelo aquecimento global, e conclui: “Não tem jeito: vai ser no mundo inteiro”.
Fiquei tão impactado pelo que li que resolvi
postar aqui no Blogson a íntegra do texto que foi publicado. E o motivo, mesmo
que este blog tenha hoje baixíssima visualização, é permitir sua leitura a
qualquer tempo. Quem sabe isso consiga mudar a mente de algum negacionista que
acesse por engano esta postagem? Porque de equivocado e mal informado (para
dizer o mínimo), já basta o governador do Rio Grande do Sul, quando, referindo-se às inundações catastróficas que atingiram seu estado, afirmou que “Estudos
alertaram, mas o governo também vive outras agendas”. E o cara é do PSDB,
partido que sempre atraiu minha simpatia. Que vergonha!
A seguir, a íntegra do texto que copiei na
internet, com os devidos créditos:
“Ou o
Brasil muda ou será arrasado por desastres”, diz climatologista Carlos Nobre
EDITORA3
17/05/2024
Referência
internacional em aquecimento do planeta, o climatologista Carlos
Nobre alerta: o País não pode perder a oportunidade de aprender com a
tragédia do Rio Grande do Sul, para alterar os rumos do catastrófico cenário
previsto em razão das mudanças climáticas. “Ou o Brasil muda ou nos
tornaremos um país arrasado por desastres naturais”, afirma. Pesquisador
do Instituto de Estudos Avançados da USP e membro do Painel Global de
Sustentabilidade, Nobre defende a necessidade de cuidar das matas, que reduzem
em até 30% o efeito nocivo das enchentes e as transições do agronegócio para um
modelo agropecuário regenerativo. “É hora da ciência”. Para ele, as ações
devem estar voltadas à capacitação de brasileiros instalados em pontos
vulneráveis, para a retirada quando houver risco. O cientista estima que
cerca de 15 milhões de pessoas ocupam entre 700 mil e um milhão de residências
em locais de alto risco, entre elas quatro milhões em pontos de altíssimo
risco. Ele não se surpreendeu com a tragédia gaúcha que, conforme avalia, tem
raízes num modelo agro que desmatou 80% da mata atlântica.
O que causa eventos climáticos extremos como
os que atingiram o Rio Grande do Sul?
Recordes
climáticos, como o ocorrido no Rio Grande do Sul, acontecem no mundo inteiro.
Estamos vendo ondas de calor, secas e chuvas intensas. Em 2023 houve recorde de
temperatura, com 1,48 grau mais quente do que a média do período
1850–1900. É a temperatura mais alta desde o período interglacial, 125 mil
anos atrás. Entre março de 2023 e fevereiro de 2024, a temperatura já chegou a
1,56 grau, mais alta do que a dos meses cheios do ano passado. São os extremos
climáticos.
Os efeitos nocivos são variados?
Em
torno de 95% são fenômenos meteorológicos, oceânicos, climáticos, que sempre
existiram. Só que agora ocorrem com muito mais frequência e com recordes, como
se viu no norte do Afeganistão, uma região seca com chuvas que provocaram a
morte de mais de 300 pessoas. No mês passado foi em Dubai, uma região
desértica, onde em dois dias choveu mais do que a média do ano
inteiro. Isso tudo tem a ver com o aquecimento global. Ele aumenta a temperatura
do planeta e, especialmente, dos oceanos, que estão evaporando muito mais. O ar
está mais úmido e isso induz um grande número de eventos climáticos extremos.
O que atenua a intensidade dos episódios?
Onde se
preserva a natureza o impacto é menor. Numa região tropical com floresta, a
temperatura baixa de três a cinco graus em comparação com áreas sem verde. A
floresta evapora e transpira uma quantidade muito grande de água o ano todo,
até na estação seca, aumentando a umidade e criando um microclima melhor até
para o corpo humano. A floresta diminui até a intensidade de seca e quando
chove muito. O solo absorve grande quantidade de água. Ela não consegue
combater tudo, mas diminui os riscos.
O fato de o Rio Grande do Sul ter se
desenvolvido como economia agrícola alterou a natureza a ponto de chegar à
situação extrema?
Totalmente.
O Rio Grande do Sul é um dos estados com menor índice de vegetação natural –
50% é mata atlântica, uma parte é os pampas. O desmatamento acabou com mais de
80% da mata atlântica no estado. Quando há chuva intensa sem árvores, o solo
está compactado com pastagem da agropecuária, culturas agrícolas. Quando chove
muito satura o solo, a água não penetra mais, aquilo tudo corre e enche os rios
num nível muito mais alto do que se você mantivesse a floresta. Se os
ecossistemas estivessem mais preservados, mesmo com chuvas recordes, o nível de
inundação diminuiria de 20 a 30%.
O chamado novo normal é algo bem pior?
Novo
normal significa que, se a gente continuar aquecendo o planeta e as emissões
não baixarem rapidamente, poderá chegar a 2,5 graus na temperatura média global
em 2050. Isso representa ondas de calor, secas e chuvas intensas com mais
frequência.
Como proteger o clima na economia brasileira,
baseada na produção de matéria-prima?
Modernas
tecnologias na energia, agricultura e em todos os outros setores. Elas mostram
soluções para reduzir as emissões, tornar a agricultura e a pecuária mais
resilientes a esses eventos extremos. As áreas modificadas para
agricultura regenerativa, onde há uma agropecuária mais sustentável, não chegam
a 10%. É muito pouco. A agricultura e a pecuária regenerativas usam uma área
muito menor e são mais produtivas e lucrativas. Resistem melhor aos eventos
extremos. Esse é o caminho. No setor de energia a transição também é pequena.
Mais de 80% do consumo do mundo ainda é fóssil. Um risco muito grande.
Como o Brasil caminha nessa área?
Nós
estamos indo devagar para vencer o grande desafio da humanidade que é reduzir
as emissões. Esses eventos extremos não têm mais volta. Temos que tornar
os sistemas em que vivemos algo para nós mesmos, nossa saúde, sobrevivência e
melhoria da produção de alimentos e manutenção da biodiversidade através de uma
série de atitudes. Precisamos também de sistemas de alerta mais efetivos. Já
melhorou, porque os eventos de setembro e de agora no Rio Grande do Sul foram
anunciados com muitos dias de antecedência, com a previsão de riscos passada
para as defesas civis.
O que falta?
As
defesas civis ainda estão pouco preparadas. Precisam melhorar muito. A gente
sempre compara com o Japão. É um país de inúmeros terremotos, não existe
previsibilidade, o terremoto é previsto na hora em que começa. E aí todo mundo,
desde a escola, foi educado para saber o que fazer nos terremotos. A
infraestrutura de rodovias, tudo está mais resiliente. No Brasil esses eventos
extremos são previstos com pelo menos três dias de antecedência. A defesa
civil precisa ir imediatamente até as áreas de risco e tirar as populações.
Precisamos de sirenes de alerta e ações para que os brasileiros sejam alojados
com alimentos, medicamentos e água. Hoje todo mundo se comunica com celulares,
mensagens, mas veja em quantas cidades do Rio Grande do Sul acabou a eletricidade
e a internet. A população precisa ser capacitada para saber onde ir.
Quantos brasileiros vivem em áreas de risco e
o que fazer para evitar tragédias?
O
estudo de 2019 localizou oito milhões de pessoas, dois milhões em áreas de
altíssimo risco. Um novo estudo vai colocar, certamente, uns 15 milhões – aqui
estou estimando – entre eles quatro milhões em áreas de altíssimo risco, que
não podem continuar vivendo nesses locais. São entre 700 mil e um milhão de
residências. Como a gente viu no Rio Grande do Sul, dezenas de milhares de
residências foram varridas pelas correntes muito fortes dos inúmeros rios. É um
enorme desafio. A curtíssimo prazo, sirenes e capacitação da população, e
no médio prazo, novas residências em locais seguros.
Para onde levar quem está em área de risco?
O
Brasil tem gigantescas áreas. Agora, é lógico, o desafio é o custo. A grande
maioria, acima de 80% das populações nessas áreas de risco, é de pobres e
vulneráveis. Eles não podem comprar um terreno em outro lugar. É preciso apoio
governamental. E aí, de novo, para tirar milhões e milhões de brasileiros
dessas áreas de altíssimo risco, tem que ter um investimento grande dos
governos federal, estadual e municipal. Também é preciso, como vimos pelos
estragos no Rio Grande do Sul, transformar a infraestrutura de transportes em
obra mais resiliente. Serão necessários dezenas de bilhões de reais para isso.
Como colocar engenharia de prevenção em
programas como Minha Casa Minha Vida e o PAC?
No
governo Dilma foram colocadas centenas de casas para populações pobres
vulneráveis na cidade de Marabá, no Pará, na beira de um rio. Alguns anos
depois uma chuva inundou todas. .
Como o senhor vê o negacionismo diante das
previsões científicas?
É muito
preocupante. Já foi menor no Brasil, mas cresceu por causa do populismo
político de extrema direita, e às vezes até de extrema esquerda. Negam a
ciência, os eventos climáticos e não incentivam os investimentos que têm que
ser feitos para reduzir mortos e prejuízos em desastres. Acho que valeria
a pena perguntar aos que ficaram nas casas se não saíram porque tinha outros
familiares idosos, estavam com medo de ladrões ou porque não acreditam em
mudança climática. Acho que negacionistas são pessoas de mais alta renda, que
não moram ems áreas de altíssimo risco.
Como vem se comportando o poder público em
relação às mudanças necessárias?
Não se
ajustou. A primeira política de adaptação foi publicada em 2016 e pouquíssimo
em orçamento foi implementado. O Brasil se compromete mais com redução das
emissões em 50% zerando o desmatamento até 2030. Pouquíssimos países no mundo
que vão ter esse sucesso, mas adaptação é baixíssima. Depende do governo
federal e também das defesas civis municipais, com investimento que não
acontece por conta dos políticos que estão no Congresso, assembleias e câmaras
municipais. Não é o caso de Lula, que é muito preocupado com isso. O governador
do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, não se diz negacionista, mas depois do
evento horrível que matou 54 pessoas no ano passado, na bacia do rio Taquari,
não aumentou o orçamento para 2024 para proteger a população. Isso é muito
ruim. Ou o Brasil muda ou nós nos tornaremos um país arrasado por esses
desastres naturais.
O caos é também uma boa oportunidade para
despertar?
É
exatamente isso que eu ia falar. Eu estou sendo otimista: não podemos perder
essa oportunidade. Vai ter eleição de vereador e prefeito em outubro e
novembro deste ano. Tenho dito que independente de ideologia, de partido
político, não votem em negacionista. Eles causam um enorme risco para o país. É
a hora da ciência!
Quais as outras regiões sensíveis aos eventos
extremos no País?
Todos
os estados. Tivemos, no ano passado, em São Sebastião, no litoral norte de São
Paulo, a maior chuva da história do Brasil, com 600 milímetros em 24 horas, que
matou 64 pessoas. Esses eventos acontecem na região serrana do Rio, quase 330
milímetros em 24 horas. No Espírito Santo, mais de 30 pessoas morreram. Não tem
jeito: vai ser no mundo inteiro.