segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

ESTRELA DE BELÉM, ESTRELA DE BELÉM!

 

Na música “Ouro de Tolo” o Raul Seixas cantou estes versos: “Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado. Macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco”.
 
Eu fico nessa linha quando o fim de ano se aproxima, pois acho um saco os programas especiais que as emissoras de TV apresentam – o especial de envelhecimento do Roberto Carlos, as festas de amigo oculto dos funcionários e, principalmente, os programas populares que trazem videntes, astrólogos, tarólogos, nutrólogos (porque eles se nutrem com a popularidade adquirida nessa época) com suas previsões “infalíveis” sobre a vida dos famosos. Enfim, precisa mesmo de muita paciência para não talhar o sangue e azedar o fígado. com essas idiotices.
 
Mas estamos às vésperas do Natal e redescobri um texto extraído de um livro lido em 2015 que fala da Estrela de Belém. Os cientistas que estudaram o mapa celeste da época em que teria nascido Jesus contestam a existência de algum corpo celeste minimamente semelhante à descrição da “estrela” que guiou os magos. Poderia ter sido um cometa – por ter ficado visível por algum tempo -, mas nenhum cometa de órbita conhecida teria surgido nos céus daquela época.
 
Quem tem fé cega e crença inabalável na Bíblia está pouco se lixando para isso, mas é um assunto que deixa a pulga atrás da orelha. E o texto que li faz justamente o contrário disso, pois traz uma explicação fascinante para o surgimento da Estrela de Belém quando Jesus nasceu. O raciocínio desenvolvido a partir de detalhes históricos me pareceu tão sensato que hoje eu creio ser verdade. Independente da fé de cada um (ou de sua falta) é um texto que merece ser lido. E a tradução, a “aula de inglês” só acontecerá com o texto escrito até aqui. Bora lá:
 
 
“É muito estranho que, embora os estudiosos se dispusessem a fazer arranjos com as datas das conjunções planetárias - e até com a morte de Herodes - para ajudar a enquadrar a evidência astronômica, nenhum tenha reexaminado a sério os argumentos tradicionais para datar o nascimento de Cristo. Isso foi conseguido nos últimos vinte anos pelo Dr. Nikos Kokkinos, sábio ateniense hoje vivendo na Inglaterra. Diplomado em teologia, arqueologia romana e história antiga, Kokkinos é um dos poucos pesquisadores polimáticos o bastante para lidar com o amplo espectro de provas vinculadas a essa importante questão. Em 1980, ele propôs uma cronologia radicalmente diferente para Jesus. Um estudo detalhado de provas dos romanos e do Novo Testamento mostra que Cristo teria sido crucificado em 36 d.C. E não no tradicional 33 d.C.). Essa data, hoje amplamente aceita por outros estudiosos do Novo Testamento, fornece o primeiro passo para se datar o nascimento de Cristo.
Naturalmente, o passo seguinte é descobrir a idade de Cristo quando foi crucificado. A visão mais comum aceita que Cristo era bastante jovem, com pouco mais de 30 anos. Segundo Kokkinos, isso não parece verdade. Para ser considerado um rabi (mestre religioso) na antiga sociedade judaica, em geral era preciso ter atingido a idade de 50 anos. Um conjunto de outras provas nos leva à mesma conclusão. Por exemplo, o bispo Irineu declarou no século II d.C. que Jesus tinha cerca de 50 anos de idade quando ensinava. (Irineu foi discípulo de Policarpo, que conheceu pessoas que alegavam ter visto Cristo.) Mais intrigantes ainda são as indicações precisas oferecidas pelo Evangelho de São João, que declara em determinado ponto (8:57) que Cristo "ainda não chegara aos cinquenta”. Outra passagem em João (2:20) relata uma curiosa história na qual Cristo compara o seu corpo - na verdade, a sua vida - com o templo de Jerusalém, que demorou "quarenta e seis anos em construção”. Nenhum dos três sucessivos templos de Jerusalém demorou quarenta e seis anos para ser construído e a melhor interpretação para essa enigmática curiosidade é a defendida por Kokkinos: Cristo estava declarando ter a mesma idade do templo - ou seja, 46 anos. O templo que existia em Jerusalém durante a vida de Cristo fora concluído pelo rei Herodes em 12 a.C. Quarenta e seis anos nos leva ao ano 34 d.C., primeiro ano do ministério de Cristo, segundo Kokkinos. Seguir-se-ia, pois, que Cristo teria 48 anos ao ser crucificado no ano 36 d.C., o que concorda com todas as outras indicações de que tinha perto de cinquenta anos de idade.
A outra alegação explosiva é que Jesus teria nascido em 12 a.C. Kokkinos demonstrou que o ano de 8 a.C., aceito por muitos estudiosos como a mais antiga data para o nascimento de Jesus, se apoiava em terreno muito frágil. Não há provas de um recenseamento de impostos romanos naquele ano – de fato, o primeiro censo romano na Judéia foi no ano 6 d.C., tarde demais para a cronologia da Natividade. É mais provável que José e Maria tenham ido a Belém em 12 a.C. para se registrar num censo de impostos locais, organizado pelo rei Herodes. Só depois de defender a data de 12 a.C., com base em outros fundamentos, Kokkinos notou que ela coincidia com o aparecimento do cometa Halley em 12-11 a.C. Depois que Kokkinos revisou as datas da vida de Cristo, o cometa Halley aparece como o candidato ideal para ser a "estrela".
(...) À época da sua chegada, o mundo romano fervilhava de rumores e profecias de que estava prestes a surgir um novo líder mundial.  Muitos achavam que as profecias já haviam se cumprido na pessoa do imperador Augusto (...) Outros acreditavam que as profecias se aplicavam a Marco Agripa, genro e aparente herdeiro do imperador, homem capaz e de origem humilde (...) Mas depois de uma bem-sucedida parceria com Augusto que durou muitos anos, Agripa morreu de febre em 12 a.C. Quando estava morrendo, em Roma, apareceu o cometa Halley, que os relatos dizem “pairar” sobre Roma, assim como a estrela parecia “permanecer” sobre Belém.
Isso acrescenta uma outra dimensão à história da Estrela de Belém. O patrono do rei Herodes era Agripa e Herodes dependia muito da continuidade dos favores desse homem, que considerava amigo pessoal próximo. As notícias da morte de Agripa podem ter provocado um grande choque no tirano da Judéia e certamente foram acompanhadas pelo relato de um prodígio mortífero visto nos céus de Roma. Que se passaria na mente de Herodes quando ele entrevistou os Magos e “habilmente indagou deles a que horas a estrela aparecera" (Mateus 2:7)? Não lhe teria sido difícil vincular a estrela dos Magos ao cometa da morte de Agripa. Agora pode-se compreender inteiramente o terror de Herodes com a notícia trazida pelos Magos. Agripa fora o governante do Império Oriental. Se o cometa previra a sua morte, talvez pudesse também prever o nascimento de um novo governante no Oriente, justo como os Magos sugeriam.
Uma detalhada simulação em computador dos movimentos exatos e do aparecimento do cometa, observado em Roma, na Pártia e em Jerusalém em 12-11 a.C. seria o teste final para essa ideia”.
 
 
In the song "Ouro de Tolo" (Fool’s Gold), Raul Seixas sang these verses: “Oh, what a boring guy I am, who doesn’t find anything amusing. Monkey, beach, car, newspaper, waterslide – I think all of that is a drag.”
 
I feel the same way when the end of the year approaches because I find the special TV programs a real drag – the aging special of Roberto Carlos, the secret Santa parties among employees, and, most of all, the popular shows featuring psychics, astrologers, tarot readers, and nutritionists (because they feed on the popularity they gain during this time) with their “unfailingly accurate” predictions about celebrities’ lives. Honestly, it takes a lot of patience not to curdle the blood or sour the liver over such nonsense.
 
But since we are on the verge of Christmas, I rediscovered a passage from a book I read in 2015 that talks about the Star of Bethlehem. Scientists who studied the celestial map of the time when Jesus is believed to have been born dispute the existence of any celestial body even remotely resembling the description of the "star" that guided the Magi. It could have been a comet – since it remained visible for a while – but no comet with a known orbit appeared in the skies during that period.
 
Those with blind faith and unwavering belief in the Bible couldn’t care less about this, but it’s a topic that raises a lot of questions. And the text I read does the exact opposite of this; it offers a fascinating explanation for the emergence of the Star of Bethlehem at the time of Jesus’ birth. The reasoning, developed from historical details, seemed so sensible to me that today I believe it to be true. Regardless of one’s faith (or lack thereof), it’s a text worth reading.
 
And as for the translation, the “English lesson” will only happen with the text written up to this point. Let’s go:
 

domingo, 22 de dezembro de 2024

MONOGLOTA BILINGUE

Não tenho vergonha de dizer que meu cérebro parece estar se liquefazendo, tal a quantidade de brancos que têm ocorrido. Talvez devesse dizer lapsos de memória, mas como estou mesmo tendo apagões no cérebro, minha linguagem tende cada vez mais a ficar coloquial. Palavras chiques, cultas, “gourmet” não eram comuns na casa de gente simples onde fui criado e me eduquei. Foram adquiridas à custa de leituras e mais leituras, mas não se fixaram adequadamente.
 
Outro dia, indo à drogaria comprar um remédio controlado, só vendido com a retenção da receita, descobri que a tinha esquecido em casa. Fiquei puto e comecei a me queixar com a funcionária que me atendia sobre o assédio do Alzheimer que percebo estar sofrendo. Obviamente, tudo dito entre sorrisos e caretas.
 
Um jovem que aguardava para ser atendido comentou sobre a necessidade de aprender coisas novas para reduzir a velocidade do avanço dessa doença. Bastou isso para que o interativo Jotabê provocasse este diálogo:
- Estou pensando em aprender alemão – para falar com o Alzheimer!
- É uma boa ideia, mas não precisa ser alemão, pode ser outra língua.
 
Não sabendo se ele tinha entendido a piada mil vezes recontada, continuei:
- Eu sou monoglota, só sei falar português e gírias antigas
- Ah ah! Então aprenda inglês, é mais útil quando viajar para o exterior.
 
Pensando na situação de indigência financeira em que me encontro, fiquei sem saber se chorava ou ria da sugestão, mas ao ouvir palavras tão técnicas para explicar que aprender coisa novas é fundamental, não resisti e mandei:
- Você é neurologista?
- Não, sou neurocientista.
- Uau! Neurocientista? Pode me dar seu autógrafo?
 
Todos rimos dessa idiotice e a conversa acabou, pois precisava trazer a receita esquecida. Hoje, lembrando-me de mais essa interação com estranhos, cheguei à conclusão que vou tentar aprender inglês tal como fez meu filho. Apenas com o inglês ensinado no colégio onde estudava, começou a ler livros e manuais de jogos de RPG, todos em inglês. E o resultado foi conseguir hoje ser fluente na língua do Elon Musk (péssimo exemplo!).
 
Como eu não curto nenhum tipo de jogo, nem mesmo a mega-sena, vou tentar um método jotabélico para atingir meu objetivo. A partir deste post, todos os textos publicados serão bilíngues para que eu possa reler e tentar entender o que escrevi (mal) na língua do Tiririca. Primeiro com a ajuda do Google Translator ou do ChatGPT, depois sozinho. Talvez consiga, pois ainda tenho seis anos para praticar, antes de perguntar:
- I guess you're Saint Peter, am I right?
 
Preciso fazer um comentário antes da versão em inglês: por ser obsessivo, utilizei o Google Translator e o ChatGPT para traduzir o mesmo texto. Depois, fiz o "caminho de volta", pedindo à IA para traduzir o texto em inglês do Google Translator e ao Google Translator para reconverter a tradução feita pelo ChatGPT. A versão mais próxima do português original foi a do ChatGPT, que deu as seguintes explicações:

- Cada tradutor (seja humano ou máquina) faz escolhas que afetam o tom e a intenção. No meu caso, busquei criar algo fluente e natural no inglês, mas ao fazer isso, nuances específicas podem ser suavizadas ou alteradas. Já o Google Translator tem um foco mais literal, o que pode perder a fluidez ou o tom irônico do texto.
- Traduções feitas por IA ou ferramentas automáticas tendem a ser mais literais, enquanto as feitas por humanos (ou IA com intenção de recriar o estilo) são mais interpretativas. Isso significa que meu foco foi traduzir não só o significado, mas o "espírito" do texto, o que pode levar a escolhas diferentes, como "lottery" no lugar de "mega-sena". É uma faca de dois gumes: preservar o contexto ou o sabor cultural? A escolha nem sempre é óbvia.
- Humor é particularmente desafiador de traduzir porque ele depende de contextos culturais, trocadilhos e referências locais. Algo que soa engraçado em português pode perder totalmente a graça em inglês se traduzido de forma literal ou sem adaptações criativas.
 
Tenho de admitir ter ficado surpreso com a pertinência das observações. Por isso, meu tradutor oficial será sempre a IA ChatGPT (mesmo que algumas sutilezas não sejam adequadamente traduzidas). E agora, a “aula” de inglês:
 
I’m not ashamed to admit that my brain seems to be melting, given the number of blanks I’ve been experiencing. Maybe I should say memory lapses, but since my brain is indeed having blackouts, my language is becoming more and more colloquial. Fancy, sophisticated, “gourmet” words weren’t common in the simple household where I grew up and was educated. They were acquired at the cost of endless reading, but they never quite stuck.
 
The other day, while going to the drugstore to buy a prescription medication, I discovered that I had forgotten the prescription at home. I got pissed and started complaining to the attendant about the harassment from Alzheimer’s that I seem to be suffering from. Of course, all of it was said with smiles and grimaces.
 
A young man waiting to be attended to commented on the need to learn new things to slow the progression of this disease. That was enough for the ever-interactive Jotabê to spark this dialogue:
- I’m thinking about learning German—to speak with Alzheimer!
- That’s a good idea, but it doesn’t have to be German; it can be another language.
 
Not knowing if he had caught the joke, retold a thousand times, I continued:
- I’m monolingual, I only know Portuguese and old slang.
- Ha-ha! Then learn English; it’s more useful when traveling abroad.
 
Considering the state of financial indigence I’m currently in, I didn’t know whether to laugh or cry at the suggestion. But upon hearing such technical terms explaining that learning new things is fundamental, I couldn’t resist and said:
- Are you a neurologist?
- No, I’m a neuroscientist.
- Wow! A neuroscientist? Can I have your autograph?
 
We all laughed at this nonsense, and the conversation ended because I needed to go back home for the forgotten prescription. Today, reflecting on yet another interaction with strangers, I’ve come to the conclusion that I will try to learn English the same way my son did. With only the English taught at his school, he started reading books and RPG game manuals, all in English. The result? He is now fluent in Elon Musk’s language (terrible example!).
 
Since I’m not into any kind of games, not even the lottery, I’ll attempt a "jotabélico" method to achieve my goal. From this post onward, all texts I publish will be bilingual so I can reread them and try to understand what I (poorly) wrote in Tiririca’s language. First, with the help of Google Translator or ChatGPT, and later, on my own. Perhaps I’ll succeed, as I still have six years to practice before asking:
- Imagino que o senhor é São Pedro, acertei?

sábado, 21 de dezembro de 2024

FORÇAS DO MAL!

 

– Já ouviu falar em “Forças do Mal”?

– Qual é nova idiotice?

– Pô, até parece que eu só falo besteira!

– Não enche o saco, mostra logo a pérola mais recente!

– Forças do Mal parece ser uma expressão que pessoas mais religiosas usam muito, não é?

– Isso para mim tem cara é de filme de terror...

– É, pode ser, mas uma coisa eu garanto: as Forças do Mal nunca me atingirão!

– Ah! Lá vem besteira...

– Verdade! Eu só poderei ser atingido pelas Fraquezas do Mal

– Que porra é essa?

– As fraquezas do Mal, do Mal de Alzheimer – perda de memória, etc.

– Puta que pariu! E eu ainda te dou um crédito de confiança! Acho que o demente aqui sou eu!

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

BLACK MONDAY


Agora é oficial! Remexendo papeis antigos, minha mulher encontrou e me entregou uma folha do INSS, perguntando se tinha interesse em guardá-la. Para ser sincero, não tenho, mas vou guardá-la assim mesmo, pois é a “memória de cálculo” do valor inicial de minha aposentadoria pelo INSS.
 
Mas o que realmente importou para mim foi (re)descobrir que nesse documento consta a expectativa de vida utilizada no cálculo, a minha expectativa de vida, de acordo com um órgão público sério e circunspecto.
 
Segundo o INSS, era de 23 anos minha expectativa de vida na data em que o benefício da aposentadoria foi concedido. 23,8 anos, para ser exato. Agora é só fazer conta. Eu fui considerado digno de receber uma régia aposentadoria por tempo de contribuição (após longos, longuíssimos 33 anos, 1 mês e 10 dias) no dia 30/04/2007, quando tinha inocentes 53 aninhos.
 
Feitas as devidas contas, a minha extinção acontecerá em uma segunda-feira, mais precisamente no dia 10/02/2031, quando terei 80 anos, 8 meses e 28 dias. Portanto, se alguém quiser tirar uma casquinha (heterossexual, naturalmente), aproveite, pois esta oferta é por tempo limitado. E é só casquinha mesmo, porque o tronco já foi levado para a serraria há muito tempo. Corre!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

COMO ASSIM?

 
Este texto seria apenas um comentário à mais recente publicação da blogueira Catiaoh, mas o gosto acentuado de vinagre me fez pensar que o blog “Espalhando Amigos” não merece tanta acidez, porque tenho sentimentos ambíguos em relação ao Natal e às festas de fim de ano. Infelizmente.
 
Quando criança essas festas nada me diziam pois eu sempre estava dormindo na virada do ano. Creio também que havia menos foguetório, menos oba-oba, menos alegria. Em casa de gente pobre talvez fosse apenas o que realmente é: uma mudança na forma de anotar o tempo. Imagino que todos se desejavam “Feliz Ano Novo”, mesmo sabendo que o novo ano seria igual ao que chegava ao fim.
 
O Natal era diferente, era o momento em que eu comparava a simplicidade e indigência dos presentes recebidos com a opulência, com a magnificência dos presentes que meus dois primos, as únicas crianças com quem eu podia brincar, ganhavam.
 
O tempo passou, eu cresci e passei a não me importar com essa época, até me casar. Com o nascimento dos filhos o Natal ganhou cores e alegria, pois passamos a comprar para nossas crianças tudo o que meu salário permitia – e eu ganhava bem –, sem me dar conta de que provocava nos sobrinhos os mesmos sentimentos que  eu tinha vivenciado na infância com meus primos ricos.
 
E o Natal passou a ser uma festa ruidosa e divertida. Essa alegria e descontração atingiram também a passagem de ano, momento em que a mesa farta na casa da sogra e o excesso de bebida provocavam constrangedoras declarações de amor feitas pelos parentes embriagados.
 
À medida que os meninos foram crescendo e as ausências aumentando, a animação cheia de exclamações durante a distribuição de presentes foi diminuindo. E as festas de fim de ano reduziram-se a reuniões quase silenciosas em torno de uma mesa ainda tão cheia de opções quanto o cardápio de restaurantes de comida a quilo.
 
O que sinto hoje nessa época é apenas aborrecimento, tristeza, impaciência e irritação, pois sei que nada muda, pois “vejo o futuro repetir o passado”, como cantou Cazuza. E cada vez mais me entristeço com a tragédia, com a privação vivida e sentida pela situação da população de rua, pelos miseráveis, pelos que pouco têm, e por todos os que pouco ganham, confrontados com o restante da população mais abonada. Feliz Natal? Como assim? Feliz ano novo? Como assim, como assim?

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

GUARDAR – ANTONIO CICERO

 
Em muitos dos textos que escrevo, Belo Horizonte – cidade onde nasci e de onde nunca saí – é citada. Por isso, minhas referências sempre surgem desse e nesse pedaço de chão. Mesmo que não consiga decifrar a associação que fiz um dia, minha cidade lembra “O rio da minha aldeia”: interiorana, sem mar, sem o charme das cidades históricas.
 
Não sei dizer se acontece o mesmo nas capitais de outros estados, mas aqui é comum ver gente muito, muito pobre e andrajosa perambulando pelas ruas e remexendo o lixo ainda não coletado em busca de latinhas de alumínio, garrafas pet e todo tipo de material que revendido a preço de banana possa ser reciclado por empresas elegantes e distintas.
 
Às vezes eu me sinto como esses catadores de latinha, sempre pronto, sempre de olho em alguma “latinha literária", digital, para revender, para publicar aqui no blog. Basta às vezes ler um título, uma frase, ouvir um pequeno comentário para que eu corra/recorra à internet tentando encontrar o texto escrito por quem realmente domina a arte de escrever bem e encantar.
 
Isso aconteceu ontem, ao ver de relance um trecho de uma entrevista antiga do Pedro Bial com a cantora Marina Lima e seu irmão, o poeta e acadêmico Antonio Cícero, recentemente falecido. Nos breves minutos em que fiquei em frente ao televisor, ouvi o irmão da Marina declamar seu poema “Guardar”. Nem esperei terminar e já saí à cata dessa latinha preciosa, que transcrevo a seguir.
 
Infelizmente, não sei como o poema foi publicado, quantas estrofes tem e nem como foi pensada a divisão dos versos. Por isso, a formatação é igual à que encontrei. Gostaria de saber escrever assim!
 
 
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista. 
 
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. 
 
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela. 
 
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos. 
 
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

A LUNETA DO BOM SENSO

 
Eu estava em plena adolescência quando minha tia comprou uma porrada de livros de literatura brasileira publicados pela Editora Saraiva, provavelmente de autores do século 19. Era uma coleção simplesinha, impressa em papel de má qualidade, formato brochura, capas flexíveis com ilustrações coloridas. Passou um tempo, mandou encadernar tudo com capa dura (para enfeitar a estante do seu quarto, provavelmente). Não sei quantos comprou e imagino ter lido todos ou quase todos, mas de dois livros eu me lembro bem: os dois volumes d’O Guarani (que achei uma merda) e A Luneta Mágica, cuja história me atraiu pela sátira sobre as trapalhadas que visões radicais provocam e pela necessidade de abandoná-las em favor do bom senso e da moderação
 
É óbvio que eu não pensava nisso de forma clara, mas fui atraído pela história fantasiosa de um sujeito com problemas de visão e que obtém de um estrangeiro misterioso, talvez árabe ou chinês, uma luneta mágica. Uma luneta que levava quem a usasse por algum tempo a ver toda a maldade que as pessoas guardavam dentro de si. O sujeito pira e quebra a luneta. Depois, arrependido, volta ao chinês e pede outra luneta. É orientado novamente sobre seu uso, mas começa ver só a bondade existente. Toma cano, toma chifre, fica puto e quebra a segunda luneta.
 
Já disposto até a cometer suicídio, volta pela terceira vez ao árabe e recebe nova luneta mágica, a luneta do bom senso. Lembro-me de ter achado o livro um pouco meia boca, mas com uma ideia impactante. Desde então, em todas as vezes que leio, vejo ou ouço opiniões e comportamentos apaixonados, esguichando radicalismo, fanatismo e fundamentalismo, sempre me lembro desse livro e da necessidade de uma luneta do bom senso e da moderação.
 
Parece que hoje as pessoas utilizam opiniões radicais para exibir ou transmitir seus medos, suas crenças ou descrenças políticas, ideológicas e religiosas com pouco ou nenhum fundamento. Já se passaram pelo menos uns 60 anos desde quando li esse livro, mas até hoje não inventaram a filha da puta dessa luneta. A única certeza que tenho é que os cupins destruíram essa e mais algumas coleções da minha tia, com os livros – ou o que restou deles – sendo doados como papel velho. Talvez devêssemos fazer o mesmo com nossos medos atávicos.
 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

CONSELHOS PARA A JUVENTUDE

 
Entre as muitas pastas que vou criando no computador uma está se revelando mais útil. E o título já diz tudo: Para Publicar ou Descartar. A partir daí fui tentando jogar nessa pasta todo tipo de arquivo que fui espalhando desorganizadamente nas pastas e subpastas existentes. Hoje, tentando dar uma faxina nessa pasta, encontrei uma lista de conselhos feita por um senhor de oitenta anos. Não sei quem é o autor nem como consegui essa lista, mas achei boa a ideia de publicá-la no blog. Apenas entendi ser necessária uma avaliação prévia da qualidade ou sua aplicabilidade. Por isso, dividi os 40 conselhos (o velhinho é um sábio!) em três categorias, assim identificadas: Esse cara sou eu, Boa ideia! e Gostaria, mas...
A partir de agora, encharque-se com toda essa sabedoria. Bon appétit!
 
Quais são os conselhos que alguém de 80 anos pode me dar?
 
Esse cara sou eu
Nunca ignore uma mão estendida.
Tenha um aperto de mão firme.
Olhe nos olhos das pessoas.
Atenda ao telefone com energia em sua voz
Mostre respeito por todos que trabalham para viver. Não importa o quão simples seja a profissão.
Elogie a refeição quando for hóspede na casa de alguém.
Defenda os menores. Proteja os indefesos
 
Boa ideia!
Se entrar em uma briga, bata primeiro e bata com força.
Guarde segredos.
Empreste apenas os livros que você espera não ver novamente.
Seja corajoso. Mesmo se não for, ao menos finja ser Ninguém consegue perceber a diferença.
Escolha o companheiro da sua vida com cuidado. A partir dessa decisão, virão 80% de toda a sua felicidade ou miséria.
Se a casa do seu vizinho está em chamas, a sua também está em perigo.
Seja um bom vencedor.
Solte-se. Relaxe. Exceto por raros assuntos de vida ou morte, nada é tão grave como parece à primeira vista.
Quando aflito: respire fundo, assovie ou cantarole.
Dê às pessoas uma segunda chance, mas nunca uma terceira.
Cuidado ao queimar pontes. Você ficará surpreso quantas vezes precisará atravessar o mesmo rio.
Seja rápido em reconhecer aqueles que o ajudaram.
Assuma o controle da sua atitude. Não deixe que outra pessoa fale ou faça escolhas por você.
Visite amigos e parentes quando estiverem no hospital, você só precisa ficar alguns minutos.
A maior riqueza é a saúde.
Mantenha um bloco de anotações e um lápis em sua mesa de cabeceira. Ideias que valem milhões de reais normalmente surgem às 3 da manhã.
Vista-se adequadamente.
A menos que ela seja da sua família, sempre cumprimente uma mulher comprometida com um leve aperto de mão.
Não se demore onde você não é bem recebido.
Todo mundo “gosta” de ver você crescer, isso, até você começar a superá-los.
 
Gostaria, mas...
Este módulo merece pelo menos um comentário sobre a última frase: “jamais se esqueça de onde veio, etc.” Nesta altura do campeonato talvez fique cada vez mais difícil seguir este conselho, talvez precise começar a andar com uma plaquinha indicando meu nome e endereço. Eu, heim?
 
Evite fazer observações sarcásticas.
Nunca elogie a si mesmo, se houver elogios, que venham dos outros.
Escute o que as pessoas têm a dizer. Não interrompa, deixe-as falar.
Guarde bem o nome das pessoas.
Não permita que o telefone interrompa momentos importantes. Ele está lá para sua conveniência, não para a de quem liga.
Se a bagunça é sua, limpe você mesmo. Termine o que começou.
Ouça os mais velhos.
Jamais se esqueça de onde veio e lembre-se diariamente aonde quer chegar.

domingo, 15 de dezembro de 2024

TRADUZINDO SENTIMENTOS

 
À falta de coisa melhor para fazer nesta manhã chuvosa de domingo, resolvi testar as habilidades poéticas do ChatGPT, solicitando que fizesse um poema em inglês a partir de um texto em português que lhe apresentaria. O que a IA não sabia é que o texto a ser transformado era o poema de versos livres “Eu envelheço”, convertido para o texto em português. Entendeu? Vai entender agora (percebi ter ouvido um “foda-se com sua experiência!”):
 
Poema original:
Eu envelheço
Não há nada que me possa impedir
Meus olhos embaçam
Meus ouvidos silenciam
 
Meu corpo todo decai
Como um repositor
Que não consegue repor o estoque
De um produto em oferta
 
 
Eu me envelheço
Mais ainda quando tento
Limpar a mente, polir a vida
 
Pois revejo metas inatingidas
Redescubro promessas não cumpridas
E descarto os sonhos abandonados
 
 
Não há pedal ou alavanca de freio,
Barragem, dique ou represa
Que impeça o tempo de avançar.
Nem há blitz para pedir documentos.
 
Estão todos em ordem
Mas muito antigos e gastos
E o plástico que os envolve
Está fosco e quebradiço. 
 
Pedido (educadíssimo!) ao ChatGPT:
Poderia transformar este texto em uma bela e rimada poesia em inglês?
Eu envelheço. Não há nada que me possa impedir. Meus olhos embaçam, meus ouvidos silenciam, meu corpo todo decai como um repositor que não consegue repor o estoque de um produto em oferta.
Eu me envelheço mais ainda quando tento limpar a mente, polir a vida, pois revejo metas inatingidas, redescubro promessas não cumpridas e descarto os sonhos abandonados.
Não há pedal ou alavanca de freio, barragem, dique ou represa que impeça o tempo de avançar. Nem há blitz para pedir documentos. Estão todos em ordem, mas muito antigos e gastos; e o plástico que os envolve está fosco e quebradiço.
 
Poema resultante em inglês:
I grow old, and nothing can turn back the tide,
My eyes grow dim, my hearing starts to hide.
This body crumbles, weary and confined,
A stockman losing time, with shelves unlined.
 
I age myself still more when I begin to clean,
To polish life, to clear the mind unseen.
For goals unattained rise up in view,
And broken promises feel fresh and true.
 
Abandoned dreams, discarded on the way,
Lie still beneath the dust of yesterday.
No brake or lever slows the steady flow,
No dam or dike can halt time’s endless glow.
 
There’s no checkpoint to demand my name,
No documents to question or to blame.
They’re all in order, yet worn thin with age,
Their plastic cracked, their shine now disengaged.
 
 
Por ser monoglota, eu não entendi o que dizia o poema (re)criado. Por isso, pedi ajuda ao Google Translator, essa Pedra de Roseta da era digital. E ele assim traduziu:
Eu envelheço, e nada pode reverter a maré,
Meus olhos escurecem, minha audição começa a se esconder.
Este corpo se desintegra, cansado e confinado,
Um estoquista perdendo tempo, com prateleiras sem forro.
 
Eu envelheço ainda mais quando começo a limpar,
Para polir a vida, para limpar a mente invisível.
Pois objetivos não alcançados surgem à vista,
E promessas quebradas parecem frescas e verdadeiras.
 
Sonhos abandonados, descartados no caminho,
Ficam imóveis sob a poeira de ontem.
Nenhum freio ou alavanca desacelera o fluxo constante,
Nenhuma represa ou dique pode deter o brilho infinito do tempo.
 
Não há posto de controle para exigir meu nome,
 Nenhum documento para questionar ou culpar.
Eles estão todos em ordem, mas desgastados pela idade,
Seu plástico rachado, seu brilho agora desligado.
 
Para finalizar essa brincadeira, pedi ao ChatGPT para fazer um poema partindo do mesmo texto utilizado nos versos em inglês. Ficou bacana. Olhaí:

O Tempo Que Não Cessa
Eu envelheço, nada há que me detenha,
O tempo segue, implacável e sem senha.
Meus olhos turvam, a visão já não se expande,
Meus ouvidos calam, e o silêncio é o que me comande.
 
Meu corpo, aos poucos, desce em declínio lento,
Como prateleira que não aguenta o movimento.
Um repositor sem forças, sem mais destreza,
Lutando contra o estoque e sua correnteza.
 
Eu envelheço mais quando limpo a memória,
E polir a vida é reescrever a mesma história.
Metas perdidas, promessas no vão da estrada,
E sonhos que jazem, poeira abandonada.
 
Não há pedal, nem alavanca, nem um freio,
Que trave o tempo em sua marcha sem rodeio.
Não há barragem que o impeça de avançar,
Nem blitz que me faça parar e comprovar.
 
Os documentos estão aqui, velhos e gastos,
O plástico, quebradiço, se tornou opaco, fosco,
E a vida, essa carteira que o tempo fez rugir,
Me lembra, sem perdão: não há como fugir.
 
Mas, mesmo assim, eu sigo, entre o ontem e o agora,
De peito aberto ao tempo, que a vida não demora.
Se envelheço, que seja como o sol ao se pôr,
Derramando um último brilho, em calor e em cor.
 

sábado, 14 de dezembro de 2024

UM FILÓSOFO ME ENSINOU

Tempos atrás, ouvi um filósofo dizer em uma palestra que a felicidade é um instante de vida que você gostaria de prolongar, de eternizar, de fazer durar para sempre. E que a vida é boa quando você deseja que ela nunca acabe.
 
E chamou atenção para o fato de que somos frequentemente impelidos a desejar que algo termine, que o tempo passe mais rápido. Quem trabalha ou estuda anseia pelo fim da semana, chegada das férias, vivendo sempre no futuro. Assim, sem perceber, a pessoas torcem para a vida passar rápido.
 
E continuou a palestra ensinando, dizendo que a felicidade é o contrário disso. Que a felicidade está presente quando você torce para não acabar, quando você lamenta o final do dia, o final de alguma coisa que está fazendo. E finalizou dizendo que “a vida vale a pena quando você torce para ela não acabar”. Na época, fiquei encantado com essa ideia, mas depois me perguntei o que acontece com quem tem um sentimento oposto a isso. E quando se tem o desejo de que a vida passe rápido?
 
Hoje em dia, frequentemente, meu desejo é que minha vida passe rápido, tal a barra que às vezes encaro. Como agora, ao descobrir que devido ao “equacionamento da dívida bla bla bla” do fundo de previdência ao qual pertenço (um rombo de bilhões provocado nos governos Lula e Dilma), meu décimo terceiro salário deste ano foi reduzido a menos de um décimo do valor esperado, virou um décimo do terceiro salário (apesar da gravidade da situação, não se pode desperdiçar a piada). Esse golpe me destruiu emocionalmente, tornando pior o que já estava ruim, pois uma das coisas que mais me derruba é falta de dinheiro.
 
Minha vontade imediata foi dormir, dormir e nunca mais acordar, pois os sonhos ruins que vêm durante o sono são fichinha perto dos pesadelos reais do dia a dia. E o caos em que tenho vivido me fez tentar registrar em “versos” esses momentos que me têm esmagado. Infelizmente, não tenho a habilidade do Ryk@rdo para extrair deste tempo um daqueles belos poemas que escreve – mesmo que tivesse a beleza trágica da tristeza  e desalento.E o resultado ficou assim:
 
 
Um filósofo me ensinou um dia
Estar a felicidade num instante
Da vida que você gostaria, pediria
Que nunca termine, que dure bastante.
 
Que a vida é boa, ele dizia
Quando se torce para ela não acabar.
Mas, a gente às vezes torce, sem pensar
Para que tudo, até a vida, passe e se vá.
 
E continuou a ensinar
Que a felicidade é disso o oposto.
Que está no instante quando se deseja que
O tempo pare e que nunca se lhe perca o gosto
 
É quando você lamenta o final do dia.
E que a vida vale a pena quando
Tudo parece tão bom e precioso
Que o amanhã nem chegar precisaria.
 
Eu ouvia tudo aquilo mas refletia
E quando se torce para que o dia acabe?
Que ficar acordado hoje é um pesadelo
E que tudo o que se pode desejar
 
É poder dormir, dormir, nunca acordar
Pois um sonho ruim que o sono traz
É muitas vezes melhor, não angustia
Pois a dor do dia a dia não dá paz.

 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

ENGENHEIRAGENS

 
Como só saio de casa quase que apenas para ir ao médico, à farmácia, supermercado ou padaria, fico meio por fora do que está rolando em termos de restaurantes, bares e petisqueiras de BH. Justamente por isso, só hoje fiquei sabendo da existência de um restaurante chamado “Engenheiros”.
 
Essa descoberta só confirma minha tese de que engenheiro faz qualquer merda para sobreviver ou ganhar dinheiro. Gente que desistiu de procurar emprego ou que abandonou a profissão para tornar-se dono de padaria, programador, analista financeiro, músico (“Os engenheiros da HP”), motorista de uber (pois é...) e até um caso clássico, o do engenheiro que ao ser demitido depois de oito anos trabalhando na indústria mecânica abriu uma lanchonete em São Paulo com o nome “O Engenheiro que Virou Suco” (hoje ele é comerciante de automóveis).
 
É importante ressaltar que a mudança para atividades dissociadas de sua formação profissional teve como causas as várias crises econômicas que o país enfrentou, com consequência imediata na quebra de empresas de engenharia e escassez de empregos. Mesmo assim, não deixa de ser curiosa e até engraçada essa mobilidade profissional. 

Por isso, voltando ao restaurante “Engenheiros”, fiquei pensando em algumas sugestões para tornar seu atendimento mais diferenciado e atraente. O pedido do cliente, por exemplo, poderia ser chamado de "projeto"; o garçom poderia ser o "Responsável Técnico". A comanda entregue por ele à cozinha seria chamada de "ART - Anotação de Responsabilidade Técnica". E o fechamento da conta seria obviamente chamado de "Baixa".

Agora, o prato que realmente definisse o lugar, opção ideal para homenagear os engenheiros e o CREA – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, sua entidade de classe, seria um crepe, delicadamente chamado de Creape. Só falta definir os ingredientes. Acho que ficaria bom.

 
Depois desse trocadilho nauseante, uma notícia verdadeira com sabor de piada. Olha esta manchete lida em um portal da internet (grifo meu):
 
Curso de Engenharia Ferroviária da UFSC tem um único inscrito para o vestibular.
 
Desconfio que será mais um a mudar de profissão depois de formado!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

AS FRASES PROVOCATIVAS DE NELSON RODRIGUES - ÚLTIMA PARTE

A maioria das pessoas imagina que o mais importante no diálogo é a palavra. Engano: o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão.

Deve-se ler pouco e reler muito. Há uns poucos livros totais, três ou quatro, que nos salvam ou que nos perdem. É preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. E, no entanto, o leitor se desgasta, se esvai, em milhares de livros mais áridos do que três desertos.

O casamento é o máximo da solidão com a mínima privacidade.

O canalha é sempre um cordial, um ameno, um amorável.

A morte de um velho amigo é uma catástrofe na memória. Todas as nossas relações com o passado ficam alteradas.

Aos 18 anos o homem não sabe nem como se diz bom-dia a uma mulher. Todo homem deveria nascer com 30 anos feitos.

Eu tenho a maior admiração pelo homem fiel. Eu acho que o homem e a mulher deviam ser fiéis. Toda vez que alguém trai alguém, há um choque no universo.

A pior forma de solidão é a companhia de um paulista.

Os idiotas vão acabar dominando o mundo

É possível que um de nós ame alguém. O difícil (não quero dizer impossível) é que esse alguém nos ame de volta.

A mulher pode trair o marido; o amante, jamais!

Nada frustra mais a mulher do que aquela liberdade que ela não pediu, que não quer e que não a realiza.

O homem começa a ser homem depois dos instintos e contra os instintos.

Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica.

Qualquer um de nós já amou errado, já odiou errado.

Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam.

Qualquer amor há de sofrer uma perseguição concreta e assassina. Somos impotentes do sentimento e não perdoamos o amor alheio. Por isso, não deixe ninguém saber que você ama.

O homem só é feliz pelo supérfluo. No comunismo, só se tem o essencial. Que coisa abominável e ridícula!

Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.

A dúvida é autora das insônias mais cruéis.

O homem de bem é um cadáver mal-informado. Não sabe que morreu.

Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar.

Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.

Sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, muito antes da presente encarnação.

O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade...tudo pode passar...só o TRICOLOR não passará jamais.

Nas situações de rotina, um "pó-de-arroz" pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas.

Torcer para o Fluminense é uma maneira de você olhar para o seu vizinho e dizer: "sou melhor que ele".

O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade

Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio.

Como são parecidos os radicais da esquerda e da direita. Dirá alguém que as intenções são dessemelhantes. Não. Mil vezes não. Um canalha é exatamente igual a outro canalha.

Toda coerência é, no mínimo, suspeita.

Criou-se uma situação realmente trágica: — ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.

O amoroso é sincero até quando mente.

Até os canalhas envelhecem.

O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota.

Quem nunca desejou morrer com o ser amado, não conhece o amor, não sabe o que é amar.

Se os homens de bem tivessem a ousadia dos canalhas, o mundo estaria salvo.

Eu me nego a acreditar que um político, mesmo o mais doce político, tenha senso moral.

A vaia é o aplauso dos descontentes.

O brasileiro não tem motivos pessoais ou históricos para a autoestima.

 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

SORRY PERIFERIA

  
Não posso afirmar ser mais velho que todos os leitores que tropeçam neste blog desconjuntado, mas dos blogueiros identificáveis que passam por aqui eu sou. O Ricardo do Marreta do Azarão, por exemplo, é velho pra kawaka, mas pelo menos uns quinze anos mais novo que eu. Mais novos que eu também são a She do blog Escritora Sheila Mendonça, o Eduardo, d’As Crônicas do Edu, o poeta Ryk@rdo do Pensamentos e Devaneios Poéticos e a CatiahoAlc do Espelhando Amigos (mas jamais cometerei a indelicadeza de estimar a idade de cada um). O GRC do Ex Estranho foi aluno do Azarão e o Fabiano do blog Um Brasileiro Gay tem a aparência de meu filho mais velho. A Rô: Meu Diário, então nem se fala, pois tem cara de quem ainda usa fraldas.
 
Por isso, a frase “vocês são bem mais jovens que eu” expressa uma questão semântica complexa (como eu não sei português e o máximo que consigo é escrever em português suburbano, da periferia, tive de consultar o dicionário para saber o que é “semântica” e como usá-la neste texto, para que ele ficasse um pouco mais elegante).
 
E quando eu digo complexa é porque nem tudo é tão simples como aparenta ser. Imagine, por exemplo, um estauricossauro – um dino surgido no Triássico (até parece que eu entendo dessa merda!) dizendo a um tiranossauro (surgido no Jurássico): - “você é bem mais jovem que eu!” Isso para mim não representa nada, pois os dois são velhos pra caralhíssimo. E essa é a questão, pois é difícil generalizar o conceito “você é bem mais jovem que eu”, pois todos são. Se bobear, até o T. Rex também é.
 
A implicação disso é não saber se todos curtirão a relíquia que é o assunto deste post. Explicando melhor, recebi de minha mulher via whatsapp um vídeo supimpíssimo, tão bacana que pensei em encontrá-lo no youtube, só para postar no Blogson. Antes do vídeo, cabe uma pequena reflexão: ao usar a palavra “supimpíssimo”, superlativo de “supimpa”, eu já deixei uma pista sobre minha idade.
 
O tema de hoje é um filme publicitário de 1958 do achocolatado Toddy (quando eu estava ainda com mimosos oito aninhos). Fiquei tão encantado que não resisti à tentação de exibi-lo no Blogson – um blog sempre pronto a ensinar um pouco de história recente a essa juventude transviada.
 
E aqui voltamos ao choque de gerações (na verdade, a ignorância dos velhinhos sobre o que está rolando hoje no meio da meninada e, simetricamente, o desconhecimento dos mais jovens do que foi notícia em passado recente), pois o filme exibe vários atores e atrizes apregoando as qualidades do néctar dos deuses, a bebida preparada com toddy (uma colher de sopa para 300 ml de leite. Gelado, por favor).
 
Alguns rostos me pareceram familiares, mas apenas um se destacou: o da esfuziante Norma Bengell. La Bengell foi sucessivamente corista de teatro de revistas (corista era sinônimo de gostosíssima), atriz elogiada de cinema e teatro, cantora (muito boa), diretora, produtora, o escambau. Mas naquele filme era apenas uma jovem então com 23 anos e a quatro de protagonizar o primeiro nu frontal em um filme brasileiro (Os Cafajestes). Não preciso dizer o que essa informação provocou em minha mente adolescente, não é?
 
Você consegue imaginar um filme assim com outra marca de achocolatado? Como diria Ibrahim Sued, o mais influente e paparicado colunista social daquela época, Sorry, periferia. E ademã, que eu vou em frente. De leve.
 
Então é isso (falei tanto que quase me esquecia de publicar o link. Sorry, periferia!). Olhaí.



ESTRELA DE BELÉM, ESTRELA DE BELÉM!

  Na música “Ouro de Tolo” o Raul Seixas cantou estes versos: “Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado. Macaco, praia, ...