domingo, 8 de dezembro de 2024

AS FRASES PROVOCATIVAS DE NELSON RODRIGUES - SEGUNDA PARTE

 

Sou a maior velhice da América Latina. Já me confessei uma múmia, com todos os achaques das múmias.

Toda oração é linda. Duas mãos postas são sempre tocantes, ainda que rezem pelo vampiro de Dusseldorf.

O grande acontecimento do século foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota

Na vida, o importante é fracassar.

A Europa é uma burrice aparelhada de museus.

Hoje, a reportagem de polícia está mais árida do que uma paisagem lunar. O repórter mente pouco, mente cada vez menos.

Daqui a duzentos anos, os historiadores vão chamar este final de século de a mais cínica das épocas. O cinismo escorre por toda parte, como a água das paredes infiltradas.

Sexo é para operário.

Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos.

As grandes convivências estão a um milímetro do tédio.

Todo tímido é candidato a um crime sexual.

Todas as vaias são boas, inclusive as más.

O presidente que deixa o poder passa a ser, automaticamente, um chato.

Não gosto de minha voz. Eu a tenho sob protesto. Há, entre mim e minha voz, uma incompatibilidade irreversível.

Sou um suburbano. Acho que a vida é mais profunda depois da praça Saenz Peña. O único lugar onde ainda há o suicídio por amor, onde ainda se morre e se mata por amor, é na Zona Norte.

O adulto não existe. O homem é um menino perene.

Não vou para o inferno, mas não tenho asas.

O óbvio também é filho de Deus.

Na mulher interessante, a beleza é secundária, irrelevante e, mesmo, indesejável. A beleza interessa nos primeiros quinze dias; e morre, em seguida, num insuportável tédio visual. Era preciso que alguém fosse, de mulher em mulher, anunciando: - Ser bonita não interessa. Seja interessante!

O ser humano é cego para os próprios defeitos. Jamais um vilão do cinema mudo proclamou-se vilão. Nem o idiota se diz idiota. Os defeitos existem dentro de nós, ativos e militantes, mas inconfessos. Nunca vi um sujeito vir à boca de cena e anunciar, de testa erguida: - Senhoras e senhores, eu sou um canalha.

Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.

Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos.

Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.

Dinheiro compra tudo. Até amor verdadeiro.

Só não estamos de quatro, urrando no bosque, porque o sentimento de culpa nos salva.

No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte.

A morte de um velho amigo é uma catástrofe na memória. Todas nossas relações com o passado ficam alteradas.

Deus só frequenta as igrejas vazias.

Copacabana vive, por semana, sete domingos.

Não ama seu marido? Pois ame alguém, e já. Não perca tempo, minha senhora!

A fome é mansa e casta. Quem não come não ama, nem odeia.

Todo ginecologista devia ser casto. O ginecologista devia andar de batina, sandálias e coroinha na cabeça. Como um são Francisco de Assis, com a luva de borracha e um passarinho em cada ombro.

A verdadeira grã-fina tem a aridez de três desertos.

No passado, a notícia e o fato eram simultâneos. O atropelado acabava de estrebuchar na página do jornal.

Não reparem que eu misture os tratamentos de tu e você. Não acredito em brasileiro sem erro de concordância.

Nossa ficção é cega para o cio nacional. Por exemplo: não há, na obra do Guimarães Rosa, uma só curra.

Os magros só deviam amar vestidos, e nunca no claro.

O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: - dez anos para não curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses

Não há ninguém mais vago, mais irrelevante, mais contínuo do que o ex-ministro.

Nunca a mulher foi menos amada do que em nossos dias.

O Natal já foi festa, já foi um profundo gesto de amor. Hoje, o Natal é um orçamento.

Enquanto um sábio negro não puder ser nosso embaixador em Paris, nós seremos o pré-Brasil.

Se eu tivesse que dar um conselho, diria aos mais jovens: - não façam literatice. O brasileiro é fascinado pelo chocalho da palavra.

Qualquer menino parece, hoje, um experimentado e perverso anão de 47 anos.

Desconfio muito dos veementes. Via de regra, o sujeito que esbraveja está a um milímetro do erro e da obtusidade.

7 comentários:

  1. Acho que você poderá gostar do blog desse cara, dá uma olhada nessa história:https://amansim.blogspot.com/2024/12/xv-interacao-de-natal-entre-blogues.html?sc=1733670439645&m=1#c8746482905997248739

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    1. Rapaz, achei sensacionais algumas ideias do texto, boas mesmo. Só achei desnecessário nome do imperador, pois inseriu a política em um texto meio delirante e muito bom. Talvez, sem se dar conta disso, datou um texto que tinha tudo para ser atemporal.

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    2. Acho que não será um texto datado, apenas perderá esse ponto de graça daqui a um tempo. Aliás, o próprio Cristo é datado, demorará ainda alguns milhares de anos, se a espécie humana ainda durar tanto.

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    3. Tem razão! Muitas vezes o melhor humor, o mais engraçado está vinculado a um personagem, a uma época. Eu percebi isso com nitidez quando comecei a selecionar textos para os livros de humor (já imagino você falando "- lá vem ele de novo com esse assunto!"). E o que percebi foi que ótimos trocadilhos e piadas infelizmente estavam vinculadas, tinham sido criadas a partir de personagens ou cenários agora totalmente irrelevantes e até sem sentido (as piadas com o Temer, por exemplo). Mudando de assunto: já começou a selecionar sem pressa e sem pressão material para o(s) próximo(s) e-book(s)?

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  2. Tentei escolher a melhor frase mas é impossível.....todas são igualmente boas.

    O André Mansim é meu chapa blogueiro há anos( dos tempos dos meus finados primeiros blogues), gente muito boa, excelente escritor, tem dois livros publicados, inclusive estou lendo o mais recente (junto com vários outros, inclusive os seus).

    Sugiro que siga seu blogue e tenho certeza que ele também gostará de ler você. Ah, ele também é chargista

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