quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

GUARDAR – ANTONIO CICERO

 
Em muitos dos textos que escrevo, Belo Horizonte – cidade onde nasci e de onde nunca saí – é citada. Por isso, minhas referências sempre surgem desse e nesse pedaço de chão. Mesmo que não consiga decifrar a associação que fiz um dia, minha cidade lembra “O rio da minha aldeia”: interiorana, sem mar, sem o charme das cidades históricas.
 
Não sei dizer se acontece o mesmo nas capitais de outros estados, mas aqui é comum ver gente muito, muito pobre e andrajosa perambulando pelas ruas e remexendo o lixo ainda não coletado em busca de latinhas de alumínio, garrafas pet e todo tipo de material que revendido a preço de banana possa ser reciclado por empresas elegantes e distintas.
 
Às vezes eu me sinto como esses catadores de latinha, sempre pronto, sempre de olho em alguma “latinha literária", digital, para revender, para publicar aqui no blog. Basta às vezes ler um título, uma frase, ouvir um pequeno comentário para que eu corra/recorra à internet tentando encontrar o texto escrito por quem realmente domina a arte de escrever bem e encantar.
 
Isso aconteceu ontem, ao ver de relance um trecho de uma entrevista antiga do Pedro Bial com a cantora Marina Lima e seu irmão, o poeta e acadêmico Antonio Cícero, recentemente falecido. Nos breves minutos em que fiquei em frente ao televisor, ouvi o irmão da Marina declamar seu poema “Guardar”. Nem esperei terminar e já saí à cata dessa latinha preciosa, que transcrevo a seguir.
 
Infelizmente, não sei como o poema foi publicado, quantas estrofes tem e nem como foi pensada a divisão dos versos. Por isso, a formatação é igual à que encontrei. Gostaria de saber escrever assim!
 
 
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista. 
 
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. 
 
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela. 
 
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que um pássaro sem voos. 
 
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

4 comentários:

  1. Ei Jotabê,
    Devia deixar seu comentário
    lá no Espelhando
    Pois toda ConVersa entre
    Amigos, deve ter espaço
    para os prós e os contras.
    Ainda não vim ler
    suas postagens, estou
    atrasada, faltam
    muitas a serem lidas
    e não gosto de perder
    nenhuma, confesso .
    Mas virei ainda
    está semana.
    Abraço, em Vc e na sua Família.
    CatiahôAlc.

    ResponderExcluir
  2. Se realmente deseja isso, deixarei, mas é longo e depressivo. No Blogson será publicado à meia noite de hoje.

    ResponderExcluir
  3. Não conhecia o autor mas o poema é ótimo!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Antonio Cícero é o letrista inspirado de músicas compostas por sua irmã Marina Lima. Foi assim que eu tomei conhecimento dele. Depois, li na antesala de um médico que iria consultar um de seus poemas no jornal O Globo, que me fez até salivar de vontade de publicá-lo no blog. Infelizmente o jornal não era meu e eu nunca mais consegui descobrir o poema. Só sei que era sofisticadíssimo, surpreendente e com um raciocínio, uma lógica tal como este poema Curar, mas mais anabolizado. Mas só conheço dele o que encontro na internet, pois não compro mais livros (grana). Ele era “imortal” da ABL.

      Excluir

BONECÃO DO POSTO

  Nunca soube e agora sei menos ainda falar bonitezas como sabe fazer o titular do blog A Marreta do Azarão. O problema é que ele assestou s...