domingo, 19 de junho de 2022

AS ILUSÕES PERDIDAS

Recentemente, pentelhando as manchetes do site da VEJA, li uma reportagem sobre o lançamento do filme francês “Illusions Perdues”, baseado em um livro de mesmo título, escrito por Honoré de Balzac. Apesar de não ter lido o livro nem ter a intenção de ver o filme, fiquei com o nome na cabeça, material suficiente para meus neurônios remanescentes se divertirem.
 
Nada mais natural que as pessoas ao longo de suas vidas alimentem ilusões, esperanças e crenças. Até mesmo o Gil, quando cantou em sua lindíssima música “Super Homem” que “Um dia, vivi a ilusão de que ser homem bastaria”. Pois é... O problema é quando você passa a vida acreditando em quimeras ou fazendo apostas erradas.
 
Conheço um sujeito tão idiota, tão ingenuamente sonhador que já protagonizou um caso pra lá de bizarro. Mesmo que seu perfil de Facebook indique que está há anos “em um relacionamento sério” com sua namorada, tem o péssimo hábito de se imaginar muito esperto, mas o máximo que conquistou foi “comprar capim pegando fogo ou lote na Lua”. No dia a dia, tudo que consegue é ser desprezível (e desprezado), reprovável, aético e amoral, características que puderam ser comprovadas quando se envolveu em um relacionamento pela internet com uma mulher aparentemente tão aética e amoral como ele. Ou tremenda gozadora, sempre disposta a tirar sarro de alguém.
 
E meu conhecido embaraçou-se em suas redes quando ela prometeu dar a ele um carro de presente (sem nunca terem tido qualquer contato físico!). Melhor dizendo, o imbecil acreditou nessa nota de três reais! A namorada ficou sabendo, aparentemente assimilou o corno virtual e ele até hoje deve estar esperando seu carro.
 
Talvez eu tenha detalhado esse caso por ser geneticamente tão ingênuo quanto ele. O que nos diferencia é o fato de eu não ser nem aético nem amoral. Afora isso, somos dois idiotas, dois jumentos (sem os atributos mais divulgados dessa alimária). Em outras palavras, somos duas bestas quadradas incorrigíveis. Como não sou psicólogo, não devo (nem quero) traçar seu perfil emocional (mesmo que talvez consiga fazer uma análise isenta); por isso, prefiro malhar a mim mesmo, o rei das ilusões perdidas. Se não, vejamos:
 
Na infância, acreditei no mito irresponsável e piedosamente propagado por meu pai sobre minha beleza (que eu não possuía!). Na adolescência e idade adulta alimentei a crença sobre minha "brilhante" inteligência e criatividade. Já perto da aposentadoria tive a ilusão de ser um escritor bastante razoável (deu para perceber que humildade nunca foi o meu forte, não é?).
 
E agora, já devidamente atropelado por meus setenta e dois anos ("e o pior é que ninguém anotou a placa", como diz uma piada antiga), meu devaneio, minha fantasia é comportar-me com estranhos como se fosse “o” simpático, ou melhor, o idoso simpaticão que fala pelos cotovelos, sempre pronto a puxar papo com desconhecidos (preferencialmente jovens).
 
Nesses momentos, geralmente em filas de qualquer natureza, já começo a avaliar com “olhar de rapina” (como na letra de "Rua Ramalhete”) quem está à minha frente, logo atrás ou no caixa. Aí começo uma lenga-lenga sobre demora, exibo minha velhitude e – sacrilégio dos sacrilégios! - peço pra que a “presa” avalie minha idade. Como ninguém tem mesmo noção de porra nenhuma ou está a fim de gozar com minha cara, a avaliação que recebo é de que pareço mais moço que a idade confessada e que estou muito bem, o que me deixa todo alegrinho. Mas, em casa, o espelho me enquadra e me dou conta de que estou me enganando e servindo de chacota para desconhecidos (que devem falar coisas assim: “velho chato bagarai!”).
 
Pior é quando o hábito do psitacismo tardio, esse falar pelo rabo da terceira idade causa constrangimentos em mim ou em que me ouve. Como neste caso, por exemplo. Ontem, um casal que eu não conhecia veio a uma festa em nossa casa e eu, o simpaticão de carteirinha, para ser gentil, sentei-me um pouco ao lado deles. Conversa vai, conversa vem, o homem comentou ser fascinado pelo Egito Antigo, o que me surpreendeu e entusiasmou.
 
Comentei que também sinto o mesmo fascínio, mas disse de forma bastante enfática que jamais iria ao Egito ou a qualquer outro país de cultura não ocidental, por não me identificar nem um pouco com seus costumes, crenças, religiões, etnias ou comportamento predominante, que minhas raízes (as principais, pelo menos) estão fincadas na Europa Ocidental, bla bla bla.
 
E ainda fiz uma lista dos países que gostaria de conhecer se tivesse grana para isso (onde incluí Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia). Nada de Ásia, África, América Hispânica Oriente Médio ou Leste Europeu. Resumindo, falei mais que papagaio de puta, mais do que devia ou o bom senso recomendaria. Ele deu um sorrisinho meio sem graça e disse que seu avô veio do Líbano.
 
Catso! Pego de surpresa, tive de recorrer ao “modo automático de comportamento”, usado quando não presto atenção ao que alguém está falando (nessas ocasiões, pelas pausas ou entonação da voz de quem fala, meneio a cabeça lateralmente, o olho meio arregalado, em sinal de dúvida ou perplexidade. E foi isso que fiz - mesmo tendo ouvido o que disse o convidado). Apenas completei a encenação com um enigmático e sorridente "hã-hã" e pedi licença para pegar cerveja para alguém. Nessas horas eu vejo que sou mesmo uma anta, tão idiota que também mereceria ganhar um carro de alguém que desconheço. Foda!
 

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