Ultimamente tenho ficado muito incomodado com
pensamentos, atitudes e comportamentos tornados públicos através dos meios de
comunicação. E o pior é ter a sensação de que é a religião que está na origem
do que me causa tanta estranheza e irritação. Melhor dizendo, não as religiões
em si, mas sua deformação, o preconceito e as ideias impregnadas de uma religiosidade
deturpada, mal interpretada.
Esses
comportamentos e atitudes são tão cretinos, tão asquerosos, tão moralistas e
tão preconceituosos que me fizeram imaginar uma palavra para definir esse
”desvio de conduta”: “Religiosismo”, uma palavra que imaginava poder estar no
dicionário do Aurélio, mas que não encontrei. Mesmo que possa ser um
neologismo, é depreciativa e diferente de religiosidade.
(Parêntese:
tempos atrás eu tinha boa fluidez para expressar o que estava sentindo. Hoje,
parece que os pensamentos trombam uns com os outros e até desaparecem. Mesmo
assim, tentarei expor de forma clara minha visão sobre notícias recentes com
exibições explícitas de “religiosismo” sem utilizar demais os comandos “CTR X”
e “CTR V” neste texto).
E o motivo de ter pensado nessa palavra foram
as recentes notícias sobre os estupros de uma criança de onze anos e de uma jovem de 21
anos, suas consequências e as reações de pessoas envolvidas nessas ocorrências,
fazendo-me crer que há uma espécie de “religiosismo” perpassando os dois casos
e, provavelmente, tantos outros acontecidos no Brasil. Segundo a Globo News,
35.000 crianças até 13 anos de idade foram vítimas de estupro só no ano de
2021.
O que têm essas notícias em comum – além de
duas gravidezes provocadas por estupro – é a exibição do mais repulsivo
moralismo e preconceito exibidos pelos profissionais que deveriam estar ao lado
de quem foi estuprada. Mas não, comportaram-se como se estivessem pensando na “dignidade
humana” do feto de cinco meses (que foi felizmente abortado) e da criancinha que foi dada para
adoção pela mãe de 21 anos.
Esse negócio de “dignidade humana”
relacionado a conceitos e interpretações religiosas equivocadas não existe!
Pelo menos, não para mim. Ainda há quem creia que o homem foi feito à imagem e
semelhança de Deus (daí a tal dignidade e sacralidade do corpo humano). Por
mim, poderia até ser verdade (mesmo que não creia nisso). O problema é dar um jeito de incluir nessa "imagem e semelhança" nossos primos, os também humanos Neandertais e Denisovanos.
Ou explicar a falta de “dignidade” dos chimpanzés e bonobos, que, afinal de
contas, compartilham mais de 98% de seu DNA com os Sapiens (nós mesmos). Sem falar na dignidade do sexo feminino (ah,
tá bom, esse não conta, pois foi criado a partir da costela de Adão...).
Tenho a sensação de que essa ideia (que
parece estar na gênese do pensamento moralista) é que levou uma “juíza” empenhada
em não deixar a gravidez de uma criança de 11 anos ser interrompida a fazer
chantagem emocional e formular perguntas sinuosas, “serpenteantes” e melífluas a
uma criança estuprada e grávida aos onze anos:
– Qual
é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?
– Você
tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o
nome do bebê?
– Você
acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção? (referindo-se ao
estuprador!).
A filhadaputa não teve o bom senso e
generosidade de pensar no que o apresentador Luciano Huck disse sobre esse episódio:
–
Criança não é mãe!
Os mesmos “princípios” abjetos, canalhas, devem
ter levado um médico que examinou uma jovem de 21 anos, atriz - mais uma vítima
de estupro -, a dizer que ela era responsável por 50% do DNA da criança que nasceria poucos dias depois (grande novidade!) e que “seria
obrigada a amá-lo”, enquanto a fazia ouvir o coraçãozinho batendo. E tudo
porque a jovem estava decidida a entregar para adoção um filho gerado em
consequência de um estupro!
Para fechar este texto só transcrevendo o
diálogo entre a “juíza” e a mãe da criança de onze anos:
- Hoje,
há tecnologia para salvar o bebê. E a gente tem 30 mil casais que querem o
bebê, que aceitam o bebê. Essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua
filha é a felicidade de um casal.
Aí, tomou uma tijolada da mãe, que disse aos
prantos:
- É uma
felicidade, porque não estão passando o que eu estou!
Depois do vazamento da gravação dessa
conversa, a Justiça (a verdadeira) determinou que o aborto legal fosse
realizado. Ainda bem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário