sexta-feira, 1 de abril de 2016

OS FILHOS DE FRANCISCO (E JULIETA) - 02

Para quem curte, mais um post da série "memórias de família". Os textos em itálico referem-se a casos lembrados  e escritos por minha irmã, a meu pedido. Bora lá.



Tio Nem (Manoel) nasceu em 02/07/1926. Convivi pouco com ele, pois viajava muito, sempre para os lados de Pirapora, Curvelo e Várzea da Palma – esses eram os nomes que ouvia. Trabalhava como representante de laboratório farmacêutico. Embora todos os tios fossem bem mais expansivos que os irmãos de meu pai, tio Nem (a pronúncia familiar é "Néim") se destacava pelo jeito amolecado (pelo menos é assim que eu o via). Com um sorriso meio irônico e olhar maroto, ele e o Mon sempre foram os mais alegres e brincalhões da família.

Minha mãe contava muitos casos sobre ele, dizendo que era muito levado ("danado") desde pequeno. Uma vez, minha avó sentiu falta dele, que deveria ter uns dois anos de idade. Depois de muito procurar, encontrou meu tio no cocho de melado, sem roupa e todo lambuzado. Segundo ele, essa seria a explicação “das moças gostarem tanto dele - ele ficou doce”

Quando criança, mamãe contava que ele brigava até com a sombra. Ele pegava uma varinha e batia na sombra pra ela ficar parada. Venhamos e convenhamos, isso não é coisa de gente brava, mas de gente retardada.

Como brigava muito com os irmãos e irmãs, meu avô colocava todo mundo de castigo, um encostadinho no outro. Tio Ném se aproveitava para beliscar a perna dos que estivessem do lado dele. Lembrando esses casos, minha mãe acrescentava -"Ô Nem que era impossível"!

Parece que sempre gostou de bichos e chegou a levar para casa alguns bem estranhos – uma cobra, um porco-espinho – o que deixava sua mãe e as irmãs apavoradas. Esses casos foram enviados por minha irmã. Lendo-os, lembrei-me da tal cobra, que chegou dentro de uma caixa de madeira, se não me engano. E o conjunto caixa-cobra tinha um cheiro enjoativo, o mesmo que se sente na área de animais do Mercado Central de BH.

Já adulto, sem a menor cerimônia, pegava escondido as roupas (ternos e tudo o mais), calçava os sapatos super engraxados do tio Cici e ia para os bailes nas gafieiras. Quando o irmão ia vestir as roupas, elas estavam naquele estado deplorável. Mamãe dizia que tio Cici quase tinha um ataque, porque os ternos eram de linho branco e ele mesmo fazia questão de passar. Papai contava que os sapatos pareciam até de verniz de tanto que brilhavam. Tio Nem saía todo perfumado, fazia o maior sucesso com as barangas, voltava ainda mais “cheiroso” e simplesmente voltava com as roupas pro lugar.

Mamãe contava que ele vivia colocando minha avó em apuros, porque volta e meia levava uma namorada diferente para apresentar ("cada qual mais feia que a outra"). Nas palavras de minha irmã, “tinha uma tal de Lota e uma que eu adorava o nome – Bartolozita), a maioria do norte de Minas. Até hoje, quando eu pergunto pra ele ‘tio, a Bartolozita era bonita?’, ele responde com aquela cara dele: - ‘feia demais!’. Ele continua uma peça”.

Depois dessa "intensa vida afetivo-social", Tio Nem casou-se com Helena, uma moça gente finíssima e dona de um riso muito alegre; é a mesma que vovó, no início de sua demência, tentou expulsar, batendo com a vassoura no muro que separava a casa principal da edícula (ou barracão) ocupada por Tio Nem e esposa. Pensando bem, isso até que funcionou, pois logo se mudaram para outro lugar.

Tiveram quatro filhos – Aidezinha, Sandra, Junior e Ione. Aqui cabe um parêntese: o nome correto da filha mais velha é Haidée, em homenagem à avó materna. Pensando bem, até que é um nome bem bacana (falo sério!). Dureza é quando os pais batizam seus pimpolhos com nomes como “Alciedes”, “Helenete”, “Bekenbaer” ou “Cleuzimery” (falou o Botelho Pinto!).

A nota triste é que seu filho Junior morreu com 36 anos, de insuficiência respiratória, se não me engano. Ele sofria de asma (assim como minha avó e tio Cici) e usava um medicamento em spray conhecido popularmente como “bombinha”. Parece que o uso continuado desse aparelhinho leva (ou levava) à morte muitos asmáticos que dele necessitam. O fato é que essa é uma dor indizível para os pais.

Apesar dessa perda absoluta, meu tio conseguiu manter o espírito brincalhão e jovial. Alguns anos atrás, foi a um médico acompanhado por sua filha Ione (que nos contou o caso). No final da consulta, pediu para falar reservadamente com a médica que o atendeu. Só que a médica entregou a conversa "reservada" para sua filha. Com quase oitenta anos, queria uma receita para comprar Viagra!

Hoje, prestes a fazer noventa anos e com uma surdez muito acentuada, Tio Nem luta contra um câncer de próstata. Há tempos não o vejo, mas imagino que continua brincalhão como sempre e torcendo para o América mineiro.



2 comentários:

  1. Bem legal JB, pra variar a sua série Memória continua espetacular. O tio Nem parece ser gente boa dimaisss, saúde pra ele.
    "J"

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