quarta-feira, 28 de abril de 2021

O BOM SELVAGEM

Tive por colega um sujeito muito bem-humorado e que dizia ótimas frases. Não sei se eram de sua autoria, mas sempre me divertia ao ouvi-las. Uma delas é essa:
- “Se até o Jean Jacques Rousseau, por que eu também não posso 'roussar'?”

O que essa maluquice tem a ver com este post? Nada, em princípio. Porque o "Jacquinho" só veio com uma conversa mole de “bom selvagem”, de que "o homem nasce bom e é a sociedade que o corrompe, piora".  Pode até ser, sei lá, mas meu negócio não é teoria, é prática.

Porque eu tive a sorte de ser pai e literalmente ver nascer o verdadeiro “bom selvagem”, um filho que nasceu para por desordem na minha cabeça, uma desordem maravilhosa, porque ele, ou melhor, você é intrinsecamente bom e generoso. Mas selvagem, desde pequeno, o que sempre me deixou surpreso.

Apesar de seu temperamento de gato-do-mato ou diabo-da-tasmânia (o do desenho do Pernalonga, bem entendido), você é uma unanimidade entre todos os que te conhecem dentro e fora da família, pois não há ninguém que não goste de você e/ou seja seu fã. E talvez seja porque, além de outras qualidades incríveis, você possui uma inteligência emocional de gênio (pois iguais a você só conheci duas pessoas).

Curiosamente, os três têm (ou tinham, pois um já morreu) as mesmas características: nada em vocês é artificial ou forçado; sempre simpáticos, bem-humorados, sempre com um sorriso fácil e cativante, a voz nem muito alta nem muito baixa, e um carisma (ou elã) filho da puta! Outra semelhança é a determinação e a integridade de comportamento. Você, assim como os outros dois que citei, não alisa, não adula, não finge. Só seduz.

Talvez seja esse seu segredo: quem gosta de você sabe que não está vendo um personagem ou máscara para enganar ninguém. Você é severo e alegre, bravo e bem-humorado, crítico e divertido, impaciente e amoroso. E quem te conhece sabe que isso tudo é você mesmo, não um ator representando.

Mas é um selvagem. Pelo menos, na infância. Os casos de selvageria explícita de quando era criança já pertencem ao anedotário da família. E são vários (foto 3 x 4, carteira de identidade, permanência na sala de aula do jardim de infância, etc.). Como na vez em que foi levado a um salão infantil para cortar cabelo junto com seus irmãos. Eu sei que você já me ouviu contar esse caso inúmeras vezes, mas eu nunca me canso de recontá-lo.

Seu cabelo estava enorme, pois nunca tinha sido cortado, se não engano.  Creio que tinha uns dois anos. Estrategicamente, deixamos você por último, pois já estava dando sinais de querer explodir o mundo. Tentamos fazer você ficar quieto na cadeira em forma de carrinho, mas em vão. Para resolver o impasse, o barbeiro disse que eu podia ficar com você no colo e aproximou-se com um pente na mão e a tesoura na outra, dizendo qualquer coisa como “menino bonitinho”. Você não estava chorando, só dizia que não queria e estava com cara de quem iria comer o fígado do sujeito.

Quando ele esticou o braço com o pente para pentear (lógico, né?) seu cabelo, levou um tapa na mão que fez o pente sair voando, exatamente como no filme "2001 - Uma Odisséia no Espaço",  na parte em que o hominídeo lança o osso para o alto e a cena corta para um monólito negro girando no espaço. O pente era o monólito. Essa é apenas uma de suas muitas selvagerias que nos fazem rir sempre que as lembramos. E é óbvio que você não cortou o cabelo naquele dia.

Mas há uma coisa que sempre me faz um bem enorme lembrar. Você devia ter uns dez ou onze anos quando começou a me abraçar sem nenhum motivo aparente. Você passava os braços pela minha cintura (ou parte dela), ficava segurando e dizia com o melhor sorriso: –“Colou!”

Eu adorava quando você fazia isso – e você fazia sempre. Depois, você cresceu e perdeu esse costume. Mas, como me deixou mal acostumado, às vezes eu gosto de te abraçar de surpresa, fico te prendendo no abraço e digo –“Colou!”. E você ri, discretamente constrangido.

Hoje você é o único dos verdadeiros "fab four" que ainda mora conosco, o que é motivo de grande felicidade para nós, seus pais, pois você continua sendo uma maravilhosa companhia, seja quando vamos nadar na academia ou quando sugere que almocemos em algum restaurante super incrementado que você descobre não sei como. Sei lá, creio que você nos hidrata com sua juventude, bom humor e criatividade.

E, mesmo não sendo aquele personagem da propaganda que "mima demais" o cliente, você faz exatamente isso conosco, pois resolve de repente encarar um fogão e fazer receitas incríveis para gordo nenhum botar defeito, pois você manda super bem na cozinha. Às vezes, só de sacanagem (porque eu acho que é sacanagem), avisa:
- "Pode comer à vontade, pois é diet". 
Esse aviso, no meu caso, é mais ou menos como amarrar cachorro com linguiça. E eu fico tentando achar pelo menos duas jacas, pois uma só não comporta dois pés.

Eu sei também que em algum momento você cuidará de criar uma família com sua amada. E ficaremos super felizes pois amamos muito a Claudinha, nossa filha do coração, e isso faz parte da vida. Mas não se assuste se, algum dia, já casado, ao abrir a porta de entrada de sua casa pela manhã, me encontrar deitado ou sentado no chão. Você se assustará e eu deixarei que você se aproxime. Quando chegar bem perto, agarrarei sua perna e apenas direi: “Colou!

Beijos de um pai que te ama muito. Parabéns!

(28/04/2016)

3 comentários:

ANIME-SE, JOTABÊ!

  Fiquei muito feliz depois de publicar o primeiro e-book com 60 poesias escritas ao longo de 10 anos de blog, pois tinha passado de bloguei...