sexta-feira, 8 de abril de 2016

OS FILHOS DE FRANCISCO (E JULIETA) - 03

Tio Tôto (Walter) nasceu em 28/05/1928. De todos, é o tio mais arredio, mais isolado. Creio que foi o primeiro dos homens a se casar. Aliás, foi ele que inaugurou a prática de, recém-casado, morar no barracão de três cômodos construído na lateral direita da casa de minha avó.

Não sei de nenhum caso de sua infância ou adolescência, exceto o fato de ter recebido de seu irmão Omir o apelido de "Lemão" (Alemão), pois tinha o cabelo alourado quando criança. Para mim, que sempre o vi de cabelo muito preto e muito liso, isso é uma coisa difícil de imaginar. Casou-se com a Déia, filha de português (Sr. Dâmaso) com espanhola. Tiveram três filhos: Ronaldo José, Sérgio José e Vânia. 

Meus primos - embora sempre sorridentes - eram tímidos e meio introvertidos. Por eu ser pelo menos seis anos mais velho que eles, acabamos nos relacionando de forma mais "protocolar", ainda que afetuosamente. E só os vejo em algum velório de parente. Creio que a última vez em que me encontrei com um deles foi no enterro de minha mãe, em 2009 (afinal, é para isso - rever parentes - que também servem os enterros!). 

A Déia era super gente boa, sempre sorridente e bem humorada. Pelo menos na aparência. Fico pensando que as visitas super-rápidas que tio Tôto e ela faziam aos meus avós podem ter sido assim por influência, determinação ou pedido dela. Eu era bem novo, mas logo percebi a existência de um padrão familiar: para minha avó e suas filhas todos os genros eram “muito bons”, “ótimas pessoas” e coisa e tal. Já as noras... 

Creio que a Déia deve ter sacado logo esse estilo ou foi alvo de algum comentário meio torto. Não sei. Como era muito afável, talvez nunca tenha dito nada, mas deve ter pensado algo assim:
- Quanto menos tempo ficar nesse ninho de cobra, melhor.

Segundo tia Aidê, ela “tinha um gênio dificílimo, principalmente no início do casamento, e era extremamente ciumenta e possessiva”. Teria chegado a fazer “algumas grosserias” com Dona Leta (minha avó). Nesse caso, lembrando-me de minha avó quando ainda estava mentalmente saudável, diria que “chumbo trocado não dói”.

Segundo minha irmã, “ela era bem possessiva com os filhos (...) e brigou feio com as namoradas deles que ela chegou a conhecer”. Minha irmã lembra também que ela se dava super bem com nossa mãe: “acredito que mamãe era a cunhada preferida dela, pois a única casa que eles visitavam era a nossa (com a mesma rapidez de sempre, é claro) e Tio Tôto chegou a falar com Alfredo que a irmã que ele mais gostava era a mamãe e o cunhado era o papai. Achei legal ouvir isso”.

Eu gostava muito dela e, creio, ela também de mim. O que posso dizer de seu temperamento é o que observava e ouvia sobre seu comportamento sentada no carro, ao lado do marido: lembrando-me de sua aflição e recomendações constantes dirigidas a meu tio, diria que ela agia como um navegador de rally:
- Walter, cuidado! Olha aquele carro, diminua, você está correndo muito, cuidado com o cachorro, cuidado com o ET, você está no meio da pista, olha o Bozo... E meu tio lá, caladão. 

Voltando ao meu tio, pode-se dizer que ele era “o” ligeirinho. Aos domingos, dia dos parentes visitar minha avó, rolava na casa um carteado na parte da tarde. Genros e filhos que iam visitá-la ferviam no baralho, jogando truco e escopa. Menos tio Tôto É o único dos tios que nunca se sentou para participar do baralho domingueiro. Suas visitas eram tão rápidas que quase pareciam um pit-stop de Fórmula 1. O curioso é que na loja onde trabalhava era super calmo e atencioso.

Tio Tôto trabalhava como vendedor de tecidos no “Rei das Casimiras”, uma loja que existia na Av. Afonso Pena. O dono da loja era um descendente de libaneses, chamado Ralim (?). Esse sujeito era uma figuraça. Alinhadíssimo, estava sempre de terno, sempre impecável.

Logo no início do nosso namoro, minha mulher foi com uma colega de serviço para comprar um tecido para me dar de presente. O sobrenome dessa colega era Nacif e, claro, também era descendente de libaneses. Escolheram o tecido e o pedido com os dados da compra foi preenchido. Quando já iam pagar, o Ralim interveio, dizendo algo assim:
- Você não pode ir pagando assim, sem nem pechinchar, sem pedir desconto!

Minha mulher e a colega devem ter ficado meio roxas de sem graça. Não sei se ele já conhecia essa moça ou se ficou sabendo de sua ascendência ali na hora. O fato é que achou um absurdo que ela não tivesse orientado a colega na arte da pechincha. As duas estavam no horário de almoço, super corrido, e estavam loucas para voltar ao trabalho. E ele lá, discutindo qual o preço que ela queria pagar, essas coisas.

Quando meu irmão se formou (1973), eu mandei fazer um terno sob medida para ir ao baile. Comprei o tecido com tio Tôto e um alfaiate muito bom, seu conhecido, fez o terno. Em 1974 foi minha formatura. Não tive dúvida, mandei fazer outro. Os dois ternos ficaram excelentes, embora o estilo hoje seja ridículo, pois as calças eram tipo pantalona e com cintura bem alta (toureiro light). No ano seguinte (1975), eu me casei. Como o casamento civil era de manhã e o religioso à noite, resolvi fazer outro terno. Usaria o de minha formatura no casamento civil e o novo, no religioso.

O procedimento seria o mesmo, mas fui atropelado pelo Ralim. Não sei por que, ele resolveu me atender e ajudar a escolher o tecido.
- Você vai fazer a calça e o colete com este tecido cinza claro. A camisa você fará com este outro aqui, um cinza ainda mais claro. Agora, para o paletó você usará este aqui, quadriculado de cinza e branco.

Devo ter protestado meio sem jeito que gostava de cores lisas, sóbrias. Não adiantou.
- Rapaz, isso é a última moda, você vai ficar elegantíssimo!

E o mané aqui acabou concordando. Todas as vezes que vejo as fotos de nosso casamento, fico meio puto de ter aceitado aquela sugestão. O terno ficou uma bosta de feio! Mas o turco era boa gente.


A Déia morreu de câncer há muitos anos e o tio Tôto vive hoje na companhia da Vânia, sua filha. O Sérgio casou-se e foi pai (ou "pai-avô") com mais de cinquenta anos e o Ronaldo mora (ou morava) com a família nos fundos da casa de meu tio.


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