quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O FARMACÊUTICO E ELE - DEZSÖ KOSZTOLÁNYI

 
Para minha surpresa, meu filho mais velho leu o texto “Para sempre cordial” e deve tê-lo mostrado para minha nora. Por conta disso ela me enviou pelo zap um conto com este comentário: Não sei explicar direito, foi uma sensação. Sensação de que vc iria gostar de ler, que faria seu tipo de leitura. Eu gostei bastante desse livro inteiro, tem ótimos contos. E, enquanto lia, achei que vc poderia gostar do livro. Mas resolvi te mandar um conto só. O personagem que conta os contos, Kornél Esti, seria uma pessoa que poderia ter passado por sua vida, ou pela de algum amigo seu.
 
Lendo o conto eu percebi o motivo talvez inconsciente de tê-lo recebido: o personagem teve uma atitude semelhante às que algumas vezes eu tive com desconhecidos que me pareceram fragilizados emocionalmente. E este é o motivo de publicar aqui no velho Blogson este simpatissíssimo texto. Lêaí.
 


 
O FARMACÊUTICO E ELE
 
Numa noite quente de primavera, Esti passava o tempo diante da vitrine de uma farmácia da periferia. Ficou tomado por uma tristeza aguda, pois a vitrine era paupérrima. Isso tocou tão fundo sua frágil alma que por um longo tempo não conseguiu sair dali.
 
Nas livrarias da periferia geralmente se vendem lápis, borrachas, canetas, e nas farmácias, escovas de dente, pincel para barba, cremes para o rosto. Tantos artigos de beleza se avolumam nesses lugares, como se o verdadeiro problema da humanidade nem fosse a doença, as muitas enfermidades, mas a feiura.
 
Essa pequena farmácia, com o seu luminoso que acendia e apagava a cada segundo, oferecia dois artigos, obviamente produzidos pelo próprio farmacêutico. Um era assim repetido pelo luminoso: Xerxes acaba até com a tosse mais tenaz. O outro gritava para a escuridão: Pó Aphrodite contra o suor das palmas da mão, pés e axilas.
 
Mas os fregueses não se apresentavam. No interior da farmácia estava sentado atônito um pequeno homem, modesto, de roupa cinza, cabelos cinzentos. Estava tão abatido como um suicida imediatamente antes de cometer o seu ato.
 
Esti se compadeceu e entrou.
 
— Desculpe — murmurou e olhou em volta. — Será que poderia conseguir aqui algo contra tosse?
 
— Claro — sorriu afavelmente o farmacêutico —, claro, por favor.
 
— Só que — cortou sua fala e levantou o seu dedo — minha tosse não é de hoje. Ano passado tive um forte resfriado e, desde lá, não importa o que faça, não passa. É uma tosse maligna — como é que posso me expressar? —, persistentemente — procurava a palavra correta, até encontrá-la —, tenaz.
 
— Xerxes — disse o farmacêutico —, Xerxes — e saltou em direção a uma prateleira, e já colocou debaixo do seu nariz o pó mágico empacotado numa elegante caixa.
 
— Isso resolve?
 
— Até a tosse mais tenaz — respondeu de pronto, enquanto lá fora o luminoso dizia o mesmo. — A embalagem menor ou a maior?
 
— Talvez a maior.
 
— Não deseja outra coisa? — perguntou o farmacêutico, enquanto embrulhava a mercadoria num papel cor-de-rosa.
 
— Não — respondeu Esti preventivamente, porque tinha uma enorme experiência em representar essas cenas artísticas. — Obrigado.
 
Pagou, dirigindo-se para a saída.
 
Ao colocar sua mão na maçaneta, parecia empacar, hesitar. Voltou-se. O farmacêutico se aproximou:
 
— Em que mais posso ajudá-lo?
 
— Isto é — gaguejou e calou-se em seguida. — Minha mão…
 
— Ah, sim — disse instantaneamente o farmacêutico — Aphrodite, com certeza, Aphrodite.
 
— E tem ação eficaz?
 
— Eu garanto.
 
— Porém…
 
— Para o pé também — disse confidencialmente, abaixando sua voz —, para aquilo também.
 
Agora a tensão dramática chegara ao auge. Esti se portava como quem ainda não conseguiu se decidir pela compra, tomado por dúvidas, e tem um segredo familiar tão obscuro, fatal, que até agora não confessou para ninguém. O farmacêutico procurava auxiliá-lo. Segredou algo no seu ouvido. Esti desistiu de resistir, humilhado, acenou afirmativamente com a cabeça. Mandou embrulhar esse produto também.
 
Fora, na rua, parou diante da vitrine. Mas não era isso que observava, mas o farmacêutico. Este, de repente, ficou elétrico, depois de encontrar um exemplar cobaia da sofrida humanidade, que miraculosamente personificava todas aquelas desejáveis qualidades de que ele necessitava. Com desenvoltura caminhava para lá e para cá. Provavelmente novos planos brotavam no seu cérebro. Acendeu um charuto.
 
Enquanto caminhava pela ponte, Esti discretamente jogou as duas caixas no Danúbio. E pensou o seguinte:
 
— Prolonguei sua vida pelo menos por um mês. Como não consigo consolar a mim mesmo, de agora em diante vou consolar os outros. Deve-se devolver a todos a fé na vida. Para que sigam vivendo. Um professor me advertiu de não deixar passar um só dia sem fazer algo de bom. Sempre dizia que só esse tipo de homem dorme tranquilo. Bem, será que hoje conseguirei dormir sem tomar alguma pílula?…
 

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

CORRAM PARA AS MONTANHAS!

 
Vou contar esta história pela milésima oitava vez só para contextualizar (boa palavra essa!) o assunto de hoje. Até meados de 2014 eu nem imaginava o que poderia ser um blog, mas sabia como incomodar um pequeno grupo de pessoas. E eu devia realmente incomodar esses coitados, pois estando aposentado e não tendo nada para fazer eu alugava minha mente para o capeta – porque, como mundo sabe, mente vazia é a morada do capeta – e pensava besteiras o tempo todo. Graças a um pouco de TOC, eu usava os e-mails que conhecia para enviar quase diariamente as besteiras que pensava para quem eu apelidei de “grupo dos infelizes”.
 
Pois bem, meu filho mais velho (um dos "infelizes") criou o Blogson para mim e eu comecei a usá-lo para desovar todo tipo de pensamentos que me ocorriam. Além disso, resgatei tudo o que tinha enviado por e-mail, fazendo postagens quase diárias. Isso durou pelo menos uns cinco meses. Quando o lixo dos e-mails foi todo publicado eu até pensei em dar uma maneirada, tentei publicar só às sextas-feiras – porque como na história que inspirou o nome do blog, “Sexta-Feira” era o amigo do náufrago “Robinson Crusoe”. Mas já era tarde.
 
O Blogson Crusoe tinha se transformado em um bichinho de estimação, um tamagotchi, uma droga viciante para mim. E eu nunca mais consegui abandonar esse vício. Tanto é assim que nos dez anos e alguns meses de existência do blog foram feitas mais de três mil postagens, quase uma postagem por dia.
 
Mas a inspiração acabou e incentivado pelo multitalentoso blogueiro Fabiano Caldeira, publiquei um e-book. Adorei a experiência e publiquei mais três e-books, jurando de pés juntos estar satisfeito com minha “biblioteca” de quatro e-books. Mas o TOC se manifestou novamente e o vício adquirido no Blogson acabou também se manifestando no desejo de publicar novos e-books. E publiquei mais três.
 
Aqui cabe a pergunta: há material que mereça ser agrupado em novo(s) e-book(s)? Se quiserem saber a verdade, eu até acho que não, mas não consigo evitar o desejo irresistível de ver transformado em e-books toda a irrelevância e banalidade dos textos que publiquei obsessivamente no Blogson ao longo de dez anos. Como cantou Mick Jagger, “I know, it’s only rock and roll, but I like it”.Ou seja, são muito fraquinhos mas eu gosto deles.
 
E é nesse pé em que me encontro agora. Eu quero publicar em novos livros tudo o que me agradou escrever. E digo sinceramente: ninguém, mas ninguém mesmo precisa ler esses novos junk-books, pois eles serão apenas meu rivotril digital. Isso é patético? Sim. Ridículo? Sim! Digno de pena? Sim!!!!! Como disse meu filho ao saber de mais essa maluquice de seu pai: "Corram para as montanhas! Protejam-se!"
 
Por isso, preparando-me para consumir essa nova droga, fiz um mapeamento dos textos publicados para saber o que sobraria e cheguei nesta lista:
 
87       “diálogos de spamtar” muito fraquinhos
392     textos de outros autores
167     links de música
194     piadinhas pescadas no facebook
126     textos tropeçando na política do momento
73       postagens dedicadas à memória e lembranças de meus familiares
35       informações sobre o blog (a quem interessa isso?)
96       textos produzidos e dedicados à epidemia de Covid-19
290     postagens com data de validade vencida
161     textos “com CEP do destinatário” (marcador “Posta Restante”)
102     desenhos e colagens merecedoras reais do título “Eu Não Sei Desenhar”
21       textos produzidos pela inteligência artificial chatGPT
 
Isso resultou em um total de 1.744 postagens que preferi deixar apenas no blog. Além dessas publicações há que se considerar as 541 postagens aproveitadas nos sete e-books já publicados.
 
O que sobra então para publicar novos junk-books e satisfazer meu vício são 722 posts (3.007 – 1.744 – 541). Valerá a pena dar vazão a esse desejo sem controle? Só o tempo dirá. Depois de publicar os quatro primeiros e-books eu disse para meus filhos que estava deixando a marca de minhas pegadas sobre a Terra. E sendo quatro os livros, minhas pegadas eram de quadrúpede, de anta, talvez.
 
Agora, com o desejo de literalmente esgotar tudo o que seja minimamente aproveitável no blog, a marca que deixarei será de centopeia ou coisa assim, um invertebrado moral. Mas lembro que essa atividade neutraliza minha ansiedade e falta de inspiração. Ou seja, é um passatempo inofensivo, uma espécie de vício do bem. Algo assim como um leite com toddy e biscoitos antes de dormir.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

UM POEMA LINDO

 
O Alzheimer vitimou um poeta fabuloso, desses que não fazem alarde de sua poesia, de seu talento. Para a maioria desconhecido, a não ser o fato de ser irmão da cantora e compositora Marina Lima, a quem presenteou com algumas letras lindíssimas para que as colocasse em suas melodias inspiradas. Foi-se embora o poeta, foi-se embora o filósofo, criou-se mais uma vaga na ABL (que será feito de seu fardão, agora sem ter a quem vestir?)
 
Um dia, lendo o segundo caderno do jornal O Globo, deparei-me com um poema tão espetacular que tive vontade de arrancar a página onde estava publicado, só para guardá-lo para mim. Infelizmente, o jornal não era meu e eu não tive tempo ou coragem para fazer o que queria. Não sei o nome, não sei o tema, só me lembro da absoluta elegância dos versos. Esse era Antônio Cícero, um poeta que a maioria das pessoas desconhecia e que talvez seja mais lembrado por fazer eutanásia.  Olha que poema lindo do blogueiro Antônio Cícero (ele tinha um blog – Evidências – mas creio que estava abandonado, sina que parece ser a de muitos blogs):

 
TEOFANIA
 
Sabe-se que um deus só vem porque quer
e que é capaz de desaparecer
a seu bel-prazer, por mero capricho.
Nisso ele se assemelha mais a um bicho
 
selvagem, feito serpente ou veado,
do que a gente. Uns são intempestivos.
É no momento menos indicado
que nos capturam e mantêm cativos.
 
Assim é o Amor, por exemplo. Não
há quem não reconheça a divindade
de tal deus. Não: os próprios cristãos dão
a mão à palmatória e têm saudade
 
do realismo do mundo pagão
quando o vêem chegar como quem não quer
nada e ofuscar tudo. Outros são
diferentes. Todos vêm por prazer,
 
isso é claro mas, por exemplo, o Sono
não deixa de abraçar-nos todo dia
enquanto somos jovens: dir-se-ia
ser nosso escravo e não suave dono.
 
Mas isso não se deve nem pensar
pois se ele ouvir o nosso pensamento
e resolver provar-nos a contento
ser mesmo deus, desaparecerá,
 
pois que ele é deus mostra-o nem tanto o fato
de que vem sem ser chamado e escraviza,
em teatros, aulas, ônibus, vigílias,
o desejo que almeja dominá-lo
 
quanto a própria insônia, teofania
negativa do Sono, quando somem
as doces nuvens e as torres macias
do príncipe dos deuses e dos homens
 
e não se abrem as águas da lagoa
ou os portões de chifre ou de marfim
e nossa imaginação se esboroa
em prosa e a noite cansa até o fim.
 
Não se iludam. Nem o mais poderoso
dos soporíferos substituiria
ver abolirem-se as categorias
pela espontânea ação de um deus gasoso.
 
Tais deuses só na velhice sabemos
o que são. O jovem nem desconfia
ser divino o próprio Tesão ou mesmo,
tremo só de lembrar, a Poesia.

 

 

domingo, 27 de outubro de 2024

JUNK-BOOK

 
Eu não iria divulgar isso, por ser apenas um projeto pessoal anti-depressão e anti-ansiedade. Eu estava realmente muito triste e ansioso quando comecei a pensar nos “dezénhos” que tinha descartado para criar o e-book “Eu não sei desenhar”. E pensar nessa sobra fez minha mente desviar da angústia que estava sentindo, trazendo até um certo alívio. Por isso, sem alarde e sem comentar nada com ninguém, resolvi usar essa sobra de piadas gráficas para fazer mais um livro-lixo, mais um junk-book.
 
Pensei em utilizar o mesmo título e apenas acrescentar algo como “segundo volume”. Nesse meio tempo, um de meus filhos classificou os “dezénhos” de “pinturas rupestres”, o que me fez rir muito. Por isso comecei a pensar em um título coerente com essa definição. Mas a mente não estava ajudando, fato novo para mim, sempre com uma ideia ridícula na cabeça. Aí dei um “foda-se” no projeto e fui cuidar de coisas mais urgentes e importantes.
 
A coisa estava nesse pé quando a palavra “garatuja” surgiu na minha mente. Sem saber seu significado real, fui ao dicionário e descobri que garatujas “são a fase inicial do grafismo das crianças durante a primeira infância, que compreende a fase de 0 a 6 anos de idade”. Perfeito! Outra definição para garatuja seria “desenho rudimentar, malfeito, normalmente sem forma e ilegível”. Em outras palavras, rabiscos ou rascunhos.
 
Assim surgiu o título do novo junk-book: “Garatujas e Gatafunhos” (“gatafunho” é sinônimo de garatuja). Na verdade esse novo livro é só “mais do mesmo” que foi publicado no “Eu não sei desenhar”. Começa hoje promoção cinco dias de download gratuito. Como disse, não pensava fazer essa divulgação, mas ao saber de mais um e-book e da minha intenção de não divulgá-lo, um dos filhos disse para eu deixar de ser idiota (e procurar um terapeuta). Continuo idiota e procurando um terapeuta que atenda pelo meu plano de saúde.
 
O link é este: https://www.amazon.com.br/dp/B0DKPZP3FW

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

NA PAREDE DA MEMÓRIA

Creio (sem ter certeza disso) que eu tinha acabado de passar no vestibular de engenharia quando ouvi falar do Show Medicina. Eu morava em um bairro de gente simples da periferia da cidade e não tinha dinheiro nem vontade de assistir ao que considerava (sem conhecer) uma demonstração de amadorismo e vaidade de gente pedante e metida a besta, pois Medicina sempre foi o curso mais badalado da UFMG.
 
Eu poderia ter optado pela carreira de médico (e tinha pontuação suficiente no vestibular para entrar em qualquer curso), mas fui dissuadido disso por meu pai, um médico que nunca exerceu a profissão para a qual estudou. Então, eu olhava com desdém para um bando de metidos (que um dia ganhariam muitíssimo mais dinheiro do que eu jamais ganhei na profissão que escolhi).

Aí algum lunático teve a ideia de fazer um “Show Engenharia”, que, com a graça de Deus, foi o primeiro e único (e Jotabé estava lá, mas quem quiser saber mais, que procure no blog o post “Uchou”).
 
A coisa estava nesse pé, os estudantes de engenharia com inveja enrustida do pessoal da Medicina – pois deviam pegar todas as meninas lindas e loucas para namorar um futuro médico. Para mim, eles deviam se julgar os fodas. Hoje eu vejo que alguns estudantes são mesmo fodas, pois para pagar mensalidade de R$ 16 mil o sujeito tem de ser muito foda. Ou então, como na piada, fodinha, pois foda mesmo é o pai que consegue desembolsar essa grana por mês. Mas estou me distanciando do tema deste post.
 
Hoje eu levei minha mulher para fazer exame de sangue num laboratório onde nunca tínhamos ido. E fizemos essa escolha pela acessibilidade, estacionamento ao lado e rapidez na divulgação dos resultados. Era a matriz de uma rede de laboratórios. E foi aí que aconteceu a surpresa e o encantamento que senti.
 
Quase todas as paredes estavam decoradas com pôsteres emoldurados do Show Medicina! E o que mais me encantou foi a beleza dos cartazes, sempre bem-humorados e supercoloridos. Fiquei tão fascinado por essa memorabilia que comecei a contar quantos estavam ali pendurados e a que ano correspondiam. Contei 27 cartazes, o mais antigo, se não me engano, de 1966. Imagino que, para ter conseguido tantos cartazes originais, o dono da clínica deve ter sido um dos mais entusiasmados integrantes desse show.
 
Chegando em casa, resolvi saber mais sobre esse show de amadores. Descobri que o Show Medicina foi montado pela primeira vez em 1954, sob a direção do então aluno Jota Dangelo (nome pelo qual se tornaria conhecido como professor de Anatomia da UFMG, expoente do teatro mineiro e Secretário de Cultura de Minas Gerais).
 
Além disso, soube que, a partir do golpe militar de 1964, “o Show passou a ser sistematicamente visado pelos órgãos repressivos da ditadura e até por seus ‘braços não-institucionais’. Um deles, o famigerado Comando de Caça aos Comunistas (CCC), truculento grupo paramilitar de direita, promoveu um atentado contra o Show Medicina – 1968 realizado no teatro do Instituto de Educação. Durante o espetáculo, os membros do CCC desligaram a luz do teatro e lançaram uma ampola de ácido corrosivo contra o palco, com o intuito de atingir os atores, mas erraram o alvo, e a vítima foi a irmã de um dos atores, sentada numa poltrona da primeira fila. (...) Em 1976, mais uma vez, o texto do Show foi proibido na íntegra, e os estudantes resolveram não refazê-lo. Assim, o Show daquele ano não foi apresentado e, o mais triste, também deixou de sê-lo nos dez anos seguintes”.
 
Em junho deste ano, mais um Show Medicina aconteceu, comemorando seus 70 anos de existência. Ver aqueles cartazes me fez voltar ao tempo de faculdade, quando eu desdenhava daqueles esnobes da Medicina. Eu estava errado, tal o profissionalismo que aqueles pôsteres sugeriam. Atores amadores? Sim, mas com garra e desejo de apresentar um bom espetáculo. E eu, um dos integrantes do mambembíssimo primeiro e único Show Engenharia, aplaudi silenciosa e mentalmente os shows que nunca me animei a assistir.



quinta-feira, 24 de outubro de 2024

POÉTICA – MANUEL BANDEIRA

 
Ao fazer um comentário aqui no velho Blogson o blogueiro Eduardo Medeiros abriu “as portas da percepção” para mim, ao mencionar o poema “Poética”, de Manuel Bandeira. Como a curiosidade é a mãe de todo aprendizado, resolvi saber de que se tratava. Achei o poema, adorei seus versos livres e, como de costume, resolvi publicá-lo no blog. Entretanto, por ser um mala incorrigível, tentei encontrar a forma exata com que foi originalmente publicado, tarefa impossível de alcançar nessa terra de ninguém que é a internet. Depois de encontrar algumas versões com nuances de diagramação e até inclusão de palavras, resolvi tocar o foda-se e publicar a que mais me agradou. Que o Manuel Bandeira me perdoe se estiver equivocado. Evoé, Bandeira!

 
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor.
 
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o
cunho vernáculo de um vocábulo.
 
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
 
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
 
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de cossenos secretário
do amante exemplar com cem modelos de cartas
e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc.
 
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
 
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

 

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

PARA SEMPRE CORDIAL

 
Esta noite/madrugada acordei com uma sensação boa, com o desejo sincero de deixar de ser um ogro mal humorado ou, pelo menos, passar a ser um ogro gentil. É claro que eu não me vejo sentado em uma mesa de bar jogando conversa fora enquanto tomo uma coca-cola (ou leite com toddy trazido de casa). Isso é muito para mim. Talvez fosse melhor dizer que isso não significa nada para mim, um introvertido caladão que gosta de ficar isolado em um canto, só observando o que rola em festas de aniversário ou de fim de ano.
 
Mas comecei a desejar transformar em realidade o comportamento falso que sempre adotei ao me aproximar das pessoas, especialmente daquelas que poderiam ter alguma utilidade momentânea para mim. E esse desejo de mudança começou a brotar depois de publicar o texto “Disjuntor”. Pode parecer engraçado, mas constatar que o tempo de vida médio de mais de oitocentas personalidades falecidas em 2024 foi de 75 anos, mesmo sem levar em conta a “causa mortis”, mexeu um pouco comigo, um jovenzinho de 74 anos.
 
Talvez esteja acontecendo comigo o mesmo que já aconteceu com muitas pessoas no fim da vida, o desejo de corrigir ou reescrever os capítulos finais que já se encontravam esboçados ou rascunhados. Pouco importa o motivo, na verdade. Mesmo assim, resolvi pesquisar meu disjuntor particular, pois meu último sonho real é poder ver minhas netas adolescentes, poder estar presente em suas festas de quinze anos, vê-las com seus namoradinhos ou namoradinhas (por que não?). Para isso, eu preciso viver até os 84 anos. Assim, reuni em uma planilha os dados de meus pais, avós e dos tios e tias já falecidos. E a situação encontrada foi esta:
 
Meu pai e minha mãe morreram respectivamente com 85 e 88 anos, o que me deixou animadinho, mas a média de vida dos parentes do sexo masculino (tios, avô materno e pai) chegou, só em 80 anos. Sacanagem! Se isso acontecer comigo será como perder o jogo na disputa de pênaltis. Apesar da decepção, isso não invalida meu desejo de ser um ogro feliz. Por isso, a partir de hoje, procurarei sinceramente tratar a todos da forma mais amistosa e cordial possível. Claro, isso será mais significativo no contato com pessoas humildes.
 
Sorrirei sem espalhafato, perguntarei o nome de quem me atender (mesmo que o esqueça dentro de 10 segundos), falarei da sonoridade obscena do meu próprio, só para ver o riso debochado ou desconcertado das pessoas, agradecerei o atendimento que receber, cederei o meu lugar na fila para senhoras idosas, serei o último a entrar no elevador só para que a porta não se feche, cumprimentarei discretamente quem passar por mim na rua – sempre olhando nos olhos das pessoas, só para que elas saibam que alguém as notou. Assim, quando eu morrer com 80 ou 85 anos, gostaria que se lembrassem de mim como um sujeito amistoso, gentil e educado, alto astral e gente boa. Mas esse é o desejo de uma pessoa viva. Depois de morto, não ligarei a mínima se ninguém se lembrar de mim.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

A FÁBULA DA VAQUINHA

 
Há muito tempo, li que a revista Forbes tinha feito um ranking da fortuna dos telepastores mais importantes do Brasil. O espertíssimo dono da Igreja Universal do Reino de Deus era (e é) o mais rico de todos, com um patrimônio de R$ 2 bilhões. A partir daí, passei a chamá-lo de “Edir Mais Cedo” (porque Deus ajuda a quem cedo madruga).
 
Esquecendo o trocadilho idiota, o fato é que algumas pessoas parecem colocar nas mãos de Deus as providências que só a elas cabe tomar, esquecidas de que "Deus ajuda a quem cedo madruga". Estava pensando nisso quando me lembrei de uma historinha, uma fábula contada por um ex-colega.
 
O pernambucano Jair era uma espécie de braço direito do chefe do setor onde trabalhávamos. Mesmo sem ter, aparentemente, nem curso técnico, ele era o tipo de faz-tudo: esperto, desenrolado, sempre disposto a mostrar serviço.
 
Um dia, ao entrar na sala onde trabalhava, fiquei espantado com a mesa coberta de caixas box que ele diligentemente arrumava. Perguntei o que estava fazendo ou procurando e ele deu um sorrisinho cínico, dizendo algo parecido com isto:
– Quando ninguém me passa nada para fazer, eu pego essas caixas do arquivo e reorganizo a papelada que tem nelas. Assim, se algum chefe entrar na sala, verá que estou trabalhando. Agindo assim, mostro que sou útil e não dou motivo para ser demitido.
 
Achei a maior graça do cinismo e da esperteza declarada. Um dia, ele me confessou ter proposto ao chefe do setor que comprassem um equipamento de terraplenagem, talvez uma pá carregadeira ou uma retroescavadeira. Assim, poderiam fazer pequenos serviços para outras empresas, alugar o equipamento, desaterrar lotes, coisas assim. O chefe entraria com a grana, e ele com o trabalho. A proposta foi aceita, e ele se atirou na tarefa de encontrar o equipamento com o melhor custo-benefício.
 
Encontrado o equipamento ideal, levou a proposta ao chefe e futuro sócio, que desconversou e negaceou. A nova microempresa morreu antes mesmo de nascer. Jair ficou tão decepcionado e desgostoso que pediu para tirar férias. E disse ao colega que dividia a sala com ele:
– Quando eu voltar, terei uma empresa, nem que seja em cima deste armário!
 
Quem me contou essa história foi o próprio Jair. Segundo ele, durante as férias, teve a ideia de fabricar calças jeans, réplicas das melhores marcas à venda na época. A primeira providência foi comprar uma máquina de costura industrial, que instalou na casa da costureira-sócia que havia encontrado. Creio que comprou também uma máquina de acabamento (overlock, se não me engano), instalada na casa de outra funcionária-sócia.
 
O passo seguinte foi comprar uma calça de cada numeração da marca Zoomp, top de linha na época. Cuidadosamente, ele e a esposa desmancharam peça por peça de cada uma das calças, para servirem de molde. Comprou tecido jeans, botões, linhas, zíperes, tudo de ótima qualidade, e deu início à produção. Para minimizar o desperdício, a esposa era a responsável por cortar o tecido. Depois de prontas, as calças eram vendidas em butiques, que tinham apenas o trabalho de colocar suas etiquetas nas "Zoomp do Paraguai".
 
Quando me contou isso, ele já tinha comprado mais uma máquina de costura e tinha trocado o apartamento antigo por um em plena zona sul de BH. E continuava organizando suas caixas box.
 
Em determinado momento, a empresa onde trabalhávamos começou a dar sinais de que “estava subindo no telhado”: atrasava salários, demitia funcionários, tornando o ambiente de trabalho inseguro e preocupante.
 
Foi aí que o Jair me contou a fábula que inspirou este texto. Ao me dizer que estava deixando a empresa e voltando para sua cidade natal, contou que seu tempo ali tinha acabado. Estava vendendo o apartamento, já tinha despachado os equipamentos para Recife, e logo estaria viajando. Mas não estava preocupado, pois um irmão já havia conseguido uma encomenda para fabricar fardas para a polícia local (ele não dava ponto sem nó!).
 
E esta é a fábula:
“Um dia, Jesus e seus discípulos iam de Nazaré para Tiberíades, quando começou a anoitecer. Vendo uma casinha ao longe, resolveram pedir pousada para passar a noite. O proprietário tratou-os super bem, serviu-lhes queijo, coalhada, manteiga, tudo o que produzia com o leite da única vaquinha que possuía.
 
No dia seguinte, agradeceram a boa acolhida e continuaram a caminhada. Um dos discípulos disse para Jesus que aquele bom homem merecia ser recompensado de alguma forma. Jesus, então, respondeu: – Eu já cuidei disso.
 
Tempos depois, alguns dos discípulos percorriam o mesmo caminho e assustaram-se com a magnificência da antiga casinha. Comentaram entre si que o Mestre realmente tinha ajudado o dono da vaquinha. Pediram pousada novamente e perguntaram o que tinha acontecido. Um verdadeiro milagre. E o homem explicou: – Depois que vocês foram embora, a minha vaquinha adoeceu e morreu. Aí, eu tive de trabalhar!”
 
E a moral que o Jair extraiu dessa fábula foi esta, ao me dizer: 
– Esta empresa em que trabalhamos é a vaquinha! Nós nunca conseguiremos nada ficando acomodados!
 
Hoje, lembrando-me desse cara esperto e safo (como se dizia antigamente), e da história da vaquinha, vejo que ele “acordou mais cedo” e não deixou apenas nas mãos de Deus o destino de sua vida. Grande Jair!

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

QUAL É O TÍTULO? - ANÔNIMO

 
Recebi de um amigo o poema a seguir, atribuído a Walt Whitman, “jornalista, ensaísta e poeta americano, considerado o “pai do verso livre” e o grande poeta da revolução americana”. Como sou basicamente um mala sem alça, resolvi pesquisar o texto original em inglês. Descobri que o autor desse texto não é Walt Whitman e que, como era previsível, há várias versões do mesmo texto, diferenças não explicadas por traduções diferentes. Versos somem em umas, acréscimos surgem em outras, uma zona. Até a divisão em estrofes muda. Por isso, resolvi remover os espaços entre elas. Assim, cada um faça a pausa onde desejar, pois como achei o texto bacana, resolvi publicá-lo aqui no velho Blogson, mas como texto apócrifo, de autor desconhecido. Olhaí.
 

Aproveita o dia,

Não deixes que termine sem teres crescido um pouco.

Sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.

Não te deixes vencer pelo desalento.

Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te,

porque expressar-se é quase um dever.

Não abandones tua ânsia de fazer de tua vida algo extraordinário.

Não deixes de crer que as palavras e a poesia têm o poder de mudar o mundo.

Porque, apesar de tudo, nossa essência continuará inviolada.

Nós, seres humanos, somos feitos de paixão.

A vida é deserto e oásis.

A vida nos derruba, nos fere,

mas também nos dá o poder

de sermos os protagonistas

da nossa própria história.

Mesmo que os ventos soprem contra nós,

a obra grandiosa da vida segue.

E acredite, tu podes escrever um verso nesse mundo.

Não deixes nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.

O maior erro é se perder no silêncio,

porque muitos vivem nele, presos em um vazio sem fim.

Não te resignes, e nem fujas.

Valorize a beleza das coisas simples,

Poesia existe em cada detalhe,

nas pequenas maravilhas da vida.

Não atraiçoes tuas crenças.

Todos merecemos ser aceitos

pelo que somos.

Viver contra o que acreditamos

transforma a vida em um tormento.

Aceita o medo e o pânico

que surgem ao encarar o vasto horizonte da vida.

E então, viva com intensidade,

Evite as mediocridades.

Pensa que em ti está o futuro, e encara a tarefa com orgulho e sem medo.

Aprenda com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam.

Não permitas que a vida se passe sem teres vivido…

sábado, 19 de outubro de 2024

OURO, SÓ PARA TOLOS

Hoje deveria ser um dia de festa para mim. Deveria, mas não. Melhor dizendo, este texto deveria ser motivo de comemoração por se tratar do 3.000º post publicado no alquebradíssimo Blogson Crusoe. Deveria. Só que não. O primeiro motivo é o fato de eu já ter excluído vários textos (por serem horríveis ou com data de validade vencida) e "dezénhos" (a maioria deles por desrespeitar direitos autorais). Grandes merdas! Em sã consciência, alguém se preocuparia com desrespeito a direitos autorais em um blog de baixíssima visualização, pouquíssimos acessos e uma quantidade ínfima de seguidores? Se eu fosse um robozinho do Blogger, nem notaria o antigo blog da solidão ampliada, tal a indigência exibida.
 
Por isso, os 3.000 posts indicados pelas estatísticas são apenas os que ainda podem ser acessados. E outro motivo para não comemorar nada é a qualidade do material. Ao fazer essa avaliação não estou jogando para a galera, para as arquibancadas, não estou pedindo comentários de incentivo. Minha autocrítica (ainda) funciona. Eu vejo a produção do Blogson semelhante à extração de ouro ou ao garimpo de pedras preciosas.
 
Os leitores mais... como direi?, mais velhos, certamente se lembram do formigueiro humano que, com sacos de terra nas costas, subia e descia por escadas precaríssimas no maior garimpo de ouro a céu aberto do mundo. Hoje, a cova ou cratera resultante dessa faina enlouquecida e enlouquecedora em Serra Pelada é ocupada por um lago com 100 metros de profundidade. Esse garimpo é uma excelente metáfora para o blog, e sabem por quê?
 
A concentração de ouro em Serra Pelada foi considerada excepcional, variando de 6 a 20 gramas por tonelada de minério estéril. Merece destaque a comparação entre as poucas gramas de ouro obtidas a partir da movimentação de toneladas de material estéril. A título de comparação, a empresa onde trabalhei vendeu por uma baba o direito de exploração de uma lavra em que a concentração de ouro era de míseros 0,2 gramas por tonelada de estéril. E os japoneses compraram.
 
E essa é a metáfora: das três mil publicações do Blogson: quantas são classificadas como "estéril" e quantas são identificadas como "ouro"? Quantas mereceriam uma crítica favorável? Dez por cento, cinco, um por cento? Quantos milhares de publicações são necessários até que se salve um texto ou desenho minimamente interessante? Para dizer a verdade, até as melhores, mais bem escritas e inspiradas postagens do blog não mereceriam ser classificadas como “ouro” (talvez só como "ouro de tolo").
 
Em uma de suas magníficas crônicas o Rubem Braga ironizou a qualidade dos textos impecáveis que escrevia (tratados como se fossem "filhos") ao dizer que "com o tempo a gente fica menos ansioso e mais humilde e se as vezes contempla a filharada toda com aborrecimento pelo menos não a despreza mais por amor dos recém-nascidos, que já sabemos que não são grande coisa”. Se ele aparentemente pensava assim, imaginem o que eu penso sobre o que já publiquei no blog!

Esse é o motivo de chamar de "literatice" a "literatura" que produzi, pois, segundo o dicionário, literatice é literatura de baixa qualidade. E aqui cabe uma reflexão (destinada apenas a mim mesmo): alguém já viu um autor de renome, consagrado, publicar seus textos em um blog? Claro que não! Se estivessem vivos, alguém imaginaria um um Drummond, um Rubem Braga ou Fernando Pessoa(s) ocupados em registrar três mil publicações em seus blogs pessoais? Não precisam responder.
 
Quem se preocupa com isso é um blogueiro medíocre que às vezes se alegra por ter adquirido mais um seguidor para seu blog mambembe, mas entende e não liga se alguém se afasta. A única certeza que fica é que este texto é o 3.000º post publicado (nem sei como se pronuncia isso!). E se isso é motivo de comemoração ou não, não dou a mínima.
 

 

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

DISJUNTOR

 
Não sei se isso acontece com todo mundo, mas alguns assuntos grudam em minha mente como chiclete em passeio público. Respondendo a um comentário feito recentemente aqui no blog, usei a palavra “disjuntor” relacionada ao falecimento repentino de pessoas. E esse tipo de situação é o chiclete agarrado no meu cérebro.
 
A notícia da morte do publicitário Washington Olivetto mexeu muito comigo pela enorme admiração que tinha por ele. Os “criativos” da área de publicidade frequentemente me fazem babar de encantamento por suas sacadas geniais para divulgar ou vender esse ou aquele produto. E o Olivetto era o paradigma dessa turma no quesito criatividade. Segundo a Wikipédia, sua agência W/Brasil tornou-se “uma das agências mais premiadas do mundo, com quase mil prêmios, entre Leões no Festival de Cannes, Clio Awards, CCSP e outros”.
 
Ainda segundo a Wikipédia, “foi o único latino-americano a ganhar o prêmio Clio Awards em 2001, com um comercial de TV para a Revista Época. Foi considerado como o mais criativo publicitário dos últimos trinta anos na premiação Profissionais do Ano, organizada pela TV Globo. É considerado uma das 25 figuras-chave de publicidade do mundo pela revista britânica Media International. Foi eleito duas vezes o publicitário do século pela Associação Latino-Americana de Agências de Publicidade (ALAP) e pelo site de notícias sobre propaganda brasileira do Monitor Mercantil. Em 2009, entrou para o Hall da Fama do Festival Ibero-Americano de Publicidade(FIAP)”. Resumindo, o sujeito era o foda, o "cara" no quesito criatividade. Mas morreu “novo”, o que é uma sacanagem.
 
E aí pisei no chiclete de novo. Há mais tempo fiz a comparação da passagem vida-morte como fruto de um interruptor que se desliga. Só que essa não era uma boa imagem, pois um interruptor necessita de alguém para clicar em seu botão. Foi aí que me ocorreu a ideia do disjuntor.
 
Utilizando a definição técnica para esse tipo de artefato, um disjuntor é “um dispositivo elétrico que protege os circuitos elétricos de sobrecargas e curtos-circuitos, desligando a energia automaticamente”, imagem perfeita para a mudança da vida-morte, feita automaticamente, sem precisar de ninguém para seu acionamento. Mas o chiclete continuava agarrado. Foi aí que o TOC se manifestou e eu tive a ideia de fazer um levantamento das pessoas falecidas em 2024. Pois é... 

Entrei de novo na Wikipédia e peguei a relação de pessoas famosas falecidas no mundo todo, mês a mês. Sem me importar com o motivo da morte (alguns morreram de desastre, outros foram assassinados, etc.), calculei a média das idades de cada uma dessas 884 personalidades. E o resultado deu 75,14 anos (EPA!).
 
E essa é a conclusão do chiclete: em virtude das “sobrecargas e curto-circuitos” ocorridos durante a vida, o disjuntor de uma pessoa média desarma quando o sujeito chega nos 75 anos. Lembrando que tenho hoje 74 aninhos, poderia citar estes versos do Vinicius de Moraes (falecido aos 67 anos), “De repente, do riso fez-se o pranto, de repente, não mais que de repente”. 

E a cereja do bolo deste texto é o gráfico que indica as mortes do levantamento que fiz, por faixa etária. Olhaí.



 

terça-feira, 15 de outubro de 2024

"FOFINHO!"

 
Há muito tempo eu sou visto pela maioria das pessoas que me conhecem como o “gente boa”, divertido e educado, sempre de alto astral, pacífico, culto e inteligente (verdade!), que nunca discute nem entra em brigas. Talvez alguns estranhem o fato de ficar isolado em festas, de nunca me sentar em mesa de bar e coisas assim, mas tento disfarçar essa falta de vontade de conviver com a maioria das pessoas que conheço. Entretanto, algumas notícias de que fico sabendo fazem com que um urso feroz que hiberna dentro de mim se liberte. Aí eu fico furioso, puto, putíssimo da vida. E já que eu falei em urso, vou reproduzir uma historinha simpática, um “case” de sucesso. Transcrevendo:
 
A história do Teddy Bear, o icônico ursinho de pelúcia, remonta ao início do século XX e está ligada a um famoso episódio envolvendo o então presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt.
 
Em 1902, Roosevelt foi convidado para uma expedição de caça no Mississippi. Depois de horas sem sucesso na caçada, um de seus assistentes localizou um filhote de urso-negro, amarrou-o a uma árvore e sugeriu que o presidente o matasse, para garantir o "troféu". Roosevelt, no entanto, se recusou, achando injusto e desonroso abater o animal indefeso. O episódio foi retratado em uma charge política desenhada por Clifford Berryman no jornal "The Washington Post", mostrando Roosevelt com um ar de compaixão ao poupar o ursinho.
 
A charge viralizou na época, e, inspirado por ela, o lojista Morris Michtom, que era dono de uma pequena loja de doces e brinquedos em Nova York, teve a ideia de criar um ursinho de pelúcia em homenagem ao presidente. Ele colocou o brinquedo na vitrine de sua loja, com uma placa dizendo "Teddy's Bear" (O Urso do Teddy, referindo-se ao apelido de Roosevelt, "Teddy"). O sucesso foi imediato, e a popularidade do brinquedo cresceu tanto que Michtom fundou a Ideal Toy Company para atender à demanda.
 
Assim nasceu o Teddy Bear, que desde então se tornou um dos brinquedos mais amados e simbólicos da infância ao redor do mundo.
 
Voltando à notícia que me enfureceu preciso falar da minha personalidade dual, que me faz oscilar entre o ogro mal encarado e o “simpaticão”. Se eu fosse mais moço e bonito, talvez alguém até me chamasse de “fofinho”, quase um ursinho de pelúcia de tão gentil, uma espécie de “teddy bear” ambulante.
 
Talvez eu esteja me repetindo muito, mas depois de quase três mil publicações fica difícil me lembrar do que disse e como disse. Por isso, vou repetir: apesar de sempre me sentir muito amado, fui uma criança reprimida, castrada, policiada e educada para ser “bonzinho”. E essa característica nunca me abandonou. Pelo contrário, creio que foi até acentuada à medida que envelheci.
 
Hoje, por exemplo, eu sou o rei da gentileza e cordialidade. Sorrio para desconhecidos, seguro a porta do elevador até que todos entrem ou saiam, agradeço o atendimento que estiver recebendo, pergunto o nome de quem me atende, conto piadinhas, estou sempre de bom humor e tento fazer rir conhecidos e desconhecidos falando mal de mim ou ao contar minhas mazelas, reclamar da “idade do condor”, etc. Resumindo, sou um anjo de candura, o idoso mais fofinho que alguém pode encontrar (mas você lá e eu aqui, OK?)

Só que esse comportamento cortês é falso ou quase isso, mesmo que me traga o maior prazer. Na verdade, eu não sou um “ursinho fofinho”, sou um urso que teve a hibernação interrompida, daqueles que caminham silenciosos pela floresta e, de repente, atacam sem aviso. Um ogro turrão e mal humorado, que ri de si mesmo e das pessoas que acreditam em suas boas qualidades.
 
E foi esse o urso libertado depois de ler a notícia de que no Rio de Janeiro seis pessoas que receberam órgãos transplantados contraíram HIV. Dá para imaginar uma tragédia dessas? E há detalhes mais sórdidos. Segundo a notícia, o laboratório tinha emitido atestados de segurança dos órgãos. Ok, falhas humanas podem acontecer, mas parece que o buraco é mais embaixo. Transcrevendo:
 
 A Vigilância Sanitária fiscalizou o laboratório, mas não encontrou nenhum kit para teste de HIV. Os fiscais pediram a numeração dos testes já realizados e a nota fiscal de compra dos kits para analisar se havia algum erro de fabricação nos lotes. Mas o laboratório não entregou nenhum documento comprovando a compra dos itens. A polícia investiga se os testes foram realmente feitos.
 
Quer mais? Segundo o jornal O Globo, “Laudo de órgão doado com HIV tinha registro de biomédica de São Paulo, que nunca trabalhou no Rio”.
 
Só mais um pouquinho: o laboratório PCS era o responsável por esses testes no estado do Rio. E foi ele, logicamente, que fez os testes e liberou os órgãos para as cirurgias.
 
E agora é para acabar: um dos sócios dessa birosca é primo do ex-secretário estadual de Saúde, agora deputado federal pelo PP. Transcrevendo: O laboratório foi contratado três meses depois da saída de Dr. Luizinho da secretaria. A contratação para análises para transplantes foi feita em dezembro de 2023, em um pregão, por R$ 11 milhões.
 
Fala sério, tem ou não tem cheiro de putaria esse episódio trágico? Eu sinceramente torço para que isso seja apenas uma “comédia de enganos”, mas aqui não é a Escócia, aqui a escória se espalha por todos os lugares. Por isso, o ogro, o urso raivoso que hiberna dentro de mim sonha e defende as chibatadas da Indonésia, a prisão perpétua, a pena de morte, a lex talionis para combater e punir crimes hediondos ou cometidos por gente filha puta.
 
A Terra possui hoje oito bilhões de sapiens; um a mais, um a menos não faz diferença, mas punições e execuções "profiláticas" de canalhas tornam o ar mais respirável, concordam? Jotabê fofinho? Me engana que eu gosto!

COMEÇA HOJE!

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