O tema de hoje é meio esquisito pois vou falar de cerveja, logo eu que nem gosto de cerveja! Mas meu papel é só de documentarista. Por isso, já começo perguntando: você já ouviu falar do “vinho do padre”? Já? E de "cerveja do padre"?
“Vinho do padre” é nome popular que se dá ao “vinho
canônico”, fabricado especificamente para ser utilizado durante a missa
católica, simbolizando o sangue derramado por Cristo. Como este texto não se propõe a catequizar ninguém, não é para
conversão, só conversação (fraquinha!), vou contar a história da cerveja do
padre, graças a um vídeo antigo que minha mulher me enviou. Tão antigo que o
padre que nele aparece às voltas com a produção de cerveja morreu em 2020, por
aí.
Bom, eu disse que não queria catequizar
ninguém, mas seria de bom alvitre que os ateus – especialmente aqueles que
gostam de cerveja barata mas boa – se ajoelhassem no milho, ou melhor, na
cevada, e recitassem esta oração, uma benção, que consta no Ritual Romano (livro que reúne os ritos da Igreja Católica):
V. Adjutorium nostrum in nomine Domini.
R. Qui fecit caelum et terram.
V. Dominus vobiscum.
R. Et cum spiritu tuo.
Oremus
Bene
R. Amen.
Et aspergatur aqua benedicta.
Que, em língua de pagãos, pode ser traduzida assim:
BENÇÃO DA CERVEJA
V. A nossa proteção está no nome do Senhor
R. Que fez o Céu e a Terra
V. O Senhor esteja convosco.
R. Ele está no meio de nós.
Oremos
Abençoai, Senhor, esta criatura, a cerveja, que da riqueza do grão vos dignastes produzir, para que seja remédio salutar ao género humano; concedei ainda, pela invocação do vosso santo Nome, que quem quer que dela beba, receba [de Vós] a saúde do corpo e a tutela da alma.
E água benta é aspergida
Eu só não entendi por que usar água benta! Seria mais coerente usar a bem suada cerva para borrifar ou aspergir a produção mais recente, concordam?
Pouco importa. Como sexta-feira é o dia nacional da cerveja, podemos agora contar um pouco dessa simpática história. Era uma vez... (pensando bem, este não é um início digno de fé, mas vamos lá)
(Transcrevendo):
“Domingo, 02 de Julho (1893), chegou o ‘Ceará’ ao Rio de Janeiro. Conforme me falaram é um dos portos mais bonitos do mundo. Viajamos no mar sem problemas, 25 dias: de 08 de Junho até 02 de Julho. Graças a Deus chegamos bem em nossa nova pátria.” Esse é o relato que descreve a chegada de dois grandes missionários redentoristas que primeiro chegaram a terras brasileiras: Pe. Mathias Tulkens e Pe. Francisco Lohmeyer. Da Holanda para o Brasil! Ao chegar a Juiz de Fora, Pe. Matias entusiasmou-se com a cidade ao dizer: “parece ser a cidade mais civilizada e mais próspera do Brasil. Os alemães construíram com os seus próprios meios uma igreja e tinham um vigário próprio também alemão. Faz 4 meses que ele faleceu e os alemães ficaram sem vigário (trata-se do Pe. Adolfo Januschka). Eles ficaram muito satisfeitos quando souberam que eu ficaria um tempinho com eles. A cidade tem 25.000 habitantes, dos quais, conforme o vigário, 1.200 alemães, mas um ou outro me falou que eram 4.000. A igreja é pequena mas, isto é costume aqui; há bastante espaço para ampliá-la”.
Foi dessa forma que a Congregação Redentorista se instalou em Juiz de Fora, trazendo também seus costumes culturais, entre eles a tradição europeia da cerveja, especialmente a produção artesanal. A bebida fazia parte da dieta cotidiana dos religiosos e não era considerada alcoólica, sendo o vinho reservado apenas para ocasiões especiais.
Os missionários redentoristas, ao se estabelecerem no Morro da Gratidão (atual Morro da Glória), montaram uma cervejaria nos moldes dos conventos da Holanda, utilizando equipamento de alta qualidade importado de lá. A tradição cervejeira foi passada aos brasileiros, com destaque para o Irmão Geraldo, redentorista consagrado, pelo tempo que dedicou à produção da cerveja até 1994, momento em que paralisou a produção. Não sei o motivo dessa decisão, talvez por doença, velhice ou até mesmo falecimento.
Só em 2009, o Padre Flávio, então pároco da Paróquia de Nossa Senhora da Glória, restaurou a cervejaria com o auxílio de cervejeiros locais. Ele reativou o equipamento e resgatou a receita original, produzindo novamente a Hofbauer, em homenagem a São Clemente Maria Hofbauer, santo austríaco da Congregação.
Na Idade Média, a produção de cerveja era comum em mosteiros, e, para Padre Flávio, a bebida integrava a convivência comunitária e a fé. Após um intervalo de 15 anos sem produção, foi necessário estudo e paciência para reativar a cervejaria, valorizando o patrimônio histórico. Como disse o padre: "Do que vale um patrimônio se estiver parado, morto?"
Aqui cabe um depoimento pessoal. Conforme já contado aqui no Blogson, tive contato com uma senhora italiana, amiga e hóspede da sogra de minha tia, que nunca bebeu água durante os meses em que esticou sua permanência no país. Começou bebendo vinho, passando depois para cerveja (mais barata que vinho). Também falei de uma empresa alemã de engenharia, contratada para um serviço altamente especializado na obra onde fiz estágio, que fornecia cerveja (quente) durante o turno de trabalho para seus funcionários.
E para encerrar este texto tão embriagante, tão embriagador, acho razoável reproduzir a saudação suméria representativa de saúde e prosperidade: Pão e cerveja! (mesmo que eu prefira ficar só com o pão).
Desde a Idade Média, muitas das melhores cervejas do mundo eram e ainda são produzidas por padres, monges etc, principalmente na Alemanha e na Bélgica, em mosteiros e abadias.
ResponderExcluirMas desconhecia essa bela Benedictio Cerevisiae, a Benção da Cerveja, transposto do latim.
Não sabia que Cerevisiae é cerveja em latim, apenas que o fungo usado em sua fermentação (o mesmo do pão) é o Saccharomyces cerevisiae, que numa tradução capenga de minha parte seria algo como "fungo do açúcar da cerveja".
Quem será que recebeu o nome de quem? A cerveja do fungo ou o fungo da cerveja.
Sua postagem daria uma boa e instrutiva Cerveja-Feira.
Como você parou, eu fui "obrigado" a não deixar a pepeca cair.
ExcluirA pepeca? Kkkkkk
Excluir"liberdade poética"
ExcluirOlha só : https://aleteia.org/2016/07/03/the-blessing-of-the-beer
ResponderExcluirOlha, interessante isso, eu não conhecia tal história. Sabia que os monges sempre foram chegados a um vinho e a uma cerveja. Como eu fui criado na tradição evangélica - que proibia qualquer bebida alcóolica - eu só fui provar uma cerveja lá com uns 27 anos. ODIEI. Nem mesmo o tão celebrado vinho - bebida dos deuses - me desce muito bem.
ResponderExcluirÓtima postagem Jotabê. ("postagem" é um termo tão ruim, né?). Parabéns pelo artigo, crônica, ou o que o valha.
Eu não curto nem cerveja nem vinho nem qualquer outra bebida alcóolica, com exceção do licor de jabuticaba que faziam na casa de minha avó. Por isso, parar de "bebeer" foi tranquilo. Mudando de assunto, os católicos são gente meio largada, preferem um mchurrasco que uma missa; na hora da coleta, tiram dois reais do bolso sem nenhum constrangimento. A sensação que tenho é de os evangélicos são mais linha dura, moralistas, fundamentalistas, etc. Por isso, te pergunto: a qual igreja você pertence(ia)? Antigamente eu conhecia batistas, anglicanos, metodistas e luteranos. Eram chamados indistintamente de "protestantes", gente séria, correta, íntegra. De repente esse termo foi abandonado, surgindo o termo "evangélico" e, com eles gente da laia do Edir Mais cedo, Mala fala, Walemiro cowboy, etc. Eu ficaria super ofendido de ser colocado no mesmo caldeirão desses "pastores".
ExcluirEntão, quando os católicos eram a imensa maioria dos brasileiros, era quase natural dizer-se "católico", ainda que você nem fosse à igreja. Era o tal "católico não praticante".
ExcluirOs evangélicos, não; naqueles tempos não havia "evangélicos não praticantes". De fato, eram muito comprometidos com a fé evangélica, tanto os pentecostais(Assembleia de Deus principalmente) quanto aos reformados clássicos(presbiterianos, batistas, anglicanos, luteranos).
Eu me batizei em uma Assembleia de Deus aos 15 anos. Confesso que não tinha tanto comprometimento com a doutrina, eu gostava de pertencer à igreja principalmente por causa dos amigos que eu tinha lá e da música. Aprendi a tocar violão nessa época, sempre fui ligado à música.
anos depois entrei de cabeça no estudo da Bíblia, li literalmente, centenas de livros sobre temáticas cristãs e teologia; anos depois fiz um seminário. Aqui eu já frequentava uma neopentecostal: Igreja de Nova Vida - muito famosa por aqui por ter tido alguns pastores muito bem conceituados. Creio que foi a primeira igreja neopentecostal. Depois, na estribeira dela, começou a aparecer centenas de neos, inclusive as dos pastores que você citou, excluindo o Malafaia que é um pentecostal tradicional assembleiano.
Por uns 5 anos também fui da igreja batista.
Porém, já faz uns 10 anos que não frequento igrejas e nem sou membro ativo, mas tudo o que vivi e aprendi no campo religioso ainda molda algumas coisas no meu pensamento e nas minhas atitudes, e creio que só deixei as boas influências, as demais, descartei.
Hoje o mundo evangélico cresce exponencialmente e tudo está virando um samba do pastor doido, com muita igreja de PASPONE (pastor de porra nenhuma).
Achei super interessante e instrutiva sua resposta e deixo claro meu profundo respeito e admiração pelas pessoas que como você mergulham em sua fé, mas tenho algumas críticas a alguns aspectos valorizados pelos evangélicos ou, pelo menos, alguns evangélicos.
ExcluirA primeira crítica que faço é o motivo aparente desse “crescimento explosivo”. Para mim, quem foi batizado na igreja católica e resolveu participar de nova igreja está mais interessado no aqui e agora, na obtenção de bens materiais e nos “milagres” que os pastores apregoam e “realizam” a rodo, no atacado.
E esta é a segunda crítica: já ouvi gente humilde (creio que justamente a maioria que abandona a igreja católica) louvando e agradecendo a Deus por ter curado uma dor de cabeça que estava incomodando. Os tele-cultos do R.R. Soares são pródigos nesses “milagres”. A igreja católica aceita a existência de milagres, mas são tão difíceis de comprovar que é mais fácil viajar a Marte e voltar, tantas são as exigências para serem aceitos. Nas igrejas evangélicas, em algumas delas, os “milagres” acontecem às dezenas, em cada culto!
A terceira crítica é a “glossolalia”, também adotada pelos idiotas do movimento carismático do catolicismo. Quando vejo alguém falando em “línguas estranhas” eu morro de vergonha!
E a quarta crítica é a leitura e aceitação literal de textos escritos há milhares de anos. Há outras, mas paro por aqui.
Quando disse que os católicos são mais relaxados é pelo fato da maioria ir à igreja só nas datas especiais (semana santa, etc.). Preferem o futebol e o churrasco à missa. Outra coisa: católicos (alguns, pelo menos) fazem piadas envolvendo Jesus; e não fazem isso com a intenção de ofender, pois o Jesus das piadas não é o mesmo Jesus que é o Filho de Deus.
olha, um percentual enorme de evangélicos são pessoas oriundas do catolicismo. isso começou muito forte na década de 80. dizia-se que o povo católico estava enfadado com o rigor ritualístico e que uma liturgia mais moderna dos evangélicos, com músicas modernas e pregações empolgadas, era atraente. Acho que mudar de religião (apesar de católico e evangélicos serem da mesma religião, o cristianismo) é algo bem pessoal. Uns dizem que estavam enganados na religião anterior...
ExcluirNão vejo problema um devoto buscar milagres, os católicos fazem isso aos montes em suas peregrinações também.
Glossolália já é uma questão mais complexa que não dá pra desenvolver aqui.
Os católicos fazem peregrinações e pedem cura para seus problemas, mas a Igreja não aceita qualquer bobagem como fruto de milagre. Outra coisa: há muito tempo eu entendi que o catolicismo era mais racional e menos literal que as várias denominações evangélicas. Por isso, estabeleci que seu um dia eu resolvesse deixar de ser católico eu seria apenas ateu. E continuo achando que quem sai da Igreja Católica está se preocupando mais com sua vida terrena que com sua elevação espiritual, mais com a conquista de bens materiais que com a pacificação de suas angústias existenciais. E "falar em linguas diferentes" é coisa de idiota ou picareta (mas esta é só minha opinião), pois os apóstolos falavam em línguas vivas na época, não na "língua dos anjos". Morro de vergonha quando vejo um católico carismático fazer isso, juro.
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