Creio (sem ter certeza disso) que eu tinha
acabado de passar no vestibular de engenharia quando ouvi falar do Show
Medicina. Eu morava em um bairro de gente simples da periferia da cidade e não
tinha dinheiro nem vontade de assistir ao que considerava (sem conhecer) uma
demonstração de amadorismo e vaidade de gente pedante e metida a besta, pois Medicina
sempre foi o curso mais badalado da UFMG.
Eu poderia ter optado pela carreira de médico (e tinha pontuação suficiente no vestibular para entrar em qualquer curso), mas fui dissuadido disso por meu pai, um médico que nunca exerceu a profissão para a qual estudou. Então, eu olhava com desdém para um bando de metidos (que um dia ganhariam muitíssimo mais dinheiro do que eu jamais ganhei na profissão que escolhi).
Eu poderia ter optado pela carreira de médico (e tinha pontuação suficiente no vestibular para entrar em qualquer curso), mas fui dissuadido disso por meu pai, um médico que nunca exerceu a profissão para a qual estudou. Então, eu olhava com desdém para um bando de metidos (que um dia ganhariam muitíssimo mais dinheiro do que eu jamais ganhei na profissão que escolhi).
Aí algum lunático teve a ideia de fazer um “Show Engenharia”, que, com a graça de Deus, foi o primeiro e único (e Jotabé estava lá, mas quem quiser saber mais, que procure no blog o post “Uchou”).
A coisa estava nesse pé, os estudantes de engenharia com inveja enrustida do pessoal da Medicina – pois deviam pegar todas as meninas lindas e loucas para namorar um futuro médico. Para mim, eles deviam se julgar os fodas. Hoje eu vejo que alguns estudantes são mesmo fodas, pois para pagar mensalidade de R$ 16 mil o sujeito tem de ser muito foda. Ou então, como na piada, fodinha, pois foda mesmo é o pai que consegue desembolsar essa grana por mês. Mas estou me distanciando do tema deste post.
Hoje eu levei minha mulher para fazer exame de sangue num laboratório onde nunca tínhamos ido. E fizemos essa escolha pela acessibilidade, estacionamento ao lado e rapidez na divulgação dos resultados. Era a matriz de uma rede de laboratórios. E foi aí que aconteceu a surpresa e o encantamento que senti.
Quase todas as paredes estavam decoradas com pôsteres emoldurados do Show Medicina! E o que mais me encantou foi a beleza dos cartazes, sempre bem-humorados e supercoloridos. Fiquei tão fascinado por essa memorabilia que comecei a contar quantos estavam ali pendurados e a que ano correspondiam. Contei 27 cartazes, o mais antigo, se não me engano, de 1966. Imagino que, para ter conseguido tantos cartazes originais, o dono da clínica deve ter sido um dos mais entusiasmados integrantes desse show.
Chegando em casa, resolvi saber mais sobre esse show de amadores. Descobri que o Show Medicina foi montado pela primeira vez em 1954, sob a direção do então aluno Jota Dangelo (nome pelo qual se tornaria conhecido como professor de Anatomia da UFMG, expoente do teatro mineiro e Secretário de Cultura de Minas Gerais).
Além disso, soube que, a partir do golpe militar de 1964, “o Show passou a ser sistematicamente visado pelos órgãos repressivos da ditadura e até por seus ‘braços não-institucionais’. Um deles, o famigerado Comando de Caça aos Comunistas (CCC), truculento grupo paramilitar de direita, promoveu um atentado contra o Show Medicina – 1968 realizado no teatro do Instituto de Educação. Durante o espetáculo, os membros do CCC desligaram a luz do teatro e lançaram uma ampola de ácido corrosivo contra o palco, com o intuito de atingir os atores, mas erraram o alvo, e a vítima foi a irmã de um dos atores, sentada numa poltrona da primeira fila. (...) Em 1976, mais uma vez, o texto do Show foi proibido na íntegra, e os estudantes resolveram não refazê-lo. Assim, o Show daquele ano não foi apresentado e, o mais triste, também deixou de sê-lo nos dez anos seguintes”.
Em junho deste ano, mais um Show Medicina aconteceu, comemorando seus 70 anos de existência. Ver aqueles cartazes me fez voltar ao tempo de faculdade, quando eu desdenhava daqueles esnobes da Medicina. Eu estava errado, tal o profissionalismo que aqueles pôsteres sugeriam. Atores amadores? Sim, mas com garra e desejo de apresentar um bom espetáculo. E eu, um dos integrantes do mambembíssimo primeiro e único Show Engenharia, aplaudi silenciosa e mentalmente os shows que nunca me animei a assistir.
Muito interessante e emocionante e cativante essa tua lembrança. Gosto muito de "lembranças" - quem não gosta - reviver algo significativo em nosso passado.
ResponderExcluirNunca tinha ouvido falar nesses show de médicos, nem que foram perseguidos pelos gloriosos CCC. Mas os caras eram comunas ou não? rs
Eu quero voltar lá para fotografar todos os cartazes para depois publicar no blog, porque é impossível encontrar todos na internet. Quanto à repressão, já viu algum médico "comunista"? Só tem abonado! E que dizer dos que conseguem pagar as mensalidades absurdas cobradas por faculdades particulares?
ExcluirDaí meu espanto com a perseguição, apesar de quê, nossos "revolucionários" são todos filhos da classe média alta. Ou como já apelidaram, "esquerdas caviar".
ExcluirEu vivi toda aquela época e, apesar de ser um bundão que morria de medo de tomar prensa sem motivo, eu vi que os militares radicais estavam pouco se fodendo se você era de centro ou de esquerda ou até de direita light. Se era contra o regime o cacete comia. Era um tempo ameaçador, de medo. No caminho do ônibus em que eu voltava para casa haviam pixações deste tipo: "CCC - Comando de Caça aos Comunistas". Quem foi preso e solto depois teve sorte. Conhece a música "Angélica", composta por um dos integrantes do MPB-4 e gravada pelo Chico Buarque? Foi inspirada na tortura e morte do filho da Zuzu Angel, estilista de fama internacional, que queria saber o que tinham feito com o filho. Ela própria morreu em um acidente de carro suspeitíssimo. O link da música (linda) ´este: https://www.youtube.com/watch?v=FWx2-Axw4Eo
ExcluirE triste é ver gente endeusando aquela época (como nosso "amigo" Bozo elogiando torturador condenado)
Excluirsim, eu, apesar de ser militar (já na reserva) faço muitas críticas aos governos militares, principalmente os de Costa e Silva e Gaisel, onde a esquerda revolucionária resolver ir para a luta armada e os milicos não perdoaram. Eles ficaram paranoicos. Como você disse, censuravam qualquer um que criticasse o regime. A censura a jornais, espetáculos, etc. Muita gente que não deveria ser perseguida, foi, e pior, muitas morreram como o filho da Zuzu.
ExcluirNos governos de Gaisel e Figueiredo a coisa já estava bem mais relaxada. Figueiredo num rompante disse que ia "prender e arrebentar" quem fosse contra a abertura política que ele estava promovendo...rs
Eu acho que a tomada do poder em 64 foi necessária, o pais estava indo para um caos social, porém, os militares gostaram do poder e o que era para durar no máximo um ano, durou 21.
Este é um assunto em que não sou muito versado, apesar de ter 14 anos quando aconteceu o golpe de 1964 e ter lido todos os cinco livros-reportagem do Elio Gaspari. Antigamente eu chamava a deposição do João Goulart de “revolução”. Hoje eu penso que foi um golpe, mesmo que para impedir a expansão de um movimento que flertava com o comunismo. Eu odeio o comunismo e sua ideologia e projetos. Mas odeio também a ditadura dos presidentes militares. Na verdade, eu odeio qualquer tipo de autoritarismo e ditadura, independente de ser de esquerda, de direita ou religiosa. Para mim, as ditaduras de esquerda e de direita são como irmãs biológicas, só que criadas por famílias diferentes.
ExcluirVoltando aos presidentes militares, penso que o melhor de todos foi o Castelo Branco. O Costa e Silva e o Médici dispensam “apresentação”. Eu admirava o Geisel até ler o livro do Gaspari. Descobri que ele era um bronco, um caipira e muito religioso ´para meu gosto. A imagem ficou ainda pior depois de ler uma reportagem que revelou ter ele autorizado o assassinato de presos já rendidos no Araguaia. Para mim aqueles caras eram mais que idealistas, eram idiotas mesmo, mas não mereciam ser assassinados.
Quanto ao Figueiredo, o que penso dele não é muito elogiável, pois o cara era uma besta quadrada, rancoroso e escrotão. Quem eu admirava mesmo era o Golbery, inteligente e culto pra caralho.