Se tem uma coisa que me deixa incomodado é ser mal entendido, mal interpretado. E isso aconteceu recentemente quando disse me considerar um “ageless”. Os comentários que li me fizeram sentir mais apedrejado que mulher adúltera da Bíblia. Por isso, para tentar explicar o que para mim já estava claro, resolvi reunir trechos de postagens feitas desde o início do Blogson. Parei em 2020 por já estar de saco cheio e o texto resultante estar com quatro páginas, totalmente fora do padrão do Blog. Eu não quero parecer ser o que não sou, o que eu quero é ter a liberdade de pensar o que me der na telha. Quem quiser que leia.
Ultimamente, comecei a sentir algo parecido em relação aos idosos. Pode ser frescura, falta do que fazer, mas o fato é que eu sinto que de nós, os mais velhos, espera-se um comportamento "coerente" com a idade. Se alguém resolver rir alto ou fizer coisas inesperadas e idiotas no shopping (esconder-se atrás de uma coluna, por exemplo), pelo simples fato de estar alegre e despreocupado, provavelmente será olhado com vergonha e constrangimento pelos familiares, com reprovação e desconfiança pelos demais, como se o "preferencial" estivesse delirando ou definitivamente senil.
O que, afinal, eu quero dizer? Isso: de um senhor ou de uma senhora (assim imagino) espera-se sempre um comportamento "condizente" com a idade que o corpo aparenta, mais contido, severo, senhoril – ou então essa pessoa será julgada e considerada gagá, caduca, senil. Bela merda essa prisão!
Um dos meus filhos disse recentemente que minha geração “é mais largada". Segundo suas palavras “o que estranha não é uma pessoa mais velha fora do padrão sério/sisudo, mesmo porque a sua geração é mais largada. O que eu não entendo é uma pessoa querer se comportar como se pertencesse a uma geração que não a sua. E isso vale até para o que já se convencionou chamar de ‘adultescentes’.".
Achei graça, mas protestei veementemente, pois até hoje padeço de falta de traquejo social, pois ou fico travado (como ficava antes de começar a namorar minha mulher) ou fico muito "relaxado" tal como aprendi a ficar, convivendo com meus cunhados. Além disso, não pertenço a essa turma. Não quero parecer mais novo do que sou. Sou idoso, preferencial, mas não da "melhor" idade, porque isso é hipocrisia (melhor porra nenhuma!). Eu pertenço à turma da "gravidade", aquela onde tudo cai, está caindo ou já caiu (por enquanto, estou me referindo apenas à pele, dentes, cabelo e audição, pô!). Quanto ao resto, só o tempo dirá, mas imagino que o futuro seja meio tenebroso (a força "gravitacional" tende a ficar mais "intensa"...).
O que quero dizer é que dentro de mim (nada sei dos demais) ainda vive uma parte do menino, uma parte do adolescente, uma parte do jovem adulto. E esse Frankenstein mental às vezes pede atitudes de acordo com a idade que estiver mandando na hora. Mas aí, eu tenho que segurar ao máximo para não parecer retardado ou senil. Essa é a prisão dos idosos tidos como saudáveis, uma prisão feita de normas de conduta e convenções sociais.
Natal chegando,
comprar no shopping é inevitável.
Sem paciência para escolher presentes,
meu olhar se perde entre pessoas e vitrines,
no burburinho próprio da época.
Distraído, olho com meus olhos de vinte ou trinta anos.
Quando passo perto de algum espelho, no entanto,
a imagem que retorna é a de um senhor
de mais de sessenta anos,
com ar perplexo e apalermado. Sinistro.
Que aconteceu com aquele menino
que sonhava viajar em um Vera Cruz prateado?
Onde se escondeu aquele adolescente inseguro
que queria aprender a beijar lendo um livro?
Onde foi parar aquele jovem ingênuo
que um dia encontrou o amor de sua vida?
Que fim levou aquele pai que dormia,
incapaz de ajudar seus filhos com os deveres?
Onde está aquele homem insensível
que pensava mais em si mesmo?
É esse, aquele velho espantado
que se vê refletido em espelhos paralelos?
O mundo é dos jovens. Eu sei que essa é uma frase clichê, mas o mundo é definitiva e irrefutavelmente dos jovens. E isso ficou ainda mais patente com o surgimento das mídias sociais. Mas não me refiro aos que ainda estão na fase da adolescência. Os jovens de que estou falando têm entre dezoito e quarenta e cinco anos. Você poderá me perguntar o que quero dizer com isso. Mas, mesmo que não pergunte nada, já vou esclarecendo: esse é o mundo ao qual eu gostaria de pertencer, essa é a minha tribo ideal.
Não, não estou querendo parecer tiozão nem vestir bermudas com camiseta regata (creio ser esse o nome). Longe de mim essa breguice. O que eu gostaria mesmo é de estar nessa faixa etária. Já disse uma vez que não tenho saudade de épocas, estilos, moda ou ritmos musicais, não curto nostalgia. O que eu tenho - e isso é tristemente real - é saudade de mim mesmo, quando podia fazer as coisas que não fiz ou fiz e não deveria ter feito.
Ser jovem, ser ainda jovem é uma dádiva do Tempo. Aos mais velhos resta a arquibancada, resta observar, criticar (inveja pura) e sentir-se como um estrangeiro em um país ocupado e dominado por jovens.
Quando eu ainda ouvia discos de vinil, às vezes derramava um pouquinho de álcool no centro do disco, para tentar reduzir a chiadeira provocada pelo desgaste decorrente das sucessivas audições. Gostava de ver o álcool ir-se espalhando em direção à borda do LP, numa ótima demonstração da força centrífuga.
Pois bem, hoje eu me sinto como aquele álcool, que vai sendo cada vez mais conduzido para a borda, para a periferia da sociedade. Saudade de mim, entendeu? Estrangeiro? Esse cara sou eu!
A primeira empresa onde trabalhei seguia um protocolo meio bizarro: os engenheiros, o único arquiteto e os estagiários de engenharia eram indistintamente tratados por “doutor”, enquanto os demais profissionais de nível universitário (psicólogos, administradores, contadores e economistas) tinham de se contentar em ser chamados de “senhor”. E eu, um aluno relapso, irresponsável e medíocre, um legítimo doupone, um verdadeiro doutor em porra nenhuma, adorava ser tratado com essa reverência equivocada.
Hoje, aposentado - e, pior, idoso -, espanto-me quando alguém me chama de "senhor" ou de "Seu Zé", pois não é essa a imagem que tenho de mim. Minha carteira de identidade mental ostenta ainda o retrato de um homem mais jovem e mais sonhador. Mas cheguei à conclusão de que preciso me ajustar e atualizar meu perfil, aceitar e assumir definitivamente a idade cronológica que tenho.
Antes que isso aconteça, preciso resolver um paradoxo: quanto mais me chamam de "Seu Zé" mais eu vejo que "Meu" Zé não existe mais, talvez nunca tenha existido. A cada dia que passa sou menos Senhor de mim mesmo, cada vez mais distante dos sonhos e desejos irrealizados. Não sou senhor de nada! Como ser chamado de "Senhor" se nada mais tenho de meu, intrinsecamente meu? O "meu" Zé verdadeiro perdeu-se há muito tempo e nada pode agora resgatá-lo. Assim, quando alguém me chamar de "Seu Zé", pode acontecer de ficar tentado a perguntar "Cadê ele?", onde está ele, o meu Zé desaparecido, talvez até mesmo o doupone que eu fui um dia?
O espelho da sala me olha assustado
Carrancudo é o reflexo na janela
O espelho do banheiro manda um recado
É melhor comportar-me como se espera
De um senhor que tem a minha idade
Minha mente nem se toca e pondera
Que desdenha de normas tão austeras
Que circunspecta senioridade
Exibir é a mais vã das vaidades
É tentar ser o que não se é
E que é inútil ocultar o que se é
Isso sim, um gasto de energia pueril
Pois não há mal em fingir-se infantil.
Eu não tiro selfies e sou pouco fotografado em festas (não por vontade própria, talvez por julgamento estético de quem maneja a câmera), mas me atiro no blog com toda a falta de vergonha possível. Se isso faz com que eu pareça ser um tolo, um ingênuo ou alguém digno de pena, não estou nem aí. Quando o número de “seguidores” (detesto essa palavra!) do Blogson passou de dois para nove eu me assustei e comecei a me autopoliciar para não “manchar” minha imagem. Comecei a escolher textos e assuntos (melhor forma de se castrar a criatividade) que pudessem estar à altura dos novos amigos.
Mas resolvi mudar. Vou cada vez mais focar em piadas idiotas, trocadilhos deploráveis e comentários que um idoso nunca deveria fazer. Foda-se! Como minha expectativa de tempo de vida é baixa, eu quero é rir, mesmo que seja sozinho, mesmo que seja de mim mesmo, em qualquer lugar. Back to basic! Porque agora o que eu quero mesmo é entrar para uma confraria que cultive e aprecie o riso. E que ele seja crítico e politicamente incorreto, provocado pela ironia, sarcasmo, deboche ou maledicência. Se não existir, vou acabar criando uma. E, lembrando-me de uma piada antiga sobre um grupo de crianças no zoológico, já tenho até nome: Confraria das Hienas.
Mas eu entendi perfeitamente o que você quis dizer na postagem anterior. O que eu não entendo é:
ResponderExcluir- o que os velhos e velhas ganham na prática ao pensarem que tem mentes joviais?
Você mesmo escreve coisas contraditórias aqui. Há textos ou comentário seus expressando certa sensação de jovialidade, beirando a uma adolescência, assim como existem vários textos seus falando de esquecimentos de palavras, termos, inclusive você já me confidenciou que vem sofrendo de perda de memória recente. Então, aonde está a sua jovialidade mental? Você vai me responder que é seu estado de espírito. Então você ignora o corpo em si, ignora até as dificuldades de encontrar algumas palavras que gostaria, as suas memórias, para simplesmente se teimar a se convencer de que seu corpo está velho, sua mente está velha, mas você tem uma personalidade, uma presença de espírito super jovial. Tá bom, criancinha birrenta. E daí? Qual é o efeito disso na prática? Na prática, você continuará esquecendo coisas recentes, continuará não se lembrando de algumas palavras que gostaria colocar, continuará com suas características físicas, apenas proclamando que seu estado de espirito é super jovial. Você não percebe como essas ideias não levam a nada? Amanhã então vou acordar me sentindo a Fabiana mulher parruda, ursa colhedeira de mandioca, super jovial e feminina com as costas largas e a penca, e as pernas tão peludas quanto as de Tony Ramos, porque, o que importam meus 40 é tantos anos, minha pansa, meu pau, meus pelos, não é mesmo? O negócio é o sentir-se de acordo com nosso estado mental, ou estado de espírito.
Ninguém está dizendo que você não pode sentir-se como se sente. Acontece que ninguém é obrigado a escrever as doçuras que você deseja ler. Além do mais, muito me estranha você ter vindo com esse papo. Isso costuma ser coisa de mulher.
Tá bom, Fabiano, você e o Marreta me convenceram. Não sou realmente um “ageless”. Meu corpo exibe a minha idade real ou até mais um pouquinho. Meu cérebro padece dos problemas de memória que afligem os idosos, talvez até um pouco mais pelo histórico de demência na família (avó, tia-avó, mãe, tia, prima). Mas minha forma de pensar, minha mente comporta-se como se fosse uma espécie de Frankenstein, uma colagem ou mosaico de várias épocas da minha vida. Talvez se pudesse dar a isso o nome de “mente múltipla” ou “multiaged”, para ficar semelhante a "ageless".
ExcluirQuanto à questão de dizer ou pensar “coisas de mulher”, não ligo a mínima. Como cantou o Pepeu Gomes, “ser um homem feminino não fere o meu lado masculino”.
Meu querido, você pode ser como você bem quiser. É por isso que não faço gracinhas em relação a identidade de gênero. Se o cara acha que mentalmente é uma Lady, quem sou eu pra dizer que não.
ExcluirContinua sem entender!
ExcluirAí, Jotabê, é isso mesmo. A idade é só um número. As vezes a gente se sente como se tivesse vinte anos. É tão curioso, né, transitar em um mundo onde o nosso corpo diz uma coisa, mas a nossa cabeça é diferente, é como se ela não acompanhasse o corpo...
ExcluirVocê mesmo, mostra todo dia como tem uma ótima mentalidade através dessas publicações tão legais aqui no blog.
Adorei esse assunto.
Um grande abraço, Jotabê
Sei que como é isso, também me incomodo (ou incomodava) de ser mal interpretado. Antigamente eu me doía bastante, ficava pensando "mas porra, estou sendo tão claro e o cabra teima em não entender.." hoje, já sou mais de boa, de vez em quando mando um "foda-se", em outros, tento explicar e se não entender, paciência.
ResponderExcluirÉ de suma importância cultivar um "cérebro jovem" na velhice. E o que é isso? é se achar garotão e sair por aí sendo inconsequente? NÃO. Manter o cérebro jovem é não se fechar em sua própria condição temporal.
Exemplo: "Ah, eu já sou velho, não consigo mais aprender isso.
Por que não? Conhecer e descobrir coisas novas, coisas "jovens" é o próprio supra-sumo para que o cérebro envelheça ativamente.
Eu, gosto de ficar entre os amigos do meu filho. Saio com eles para passear, vejo quais são os novos vocábulos que inventam, quais são os jogos que estão jogando (apesar de eu mesmo não ser muito fã de jogo eletrônico a não ser o clássico "come-come").
Da mesma forma, assisto animes com meu filho. "Anime", seu velho, são desenhos animados japoneses - e eles são ótimos. discuto com ele as histórias, os dramas vividos pelos personagens. Isso para mim é mantar uma atitude mental jovem.
Não tem como fugirmos da degradação da idade. O corpo vai sentir, uns aos 60, outros aos 70, outros aos 80, 90. O avô da minha esposa morreu com 101 anos vivendo relativamente bem até então. Tinha uma mente afiada. Mas até mesmo para envelhecer com mais disposição, as atividades físicas são obrigatórias. Ser ativo, subir escadas, lavar o banheiro; fazer caminhadas, musculação. tudo isso vai ajudar o corpo a envelhecer com mais saúde.
E repetindo, apesar de hoje em dia ser mais fácil "envelhecer bem", envelhecer sempre será uma merda do ponto de vista da limitação mesmo - porém, estão aí um monte de velhos que cagaram para a limitação do corpo. Ontem mesmo li a história de uma senhora de 70 anos que corre maratonas e que vem batendo recordes em cima de recordes em sua categoria e ela só começou a correr aos 60!!
Putz, escrevi pra caramba, desculpa aí.
Que nada, adorei o comentário. Meus filhos sempre me "aplicaram" as novidades de música, livros e cultura em geral. Só não tenho saco para desenho japonês (eu sabia o que é "anime").
Excluir"Porque agora o que eu quero mesmo é entrar para uma confraria que cultive e aprecie o riso. E que ele seja crítico e politicamente incorreto, provocado pela ironia, sarcasmo, deboche ou maledicência. Se não existir, vou acabar criando uma. "
ResponderExcluirTô dentro. Vamos criar a confraria dos velhos safados, sarcásticos da gargalhada debochada.
Bora lá!
ExcluirSe tiver cerveja nessa confraria, eu tô dentro!
ExcluirSó se for a do padre (spoiler).
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