quinta-feira, 3 de outubro de 2024

O BOM SENSO É SEMPRE UM BÁLSAMO

Dia desses li em algum portal de notícias um artigo escrito por Thaís Nicoleti e publicado pela Folha de São Paulo. O título muito atraente e sedutor era “Alterar estruturas da língua pode alterar as relações sociais?” e o subtítulo, para mim, já respondia muitas de minhas dúvidas, ao registrar que “Conjunto de falantes é o árbitro das mudanças linguísticas”. Gostei tanto do que li que tentei copiá-lo para fazer uma postagem aqui no blog. Infelizmente, não consegui, pois a Folha é muito fresca e não permite cópia do que publica. Talvez, se eu fosse assinante até conseguisse, mas não sou.
 
Mas Jotabê é brasileiro e não desiste nunca. Por isso, a solução foi dar vários prints no texto, jogar as imagens numa página em branco do Word e depois digitar palavra por palavra, uma trabalheira filhadamãe. Mas consegui.
 
Por questões de direitos autorais, imagino não poder transcrever o texto todo, mas algumas partes acho que dá para reproduzir. Tentei também descobrir quem é Thaís Nicoleti e descobri que “é professora de português. Consultora de língua portuguesa no jornal brasileiro Folha de S. Paulo, escreve sobre este tema na coluna Vale a Pena Saber e na Redação do Leitor”. Resumindo, entende pra caramba do assunto. Feitos os devidos esclarecimentos vamos aos trechos que me impactaram. Preciso também avisar que negritei os trechos mais significativos para mim.
 
É sempre interessante observar como nossa língua se comporta diante das tensões que nela se refletem. De uns tempos para cá, muita gente passou a ser corrigida em público nas transmissões ao vivo na internet por uma audiência empenhada em rastrear as marcas de racismo, machismo, homofobia e demais preconceitos que estariam inscritos na língua. Não foram poucos os que passaram a monitorar não apenas a fala alheia como a própria, ciosos de que mudar as palavras é uma forma de mudar o mundo. Talvez seja, talvez não seja. O tempo dirá. (...)
 
O verbo “denegrir” mesmo sendo usado desde o latim no sentido de manchar a reputação, foi um dos principais alvos das cartilhas de letramento racial que apareceram na internet, associado à cor da pele de pessoas, sempre com a advertência de que era muito importante mudar os hábitos linguísticos. A motivação é das melhores; só não sabemos ainda se isso vai contribuir de fato para o fim do racismo e dos demais preconceitos. 
Dia desses ouvi uma pessoa ser corrigida em uma live ao usar a expressão “mãe solteira” que deveria ser substituída por “mãe solo”. A explicação era que “mãe solteira” é uma expressão preconceituosa porque o estado civil não tem nada a ver com a maternidade. Perfeito. Nesse caso, talvez o ideal fosse a supressão do adjetivo: já que não se diz “mãe casada” ou “mãe viúva”, por que dizer “mãe solteira”? Bastaria de dizer “mãe”. (...)
 
Há algum tempo tribunais eleitorais vinham usando com insistência a construção “eleitores e eleitoras” e também “pessoa eleitora”. Parece que as coisas andaram mudando. Em trabalhos acadêmicos, sobretudo na área de humanidades, passou a ser “obrigatório” o uso da linguagem dita “inclusiva”, de modo que onde se lia “os historiadores”, se passou a ler “os historiadores e as historiadoras” – e assim por diante, sempre com as duas palavras, no masculino e no feminino. No meio acadêmico o uso se tornou comum. 
Uma coisa, porém, temos de reconhecer. Essa prática, além de tornar o texto enfadonho, é totalmente desnecessária.(...)
 
A língua é sábia. Ela seleciona o que funciona. Por exemplo, na sala dos professores, reúnem-se pessoas que lecionam na escola (professoras e professores); o sindicato dos bancários congrega pessoas que trabalham em bancos (bancárias e bancários); nesses casos, como em muitos outros, importa a profissão das pessoas, sendo isso o que as unifica (professores, bancários). Já pensou duplicar todos os termos o tempo todo? Ninguém consegue, ninguém aguenta. (...)
 
O problema é que não está a nosso alcance fazer uma mudança desse teor, de caráter estrutural. A língua é uma construção coletiva autogerida. É a coletividade representada pelos falantes que determina o que muda e o que não muda, o que tem cabimento e o que não tem. É fácil perceber isso no caso dos neologismos, que quando úteis ou funcionais, passam a integrar a língua, mesmo que alguns os rejeitem por apego à tradição ou por outro motivo. (...)
 
Não faz tanto tempo que o verbo “acessar” era malvisto pelos gramáticos (em Portugal usa-se “aceder”), mas hoje, embora ainda figure no dicionário “Houaiss” como “informal”, é frequentemente usado na imprensa e nos meios universitários. Sobre as cartilhas de “termos politicamente corretos”, seu valor está em mobilizar discussões e processos de conscientização, mas, na prática, são insuficientes para determinar mudanças definitivas na língua. É sempre o conjunto dos falantes quem define o que funciona – e por óbvio, isso ocorre naturalmente, não mediante algum tipo de enquete. (...)
 
O tempo dirá se a sociedade mudou no rastro das palavras ou se o movimento é exatamente o inverso. Aguardemos.
 
O texto todo e, em especial, as partes em negrito funcionaram como um bálsamo para mim, cada vez mais irritado com as tolices propostas pelos defensores da “linguagem neutra” e incomodado com as adequações de gênero que alguns tentam impor (na marra), ao adotar idiotices como “todes” em lugar de “todos” ou “todas”, “amigxs” ou "amigues" em lugar de “amigas” ou “amigos”. Espero que tenham gostado. Eu gostei, pois ao escrever com conhecimento e elegância sobre um tema que me fascina e atrai, a professora Thaís como que "psicografou" o que eu penso e sinto. 

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