quarta-feira, 23 de outubro de 2024

PARA SEMPRE CORDIAL

 
Esta noite/madrugada acordei com uma sensação boa, com o desejo sincero de deixar de ser um ogro mal humorado ou, pelo menos, passar a ser um ogro gentil. É claro que eu não me vejo sentado em uma mesa de bar jogando conversa fora enquanto tomo uma coca-cola (ou leite com toddy trazido de casa). Isso é muito para mim. Talvez fosse melhor dizer que isso não significa nada para mim, um introvertido caladão que gosta de ficar isolado em um canto, só observando o que rola em festas de aniversário ou de fim de ano.
 
Mas comecei a desejar transformar em realidade o comportamento falso que sempre adotei ao me aproximar das pessoas, especialmente daquelas que poderiam ter alguma utilidade momentânea para mim. E esse desejo de mudança começou a brotar depois de publicar o texto “Disjuntor”. Pode parecer engraçado, mas constatar que o tempo de vida médio de mais de oitocentas personalidades falecidas em 2024 foi de 75 anos, mesmo sem levar em conta a “causa mortis”, mexeu um pouco comigo, um jovenzinho de 74 anos.
 
Talvez esteja acontecendo comigo o mesmo que já aconteceu com muitas pessoas no fim da vida, o desejo de corrigir ou reescrever os capítulos finais que já se encontravam esboçados ou rascunhados. Pouco importa o motivo, na verdade. Mesmo assim, resolvi pesquisar meu disjuntor particular, pois meu último sonho real é poder ver minhas netas adolescentes, poder estar presente em suas festas de quinze anos, vê-las com seus namoradinhos ou namoradinhas (por que não?). Para isso, eu preciso viver até os 84 anos. Assim, reuni em uma planilha os dados de meus pais, avós e dos tios e tias já falecidos. E a situação encontrada foi esta:
 
Meu pai e minha mãe morreram respectivamente com 85 e 88 anos, o que me deixou animadinho, mas a média de vida dos parentes do sexo masculino (tios, avô materno e pai) chegou, só em 80 anos. Sacanagem! Se isso acontecer comigo será como perder o jogo na disputa de pênaltis. Apesar da decepção, isso não invalida meu desejo de ser um ogro feliz. Por isso, a partir de hoje, procurarei sinceramente tratar a todos da forma mais amistosa e cordial possível. Claro, isso será mais significativo no contato com pessoas humildes.
 
Sorrirei sem espalhafato, perguntarei o nome de quem me atender (mesmo que o esqueça dentro de 10 segundos), falarei da sonoridade obscena do meu próprio, só para ver o riso debochado ou desconcertado das pessoas, agradecerei o atendimento que receber, cederei o meu lugar na fila para senhoras idosas, serei o último a entrar no elevador só para que a porta não se feche, cumprimentarei discretamente quem passar por mim na rua – sempre olhando nos olhos das pessoas, só para que elas saibam que alguém as notou. Assim, quando eu morrer com 80 ou 85 anos, gostaria que se lembrassem de mim como um sujeito amistoso, gentil e educado, alto astral e gente boa. Mas esse é o desejo de uma pessoa viva. Depois de morto, não ligarei a mínima se ninguém se lembrar de mim.

4 comentários:

  1. Belo texto que gostei de ler
    Cumprimentos poéticos

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  2. E aí, velhinho? (como dizia o Pernalonga), beleza?

    Olha, cada um é como é. Uns mais introvertidos, outros mais extrovertidos. Uns mais bem humorados, outros ogros que não gostam de gente...é difícil mudar a personalidade mas é possível. Eu sempre fui muito ciumento, e isso atrapalhou bastante meu primeiro casamento. Quando ele terminou e eu conheci minha atual esposa (juntos há 20 anos) eu decidi que ia me livrar do ciúme doentio e me livrei. Fez bem para mim. Mude o que você acha que será melhor para você, não para os outros.

    Quanto a esse negócio de idade, ver quando os pais morreram...sei não. Os meus não passaram dos 80 e morreram com doenças ruins. Meu pai aos 78 com câncer na bexiga, minha mãe aos 77 com alzheimer.

    Não sei se verei algum neto, afinal de contas, fui pai já bem coroa aos 45 anos. Não tive filhos do meu primeiro casamento aos 24 anos.

    O que será que será? O tempo dirá, vamos viver tudo o que há pra viver, como canta Lulu.

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    1. O engraçado é que eu usei hoje essa fala do Pernalonga em um zap para um dos filhos., sugerindo que me dissesse isso. Quanto ao resto, meu caro Eduardo, creio que a velhice finalmente entrou dentro de fim e, pior, sem lubrificante e sem camisinha.

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  3. Concordo com Eduardo, cada um é o que é. E onde o Eduardo escreveu "eu decidi que ia me livrar do ciúme doentio e me livrei. Fez bem para mim.", me deu vontade de abraçá-lo como se faz a uma pessoa querida. Ciúmes é horrível e intolerável. Quando a pessoa quiser aprontar, ela vai aprontar. O ciúme só serve pra facilitar tudo. Que bom que conseguiu essa evolução. Desejo que continue assim.

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