terça-feira, 22 de outubro de 2024

A FÁBULA DA VAQUINHA

 
Há muito tempo, li que a revista Forbes tinha feito um ranking da fortuna dos telepastores mais importantes do Brasil. O espertíssimo dono da Igreja Universal do Reino de Deus era (e é) o mais rico de todos, com um patrimônio de R$ 2 bilhões. A partir daí, passei a chamá-lo de “Edir Mais Cedo” (porque Deus ajuda a quem cedo madruga).
 
Esquecendo o trocadilho idiota, o fato é que algumas pessoas parecem colocar nas mãos de Deus as providências que só a elas cabe tomar, esquecidas de que "Deus ajuda a quem cedo madruga". Estava pensando nisso quando me lembrei de uma historinha, uma fábula contada por um ex-colega.
 
O pernambucano Jair era uma espécie de braço direito do chefe do setor onde trabalhávamos. Mesmo sem ter, aparentemente, nem curso técnico, ele era o tipo de faz-tudo: esperto, desenrolado, sempre disposto a mostrar serviço.
 
Um dia, ao entrar na sala onde trabalhava, fiquei espantado com a mesa coberta de caixas box que ele diligentemente arrumava. Perguntei o que estava fazendo ou procurando e ele deu um sorrisinho cínico, dizendo algo parecido com isto:
– Quando ninguém me passa nada para fazer, eu pego essas caixas do arquivo e reorganizo a papelada que tem nelas. Assim, se algum chefe entrar na sala, verá que estou trabalhando. Agindo assim, mostro que sou útil e não dou motivo para ser demitido.
 
Achei a maior graça do cinismo e da esperteza declarada. Um dia, ele me confessou ter proposto ao chefe do setor que comprassem um equipamento de terraplenagem, talvez uma pá carregadeira ou uma retroescavadeira. Assim, poderiam fazer pequenos serviços para outras empresas, alugar o equipamento, desaterrar lotes, coisas assim. O chefe entraria com a grana, e ele com o trabalho. A proposta foi aceita, e ele se atirou na tarefa de encontrar o equipamento com o melhor custo-benefício.
 
Encontrado o equipamento ideal, levou a proposta ao chefe e futuro sócio, que desconversou e negaceou. A nova microempresa morreu antes mesmo de nascer. Jair ficou tão decepcionado e desgostoso que pediu para tirar férias. E disse ao colega que dividia a sala com ele:
– Quando eu voltar, terei uma empresa, nem que seja em cima deste armário!
 
Quem me contou essa história foi o próprio Jair. Segundo ele, durante as férias, teve a ideia de fabricar calças jeans, réplicas das melhores marcas à venda na época. A primeira providência foi comprar uma máquina de costura industrial, que instalou na casa da costureira-sócia que havia encontrado. Creio que comprou também uma máquina de acabamento (overlock, se não me engano), instalada na casa de outra funcionária-sócia.
 
O passo seguinte foi comprar uma calça de cada numeração da marca Zoomp, top de linha na época. Cuidadosamente, ele e a esposa desmancharam peça por peça de cada uma das calças, para servirem de molde. Comprou tecido jeans, botões, linhas, zíperes, tudo de ótima qualidade, e deu início à produção. Para minimizar o desperdício, a esposa era a responsável por cortar o tecido. Depois de prontas, as calças eram vendidas em butiques, que tinham apenas o trabalho de colocar suas etiquetas nas "Zoomp do Paraguai".
 
Quando me contou isso, ele já tinha comprado mais uma máquina de costura e tinha trocado o apartamento antigo por um em plena zona sul de BH. E continuava organizando suas caixas box.
 
Em determinado momento, a empresa onde trabalhávamos começou a dar sinais de que “estava subindo no telhado”: atrasava salários, demitia funcionários, tornando o ambiente de trabalho inseguro e preocupante.
 
Foi aí que o Jair me contou a fábula que inspirou este texto. Ao me dizer que estava deixando a empresa e voltando para sua cidade natal, contou que seu tempo ali tinha acabado. Estava vendendo o apartamento, já tinha despachado os equipamentos para Recife, e logo estaria viajando. Mas não estava preocupado, pois um irmão já havia conseguido uma encomenda para fabricar fardas para a polícia local (ele não dava ponto sem nó!).
 
E esta é a fábula:
“Um dia, Jesus e seus discípulos iam de Nazaré para Tiberíades, quando começou a anoitecer. Vendo uma casinha ao longe, resolveram pedir pousada para passar a noite. O proprietário tratou-os super bem, serviu-lhes queijo, coalhada, manteiga, tudo o que produzia com o leite da única vaquinha que possuía.
 
No dia seguinte, agradeceram a boa acolhida e continuaram a caminhada. Um dos discípulos disse para Jesus que aquele bom homem merecia ser recompensado de alguma forma. Jesus, então, respondeu: – Eu já cuidei disso.
 
Tempos depois, alguns dos discípulos percorriam o mesmo caminho e assustaram-se com a magnificência da antiga casinha. Comentaram entre si que o Mestre realmente tinha ajudado o dono da vaquinha. Pediram pousada novamente e perguntaram o que tinha acontecido. Um verdadeiro milagre. E o homem explicou: – Depois que vocês foram embora, a minha vaquinha adoeceu e morreu. Aí, eu tive de trabalhar!”
 
E a moral que o Jair extraiu dessa fábula foi esta, ao me dizer: 
– Esta empresa em que trabalhamos é a vaquinha! Nós nunca conseguiremos nada ficando acomodados!
 
Hoje, lembrando-me desse cara esperto e safo (como se dizia antigamente), e da história da vaquinha, vejo que ele “acordou mais cedo” e não deixou apenas nas mãos de Deus o destino de sua vida. Grande Jair!

3 comentários:

  1. Um verdadeiro Messias, esse Jair.

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    1. Messias, eu não sei, mas esperto até não mais poder. Um dia ele me disse: "se você vender uma agulha de costura a cada minuto isso é um bom negócio, mas se você vender um carro por mês isso é um péssimo negócio"

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    2. Puta merda! Estou ficando lesado mesmo! Só agora eu percebi a sacanagem da comparação. Jair Messias... Recuso-me a completar o nome.

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