Acabei de ver no canal Arte1 um documentário sobre
o cartunista Hergé e seu personagem Tintim
(“Tantan”). Hergé desenhou as histórias em quadrinhos do jovem repórter Tintim
durante mais de 50 anos. Em algum momento desse tempo – e o documentário destaca
isso – sentiu-se escravizado pelo personagem, como mostra o desenho feito por ele:
o personagem Tintim está com um flagelo na mão enquanto o autor se esforça para
criar as histórias. O que tinha sido prazer havia se tornado uma obrigação.
Segundo matéria encontrada na internet, “Hergé dedicou toda a sua vida a Tintim, e nem
sempre foi fácil. ‘Tintin sou eu: meus olhos, meus pulmões, meus sentimentos, minhas
entranhas!’ ele explicou para justificar por que não queria que mais ninguém continuasse
as aventuras de seu personagem principal depois que ele morresse.
Mas ele
era um homem atormentado, consumido pelo trabalho, preocupado com a espiritualidade
e obcecado em alcançar a perfeição - um homem muito mais complexo do que se pensava
há muito tempo. E, como muitos grandes artistas, a fama não fez nada para diminuir
o seu fardo”.
Já observei que esse desconforto em continuar
fazendo o que os tornou famosos não é uma raridade entre grandes artistas, mesmo
que possa ser um sentimento transitório. Em 2016, incomodado pela pouca inspiração
para escrever textos atraentes ou engraçados (essa reclamação vem de longe!), escrevi
um post de onde tirei trechos que republico aqui.
Você sabe o que Joaquín Salvador Lavado Tejon, Henrique de Souza
Filho, William B. Watterson II e Arnaldo Angeli Filho têm em comum? Não sabe nem
quem são eles? Vou aliviar um pouco: eles são mais conhecidos como Quino, Henfil,
Bill Watterson e Angeli. Melhorou agora? Ainda está complicado? Difícil, heim??
Esses quatro cavalheiros são os cartunistas que criaram os personagens
Mafalda, Os Fradinhos, Calvin e Hobbes (ou Calvin e Haroldo) e Rê Bordosa. Agora,
se você disser que ainda está em dúvida, acho que seu negócio é procurar uma revista
Caras para ler (folhear, melhor dizendo) ou dedicar-se mais um pouco ao seu grupo
de WhatsApp.
Falando um pouco mais sério, os quatro cartunistas citados têm
em comum, além da genialidade, o fato de em algum momento terem parado de desenhar
seus personagens. Quino afirmou que não voltaria a desenhar Mafalda agora porque
"os jovens de hoje estão desiludidos e não querem mudar o mundo para melhor,
ao contrário da década de 1970, quando nasceu a personagem".
Há quem diga que Angeli "matou" a Rê Bordosa porque
a popularidade da personagem ficou tão grande "que ela estava perdendo a sua
essência e que os editores queriam torná-la produto para a grande massa, tornando
sua linguagem simples e estampando-a em lancheiras, cadernos e outros produtos.
Sendo assim, o cartunista teria resolvido dar cabo da vida da porra-louca.
Henfil ficou meio dividido: primeiro, o fradinho Baixim deu uma
banana para os leitores do Pasquim e saiu de cena. O fradinho Cumprido pôde então
se esbaldar, até ver que o Baixim tinha voltado. Ao abraçá-lo, vem um caminhão e
mata os dois, que param sucessivamente no céu e no inferno, tendo sido expulsos
dos dois. Não me lembro mais se continuaram a ser desenhados no Pasquim, pois o
Henfil foi para os Estados Unidos, voltou, criou a revista Fradim (com histórias
hilariantes dos fradinhos) e morreu.
O certo é que em algum momento esses artistas geniais pararam
definitivamente de desenhar seus personagens. Cada um teve seu motivo e saber qual
foi não vem ao caso. A única certeza é que eram magníficos, reflexivos, engraçadíssimos,
sensacionais, sucessos de público e de crítica.
Quando criei o Blogson por sugestão de um dos filhos, a primeira
coisa que me ocorreu foi aproveitar as toneladas de bobagens que tinha encaminhado
para minha família e mais três amigos. Isso até que funcionou, pois me diverti bastante
divulgando posts diários, revisando, alterando, descartando, enxugando, ampliando,
etc. Até hoje ainda tenho algum lixo inédito. Alguns, jamais poderei divulgar, pois,
nesses tempos enjoativamente corretos, correria o risco de ser, no mínimo, execrado,
excomungado, admoestado ou até processado. Fazer o que, não é mesmo? "Va',
pensiero, sull'ali dorate"!
Mas tenho sentido um tédio, um desencanto com os rumos do blog.
Me pego pensando sobre o que publiquei e surgem as inevitáveis perguntas: para quem
eu escrevo? A quem desejo impressionar? Tenho realmente alguma coisa a dizer? Isso
tem alguma relevância? E as respostas que encontro são respectivamente "não
sei"; "todo mundo?"; "não" e "não".
Diante desse quadro, lembro-me de um texto que encontrei na internet:
"Porque eu escrevia já não sei, algo de
vaidade, esforço pra ser diferente, ousar o título de poeta, intelectual, deixar
marcas na vida quando eu me for. A ideia de ser um cara genial, com ideias avançadas
e futuramente escrever no Estado de Minas e aparecer no Jô Soares pode ter funcionado
como catalisador... Mas como isso tudo é muito estúpido e sem sentido, penso que
acabei por naturalmente perceber que não havia porque escrever". O autor é
Rafael Prosdocimi.
Deu para perceber onde quero chegar, não é? (se alguém responder
"dei", vai pegar mal). Constrange-me dizer, nem minha mulher se interessa
mais em ler o velho Jotabê. Talvez porque eu não tenha mesmo nada mais a dizer (se
já tive algum dia). Talvez o bom senso esteja com ela.
Os "produtos" do blog com melhor aceitação são os textos
relacionados às minhas lembranças. Portanto, não adianta forçar a barra, não sei
mesmo fazer humor, sou apenas um contador de "causos". O problema é que
as lembranças se esgotam!
Então é isso: longe de mim querer
sequer me aproximar dos artistas geniais que citei neste texto. Porém uma coisa
é certa: o que já foi prazer hoje é apenas a manifestação de uma obsessão ou maldição
– a minha sina, a minha triste sina é alimentar o blog com bobagens cada vez mais irrelevantes, porque não consigo dele me afastar (ao contrário
dos antigos leitores).
Eu também não sei por que continuo alimentando o Marreta, embora tenha conseguido diminuir bem o ritmo.
ResponderExcluirEu tenho me sentido um viciado que sabe que precisa abandonar o vício mas não consegue. O blog tornou-se um fardo para mim. Isso tem-se refletido no tipo de publicações feitas. E a gramática, meu amigo, tudo agora são dúvidas. Parece que minha mente está virando geléia. Ao contrário do Picasso, não quero mais ser moderno ou eterno. Se puder ser apenas hodierno já está bom. Abraços.
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