domingo, 24 de março de 2024

PREGABALINA

Como eu estava esguichando ansiedade, alguém recomendou que eu usassse pregabalina. Até pensei que seria uma pomada com propriedades, digamos, anestésicas, mas não era. Era um danado dum comprimido que provoca alucinação. E mesmo que meu nome não seja Belchior eu viajei na maionese, uma viagem que me levou a uma cidadezinha sui gênero.
 
A cidade não fica no meio de um deserto, é o deserto, um deserto de idéias e areia que fica no meio da cidade. E por detestarem areia sem praia, nem mesmo para a prática de vôlei de praia, os habitantes foram edificando seus prédios em torno do deserto. E esse anel é tão perfeito que as autoridades com aquela velha mania de homenagear desconhecidos que ninguém conhece resolveram dar à cidade que se chamava Nada o pomposo nome de As-ovdeuolde, um brilhante cientista local, morto ao fazer sua primeira experiência. Mas os moradores, graças ao anel urbanístico assim formado, chamam sua cidade – mesmo que ela nunca venha – de cu do mundo.
 
Por ser uma cidade com pouca renda e outros aviamentos, os autoritários resolveram transformá-la em um polo turístico para esotéricos, hippies velhos, bichos-grilos, tilelês, maconheiros, loucos mansos e todo tipo de gente que sonha com um mundo para chamar Dirceu.
 
A primeira providência foi chamar uma moradora com dotes artísticos, para pintar um trecho da borda do deserto, um arco de circunferência. Mas a tinta escolhida acabou e a artista se viu forçada a usar várias cores para realçar o arco. E o resultado ficou tão expressivo que os moradores mandaram pintar “Arco da Iris” (Iris era o nome da pintora) em uma placa indicativa do lugar (subjuntiva também). Resolveram também arranjar uns unicórnios para dar mais sorte ao município.
 
O problema é que os unicórnios arranjados eram apenas uns pangarés usando um chifre falso, um corno feito em impressora 3D. Acho que foi daí que surgiu a expressão cornucópia. Arranjaram também uns pássaros sem asa, da família das pombas rolas, só para dar sentido ao ditado de que mais vale um pássaro na mão que dois presos na gaiola. E por serem mansos, muita gente quis pegar as rolas na mão.
 
Para completar as atrações turísticas, arranjaram um sapateiro-cantor que cantarola “tu pisavas nos astros distraída” enquanto costura estrelas em seus sapatos.
 
A cidade conta (e reconta) com um pintor do vento, como ele mesmo se define. Em dias de vendavais e com a ajuda de uma pistola ele joga a tinta para o alto, na esperança que a cidade fique com uma cor local, mas só as roupas nos varais indicam se obteve sucesso ou não.
 
Por sempre viverem no mundo da lua a principal diversão da gentalha que mora naquela cidade é fazer luaus e tomar aluá enquanto admiram seu deserto de ideias.
 
Estava passeando pela cidade quando vi uma estrela que havia caído do céu sobre a terra. Foi-lhe dada a chave do poço do abismo. Ela abriu o poço do abismo e de lá subiu uma fumaça, como a de uma imensa fornalha, de tal modo que escureceu o sol e a atmosfera. e da fumaça saíram gafanhotos que se espalharam sobre a terra, e foi-lhes dado um poder semelhante ao dos escorpiões da terra.
 
Fiquei tão assustado com aquele meta-delírio apocalíptico (é, porque delírio dentro de delírio ninguém aguenta!), que comecei a voltar para o mundo real, pronto para conviver com a realidade apocalíptica que os meios de comunicação exibem em seus noticiários.
 
Enquanto a consciência ia voltando, comecei a pensar que “a minha alucinação é suportar o dia a dia, o meu delírio é a experiência com coisas reais”. E fim. 

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