Este é o penúltimo post da série "Mens Salada Paprocki", uma maluquice que me ocorreu quando resolvi migrar para os dias atuais posts relacionados ou inspirados no período em que fiz terapia e que haviam sido publicados desde o início do blog. Muito do que eu poderia dizer aqui
sobre as sessões de terapia psicanalítica a que me submeti já foi falado em
vários posts que publiquei. "Deitado no divã", por exemplo, é um
deles. Mesmo assim, tentarei registrar algumas lembranças ainda não escritas. E
tudo começou no carnaval de 1972, se não me engano.
Eu tinha 21 anos, estudava engenharia e namorava a menina mais linda que eu já vi, uma beleza digna de participar das renomadas e internacionais agências de modelos Ford e Elite. Alguém poderia desejar algo melhor? Pois bem, não soube explicar na época o que aconteceu e até hoje tenho algumas dúvidas. Só sei que de repente comecei a sentir uma angústia gigantesca, tão grande que comecei a sentir fortíssimas dores na nuca. Para tentar não sentir essas dores físicas tão inesperadas comecei a dormir durante o dia, coisa inimaginável para alguém que tinha o sono mais tranquilo e contínuo, sono noturno de oito horas sem interrupção.
Não me lembro se me queixei disso com meu irmão e mentor ou se ele percebeu. Só sei que alguns dias depois do surgimento daquele sofrimento que não acabava, convidou-me a tomar uma sauna (sauna mesmo, hetero). E foi lá que conheci um professor da escola de engenharia. Depois de escutar pacientemente meu relato, sugeriu que eu buscasse auxílio na terapia. Disse também para dirigir-me à Fundação Mendes Pimentel, braço assistencial da UFMG.
Convencido por meu irmão, fui procurar ajuda nessa fundação. Fui atendido por uma assistente social que falou da existência de vários profissionais conveniados, uma vantagem pela redução substancial do custo do tratamento. E discorreu sobre os vários métodos ou processos terapêuticos disponíveis. Perguntei o prazo provável de cura de cada um e, duvidando de uma solução rápida para meu desconhecido problema, escolhi psicanálise, por ser um tratamento mais longo, que vai lá na infância do paciente, etc.
Feita a escolha e de posse da autorização para fazer o tratamento, bati na porta do psicanalista e psiquiatra Jorge Paprocki. Aguardei alguns minutos na recepção até uma porta abrir-se e surgir na minha frente um senhor já idoso, rosto tranquilo, voz mansa, que me pediu para entrar em sua sala. Apresentou-se, deve ter falado alguma e colocou sobre a mesa uns cartões de imagens borradas, pedindo-me para dizer o que enxergava neles. Era o teste de Rorschach.
Para não cansar muito meus 1,3 leitores, sugiro que (re)leiam o post "A vida não cabe". Está tudo lá, bem detalhadinho.
Quando entrei na sala iluminada já encontrei umas quatro ou cinco pessoas a quem cumprimentei meio ressabiado. Depois de ser apresentado ao grupo pelo Paprocki comecei a tentar falar alguma coisa e tomei a primeira porrada:
- Você nem bem chegou e já quer monopolizar o terapeuta só para você?
O Paprocki era um cara visivelmente sofisticado e vaidoso, destoante daquele grupo de mal acabados a quem analisava. Um dia, ao abrir a porta do consultório, vi que estava vestindo uma espécie de terno azul escuro, mas sem gola e fechado até o pescoço. Disse a ele que estava muito elegante. Deu um risinho cínico (sua especialidade) e disse que era roupa de operário chinês (da época do Mao Tse Tung). Devo ter dito qualquer coisa idiota e ele completou que era sim, roupa de operário chinês, mas realmente "made in China" e riu, o filho da puta.
O grupo foi sofrendo modificações ao longo do tempo em que fiz terapia. Uns dois receberam alta e alguns foram trocados de grupo. Segundo o terapeuta, para que o ambiente não se tornasse um encontro de comadres ou amigos de mesa de bar. Para funcionar bem o grupo precisava ter tensão, conflito, pois só assim os problemas de cada um poderiam ser exibidos e trabalhados por quem os apresentava.
Sem entender muito bem o que a dor na nuca tinha ver com isso, descobri que meu ranço era com minha mãe. Segundo o Paprocki, eu era filho de uma "mãe castradora" (apesar de todo o carinho que recebia dela. Mas ela era mesmo uma chantagista emocional, como descobri depois). Havia um sujeito que comentou ter um dia se candidatado a um emprego e pediram que ele fizesse um teste de datilografia. "Claro, OK!", mas ao sentar-se à frente da máquina os braços ficaram paralisados, como se estivessem engessados e não conseguiu bater em nenhuma tecla sequer. Uma mulher era casada, feliz com o casamento, mas queria transar melhor com o marido, com menos inibição. Um outro tinha obsessão por sexo e coisas assim. Só um chamou mais minha atenção.
Esse sujeito era estranho, usava óculos com lentes tipo fundo garrafa, o cabelo parecia estar sempre oleoso, tinha uma aparência desagradável e era gay, uma surpresa para mim, pois acreditava que todo gay era afeminado. Era o mais agressivo de todos e aparentava receber uma atenção especial do terapeuta. Um dia chegou muito alterado, praticamente monopolizou a conversa e disse que iria sair mais cedo pois pretendia se matar.
Depois que o maluco saiu, o Paprocki ainda ficou em silêncio por alguns minutos, o cenho carregado, e nós lá, sem entender o que havia acontecido. Ele então explicou, dizendo que todos nós éramos neuróticos, cada um com sua neurose em maior ou menor grau, mas que o maluco era psicótico, daí nossa dificuldade para entender o que havia acontecido. Na sessão seguinte lá estava o maluco, como se nada tivesse acontecido.
Quando estava no quinto ano, começou a ficar difícil ir às sessões de terapia, pois trabalhava em um município da Grande BH e tinha assumido um cargo de responsabilidade que me tomava muito tempo. Para complicar, o Paprocki resolveu mudar seu consultório para o casão bacanaço onde morava, distante do centro e da rodoviária onde eu descia vindo da obra. Além disso eu já estava noivo e não queria dar motivo para ser demitido, pois, durante todo o tempo em que fiz terapia, nunca contei a ninguém o porque das minhas escapadas semanais no meio da tarde. E aí comecei a faltar, a faltar cada vez mais até sumir definitivamente. Constrange-me dizer que não paguei o último mês, pois parei definitivamente de ir antes do fechamento do período.
Hoje, refletindo sobre tudo o que vivi, sei que foi bom e teve alguns resultados positivos, mas para ter alta real do tratamento provavelmente faria terapia por pelo menos mais uns cinco a dez anos. Por isso, talvez devesse ter optado por uma terapia breve, de outra linha, em vez de ficar escarafunchando o passado. E, quem sabe?, talvez nem tivesse criado o Blogson Crusoe.
Eu gostaria de fazer um teste de Rorschach, tenho curiosidade. Acho que eu precisava de um terapeuta assim, a que eu faço é muito novinha, sem experiência, nem tenho mais o que falar pra ela. Ela não escarafuncha nada.
ResponderExcluirLembrando que eu não entendo nada deste assunto, talvez ela não "escarafunche" nada porque a tecnica terapêutica que utiliza não se importe com o passado, só com o aqui e agora. Quanto ao Rorschach, qualquer estudante de psicologia pode fazer com você. O problema (no meu caso pelo menos) é que eu nunca soube a análise que fizeram do que eu via. E já fiz uma porrada de vezes. Em concurso, quando você já deu show nas provas é normal que uma segunda etapa contemple a realização desse teste. Dê uma olhada neste link:
Excluirhttp://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912010000100006#:~:text=Segundo%20Eldenberger%20(apud%20Anzieu%2C%201978,sobre%20a%20estrutura%20de%20personalidade.