sábado, 12 de agosto de 2023

AMIZADE SINCERA

Esse negócio de amizade é uma coisa muito complexa para mim, talvez por nunca ter tido amigos ou, sendo menos radical, por ter tido poucos, muito poucos. Fico admirado quando ouço que alguém tem muitos amigos. Como assim? Muitos? O que é necessário para conseguir essa proeza?

Já na adolescência eu concluí - e comecei a tornar público - que não tinha amigos, apenas conhecidos com quem mantinha um relacionamento cordial. Imagino que devo ter causado algum espanto e até o afastamento de quem sentia por mim alguma coisa parecida com amizade. Talvez fosse esse um julgamento ou pensamento muito severo, mas, baseado nas definições de amizade que já vi, minhas amizades quase que realmente poderiam ser contadas nos dedos das mãos, e mãos do Lula!

Ao longo da vida tive alguns melhores amigos, o que parece ser uma incongruência desgraçada. Como é possível ter vários "melhores amigos"? No meu caso, a explicação para esse conflito “semântico” é o fato de meus melhores amigos terem sido sucessivamente substituídos por outros. Quando parávamos de frequentar os mesmos ambientes a amizade acabava.

No grupo escolar tive três melhores amigos, um para cada ano de escola. No ginásio, durante quatro anos, tive dois colegas que foram o mais próximo do que entendo por amigos. Estávamos sempre juntos no recreio, mas a amizade acabou quando nos formamos. Depois disso, não tive colegas que fossem considerados melhores amigos. Em compensação, no clube que frequentava tive dois grandes amigos. Um deles tinha uma irmã deliciosa, mas eu era bobo demais para conseguir chegar junto. Um conhecido chegou antes de mim. O outro - ou outra, na verdade –, era uma menina alopradíssima com quem gostava muito de conversar. Mas havia dois defeitos nessa amizade: ela era muito gorda, escrota e feia pra caramba e eu tinha vergonha de andar na rua ao seu lado. Além disso, sem que eu nunca tivesse desconfiado, era apaixonada por mim. Independente dessas questões, as duas amizades acabaram quando eu deixei de ser sócio desse clube.

Durante a vida profissional tive alguns colegas por quem nutria enorme simpatia. Dois desses chegaram a ir à nossa casa depois que me casei. Pode não parecer, mas esse convívio é um fato raríssimo na minha vida, pois foram eles os únicos amigos a entrar em minha casa. Mas bastava eu mudar de empresa para a amizade acabar. Então, a regra é mais ou menos como uma releitura daquele poema do Vinícius: “que seja muito amigo enquanto não mude”.

O único que não teve essa sina foi meu amigo Pintão, trinta anos mais velho que eu. Eu o considerava – e ainda considero – o melhor amigo que já tive, mas a recíproca não era verdadeira, pois ele tinha seus melhores amigos, amigos de infância - uma coisa inimaginável para mim.

A imagem que faço das amizades lembra dois ramos de uma mesma árvore, bastante próximos um do outro enquanto ela é só uma pequena muda. À medida que os galhos crescem, começam a apontar para direções diferentes. Com as minhas “amizades” ocorreu a mesma coisa: quando o contato frequente se acabava, o eventual reencontro era sempre constrangedor, pois a intimidade para falar qualquer tipo de asneira tinha se acabado.

Isso ficou bastante claro com um sujeito que chegou a ficar noivo de uma das minhas cunhadas. Esse cara perdeu o único irmão em acidente ocorrido no dia do casamento da irmã de ambos. Talvez por isso, durante uns quatro anos, ele me elegeu como seu melhor amigo e ídolo. Mas minha cunhada resolveu aplicar-lhe um pé na bunda. A partir daí a “amizade” ficou muito esquisita, pois a dor de corno provocou uma mudança radical em seu comportamento.

Eu já estava no modo “pai”, pois nosso primeiro filho tinha acabado de nascer, mas ele, que tinha sido um caretão total, resolveu habilitar o modo “doidão”. Começou a fumar maconha e quando ia nos visitar dispensava cadeiras e sofás e sentava-se no chão da nossa sala. Nada mais combinava comigo, nem nas roupas que passou a usar, nem no comportamento e nem nas conversas. Acabou se afastando, o que foi motivo de grande alegria para nós.

Como eu me casei com 24 anos e fui pai com 26, a vida de bate-papos intermináveis nos bares e restaurantes perdeu todo o atrativo, principalmente por nunca ter gostado de beber cerveja. Por isso, a chance de fazer novas amizades foi reduzida ao máximo.

Hoje eu poderia dizer que só meus parentes são meus amigos. Mas há exceções. Meu irmão sempre foi meu companheiro de brincadeiras, monitor, incentivador e companheiro de festas e roubadas . Infelizmente, não nos falamos mais (e nunca mais nos falaremos). 

O motivo do afastamento de meu irmão são questões surgidas após o falecimento de minha mãe, sem que eu pudesse fazer nada para isso não acontecer. Mas, já que aconteceu, vai continuar assim para sempre, pois comigo é na batata! Ou, como “traduziu” Assis Chateaubriand: "avec moi c'est dans la pomme de terre". Melhor talvez seja aproveitar a letra do Chico: “Quando nasci veio um anjo safado, o chato dum querubim e decretou que eu tava predestinado a ser errado assim. Já de saída a minha estrada entortou, mas vou até o fim”.

Então, as definições de “amigo” ou “amizade” soam estranhas para mim. Como na música do Emicida que diz “Quem tem um amigo tem tudo, se a bala come, mano, ele se põe de escudo”. Escudo? Nem pensar! Se um amigo esperasse isso de mim, seu apelido póstumo seria “Peneira”, pois nunca entrei em briga de amigo nenhum, mesmo que fosse só para separar. Também acharia estranho se entrassem nas minhas. Aliás, só briguei de porrada na rua uma única vez: depois de ser muito provocado, dei um soco na cara de um valentão raquítico que morava perto da minha casa, ganhando dele uma tijolada nas costas. Considero que a briga terminou empatada: ele com o orgulho ferido e eu com as costas doendo.

E chegamos ao mundo virtual. Meu perfil de Facebook registra 165 amigos, a quem chamo de "amigos de facebook", entre aspas mesmo. Mas não são meus amigos, nem mesmo virtuais, pois alguns eu nem conheço pessoalmente! Tenho também "amigos" primos, sobrinhos, filhos, esposa, parentes distantes, vizinhos e conhecidos de muitos anos. Mas, se peneirar, não cai nenhum amigo real. Segundo o escritor Yuval Harari um grupo máximo de pessoas que se conhecem é formado por 150 indivíduos. Já viu que estão sobrando 15 no meu grupo de "amigos de facebook", não é mesmo?

Para não me estender muito, poderia dizer que meus filhos são meus únicos amigos de verdade. E realmente são, mas não se encaixam no que imagino ser o perfil ideal de um amigo. No caso dos filhos há a diferença de idade e a impossibilidade de poder falar qualquer tipo de putaria sem receio de ser interditado. 

Outra coisa que me enlouquece é descobrir que conhecidos do mundo real, normalmente sorridentes e cordiais, transformam-se em ogros embriagados se alguém fala mal do Bolsonaro ou do Lula, seu equivalente de sinal trocado. Aí eu só posso dar graças a Deus por esses "amigos de facebook" não serem meus amigos reais.

E a terceira categoria, talvez a mais estranha de todas, são meus amigos literalmente virtuais, unidos por um ou mais blogs, cuja comunicação ocorre apenas através de comentários que um faz no post do outro. Mesmo assim, pode surgir um genuíno sentimento de "amizade" (sei lá se é isso!), mas a coisa para aí, pois não sei e nem quero saber de mais nada desses amigos (sei lá, isso talvez pudesse estragar a amizade). Por isso, a divulgação de fotos, e-mails, endereços, perfis em redes sociais e coisas do gênero está fora de cogitação.

Alguém disse que "não há amigos, apenas há momentos de amizade". Por isso, "casa de portas abertas", "o mais certo das horas incertas"? "Santo remédio", "abrigo seguro"? "Ombro pra chorar"? Pode esquecer! No meu caso, só mesmo se for "pra depois do fim do mundo"!

publicação original: 21/06/2020



4 comentários:

  1. bom texto
    as idas e vindas da vida tornam a distancia algo natural
    graças a Deus, basta casar ou ter filhos para se ter uma família ou, com sorte, amigos

    abs!

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    Respostas
    1. Não sei te responder, Scant. Como disse, nunca tive certezas sobre "amizade". Para mim, amigo é alguém com quem eu me sinto à vontade para conversar ou ficar calado, não é para me ajudar quando estou mal. Talvez eu confunda amizade com companheirismo.

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