sábado, 5 de agosto de 2023

EU, EU MESMO E A DEPRESSÃO - MARCOS TADEU

Normalmente nunca leio nada dos jornaizinhos de bairro que jogam aqui em casa. Dou uma olhada rápida e descarto, pois basicamente só trazem anúncios de pizzas, sanduiches, etc.

Ontem, achei na caixa de correio um desses jornalecos. Dei uma olhada rápida e fui atraído pelo título de um texto na folha interna (tinha duas): “Eu, eu mesmo e a depressão”. Comecei a ler e fui me identificando com o autor e seu sofrimento. Seu nome é Marcos Tadeu e é, entre outras coisas, editor do Jornal da Inconfidência FM. Só no final saí desse caminho, pois há uma leve insinuação de desejo de suicídio, o que definitivamente não passa pela minha cabeça. Mesmo assim, resolvi transcrever o texto no blog, pois não é uma narrativa de psicólogo, mas o depoimento de quem aparenta sofrer de depressão pesada. Para isso, escaneei com OCR, corrigi os erros que normalmente ocorrem nesse procedimento e aí está.



"O único sentimento que resta nesse estado despido de amor é a insignificância". Acho que esse trecho do best-seller "Demônio do Meio Dia - Uma anatomia da Depressão" explica tudo sobre a doença. Eu lhe devo explicações, caro leitor (a), ou até mesmo uma espécie de manual de instruções que facilite ou tome compreensível para você o que tenho passado. Pois, realmente, ninguém é obrigado a conviver com deprimidos. Nem mesmo o deprimido aguenta conviver consigo próprio. E, ademais, desde muito cedo fui exposto a um ambiente propício ao desenvolvimento dessa moléstia moderna, como gostam de chamá-Ia, a fim de glamourizar a depressão.
Pois é. A sensação é de vazio, inutilidade, insignificância. De que nada mais tem graça. Os outros, principalmente; se tomam ainda mais incomodativos, na direta proporção em que se demonstram felizes. É insuportável. É uma dor intermitente que se equipara a uma faca pontuda te espetando ao longo do dia, até o momento em que você estoura. A raiva é uma constante, daí que os poucos amigos que emprestam os ouvidos ou os olhos se transformam em válvula de escape – e, eventualmente, sacos de pancada - para desabafos como esse.
A incapacidade de conviver se torna maior, uma vez que, se você já não se sente amado, se sente uma merda por dentro e não vê graça mais no outro, não há porque sofrer ao lado dele em rodinhas de conversa superficial sobre consumismo e futilidades. Você se toma mais egoísta. Um vampiro sedento por atenção e carinho. Só o que passa a importar é o seu bem, quer dizer, mal-estar. Até chegar a hora em que todos torcem o nariz para você, pois não há ninguém que queira mais escutar do que ser escutado.
A rejeição se toma real, eu posso tocá-la, e. Você se sente como um estranho até a sua família. Passa a contabilizar os gestos mais fúteis, e a paranoia segue a passos largos. A cabeça cansa e pede arrego na forma de cama, escuridão e música que remeta ao passado. Quanto menos movimento, barulho e questionamentos, melhor. O meu hino? “Two Shots of Happy, One Shot of Sad”, Frank Sinatra, na voz de Bono.
A gente vê as pessoas sofrerem porque não conseguem ajudar. Vê as pessoas se irritarem. Xingarem. Mandarem ao inferno. Irem embora. Darem conselhos como se estivéssemos no quarto ano primário - "Valorize as coisas que tem, você podia estar passando fome!". Não. A doença não degenera o nosso caráter e isso tudo só faz com que o fardo da culpa nos cause mais sofrimento. Ao mesmo tempo, percebemos o quão inconvenientes nos tornamos, e quanto esforço esse e aquele indivíduo fazem para simplesmente nos suportar. E aí pensamos também em quão covardes somos por não conseguir pôr um fim em tudo e interromper todo o sofrimento.

Marcos Tadeu editor do Jornal da Inconfidência FM

(publicação original: 27/11/2016)

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