quarta-feira, 3 de agosto de 2022

O ZAP DO VIOLÃO

 

O texto a seguir é uma resposta de whatsapp endereçada a meu sobrinho (eu escrevo muito!), que resolvi aproveitar para postar no blog (memória!)


Diz, aí, sobrinho! Como você provocou e eu estou à toa neste momento (eu sempre estou à toa!), vou te contar uns causos. Você, ao contrário de mim, provavelmente nunca desejou ou pensou em tocar nenhum instrumento, nem mesmo a flauta doce que te obrigaram a aprender na escola (ideia de jerico). Para que isso aconteça é preciso ter vontade e algum objetivo (por mais ridículo que possa ser). 

Como conheci os Beatles praticamente no ano em que surgiram suas primeiras gravações no Brasil, eu queria cantar aquelas músicas. Mas cantar rock à capela não faz muito sentido, concorda? Então, eu queria tocar guitarra, tentar reproduzir o som dos instrumentos e cantar as músicas de meus ídolos, pois o que eu queria mesmo era impressionar as menininhas. Para ser sincero, mesmo que constrangido preciso te dizer que sou um músico frustrado, pois meu sonho era ser um guitarrista de banda de rock, ali no palco, fazendo solos incríveis e provocando ovulações instantâneas no público feminino. Patético, não? 

Ganhei meu primeiro violão quando tinha uns dezesseis anos e tive oito aulas com um conhecido, que me ensinou noções super básicas e alguns acordes, além de umas quatro ou cinco músicas. Naquela época meu irmao e seu tio estava estudando para o vestibular, se não me engano. E eu ficava esmerilhando o violão umas quatro horas por dia, ao ponto de ter criado calos nas pontas dos dedos da mão esquerda (as cordas eram de aço). Às vezes ele ficava puto e reclamava por eu estar espancando o violão mais alto. Aí eu começava a tocar baixinho (e nunca mais consegui tirar um som mais alto). Rock com volume sonoro de bossa nova. 

Um fato curioso aconteceu nessa época: ao cantar uma música enquanto a tocava tal como havia aprendido com meu colega, percebi que minha voz ia em uma direção e o som do violão em outra, ou seja, eu cantava muito desafinado e fora do tom, mais ou menos como se vê em programas de auditório. Como estava tocando músicas exatamente como meu conhecido havia ensinado eu sabia que elas não estavam com sonoridade errada, eu é que estava. Por isso, fui “ajustando” a voz ao som emitido pelo violão até acabar com a desafinação vocal. 

Uns dois anos depois tive mais quatro aulas (caras pra burro) com um colega que tocava bem demais e que me ensinou alguma coisa de teoria da formação de acordes. Ensinou também algumas músicas mais complexas (duas do Chico Buarque, duas dos Beatles, etc.). A partir daí foi puro autodidatismo. 

Eu ia à loja “A Musical” para omprar partituras de piano (duas dos Beatles, umas três do Chico) e usando as noções que meu colega tinha me passado, ficava tentando descobrir os acordes indicados apenas pelas cifras. Desenhava o braço do violão e ia marcando as notas de cada acorde, até encontrar o "desenho" ideal. Com isso “tirei” a música Carolina, do Chico (que ficou muito boa). Detalhe curioso: talvez por serem usadas em solos, as partituras para violão não trazem as cifras da música (que correspondem a acordes "engessados").  

Resumindo: eu tinha tempo, vontade e saco para praticar violão, tentar “tirar” músicas novas (e acabei conseguindo), mas não tinha dinheiro para pagar aulas. Às vezes encontrava alguma revista com letra e cifra de alguma música interessante. Com isso, estacionei. Eu até consegui tirar umas bossa novas, uns sambas antigos, muita jovem guarda, mas dancei no Milton Nascimento. Nunca consegui tocar nenhuma das músicas dele, muito sofisticadas.

Para ser sincero, custei a aceitar que não tinha jeito para a música, pois, apesar da mediocridade congênita e real, naquela época eu sentia que já tocava melhor que muitas das pessoas que diziam saber tocar violão (o que não era tão grande vantagem, pois a maioria dessas pessoas não toca merda nenhuma). Há uma música cuja letra diz muito sobre o que eu sentia e desejava. Chama-se "Naquele tempo" e foi gravada pelo Tavito.

Se quiser conhecer, siga este link: https://www.youtube.com/watch?v=BqBXZ9VqlHQ  

Depois, ganhei um violão maravilhoso da minha então namorada (que consumiu três meses de salário dela). O problema é que ele era tão bom e com uma sonoridade tão “gorda” que teve um efeito broxante: como tocar rock em um violão que quase pedia terno e gravata para ser tocado?

Aí a formatura na faculdade foi chegando (aos trancos e barrancos), a data do casamento foi se aproximando e eu precisei “crescer”. Fui parando devagarinho de tocar aquele violão broxante (já tinha dado o antigão para um amigo). Detalhe: como o tampo do violão velho estava rachado eu o pintei de branco e coloquei cordas de nylon pretas (eu sempre tive um pé na periferia). Mas o rachado dava uma sonoridade ótima para tocar rock.

Hoje fico meses sem por a mão em um violãozinho que temos aqui em casa. Tirei todas as cordas do violão broxante para ver se o braço – empenado depois de anos com as cordas permanentemente tensionadas e sem uso – voltava à sua forma original. Continuo amando a música, continuo curtindo e ouvindo rock (especialmente Beatles, mas não aguento mais ouvir seus grandes sucessos), comecei a ouvir e apreciar blues, jazz, sambas raiz, chorinhos, boleros, MPB. Só não suporto sertanejo, axé, pagode e funk.

Para finalizar, meu caro sobrinho, só posso dizer que tocar um instrumento é muito prazeroso e, se tocado em uma roda de jovens, pode até render algum date, alguma ficada (mas para impressionar tem que ser pelo menos razoável), mas é preciso ter tempo, desejo e saco para praticar. Como, aliás, qualquer atividade em que a repetição diferencia o bom do mau desempenho. A vantagem hoje são as revistinhas que trazem as letras, as cifras e acordes desenhados, o que ajuda qualquer um a aprender sozinho. Mas sem tesão, sem desejo de aprender nada acontecerá. E os dedos doem no início. É isso.

2 comentários:

  1. Estou nessa missão de aprender a tocar violão, comprei um "folk", pois a moça da loja disse que era melhor pra tocar rock. Meu amigo disse que o som da corda de aço é melhor, mas como você disse no post, os dedos enchem de calos.. Enfim, acho que eu deveria estar dedicando mais tempo ao violão, mas estou aproveitando as férias pra ler uns livros e ver alguns filmes também.
    Boa noite!

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    1. Um trio de possibilidades maravilhoso - música, filmes, livros, tudo de bom! Quanto ao violão, a melhor dica que posso dar é esta: escolha uma música de que você gosta, pegue na internet os acordes e comece a tocar. o que faz a maioria das pessoas desistir é ficar aprendendo acordes e coisas desse tipo. A diversão é tocar, é espancar o violão. Assim, ao perceber o progresso naquela música você já estará pronta para aprender mais algumas coisinhas. O master do violão clássico Andrés Segovia teria dito que "violão é o instrumento mais fácil de tocar mal e o mais difícil de tocar bem". Sucesso!

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