terça-feira, 9 de agosto de 2022

HOMO SPIRITUALIS

 

Este é um texto-resposta a um comentário feito pelo leitor "Inominável Ser": "Estou em um estado atual de tanto recusar a Religião quanto a Espiritualidade”.

 

Mesmo não tendo formação na área, penso e acredito que uma das reações básicas que surgiram com a Vida foi a necessidade dos seres vivos de proteger sua membrana celular, suas escamas, sua pele ou suas penas. Resumindo, de se proteger dos predadores.

 

Parece claro que quanto maior o nível de consciência mais efetiva ou rápida deveria ser a capacidade de reação. Herbívoros na savana africana precisam ter fôlego e velocidade de atleta olímpico para escapar de leões, guepardos e companhia limitada.

 

E a religião, onde entra nessa história? Bom, deixando claro que esse é apenas meu pensamento, ela foi surgindo graças à capacidade dos humanos de ter dúvidas, medos e fazer perguntas mais complexas que simplesmente relacionadas à obtenção de comida ou à defesa dos predadores tradicionais. Doenças inexplicáveis, fenômenos naturais incontroláveis e imprevisíveis, tudo isso foi entrando no "check list" dos medos dos humanos.

 

Quem ou o que mandou o raio que matou meu irmão ou destruiu uma árvore? Quem ou o que criou esse frio insuportável, essa fraqueza inexplicável, essas feridas purulentas, essa inundação destruidora? Duvido que um urso tenha esse tipo de inquietação, mas os humanos tiveram. E se não encontravam no mundo natural respostas para essas primeiras perguntas, a solução era apelar para o sobrenatural.

 

A partir daí a “porta” foi se alargando e todo tipo de coisa inexplicável potencialmente perigosa ou motivo de alegria foi sendo jogada no colo das divindades imaginadas, pressentidas ou criadas. Claro que nem todos os humanos sapiens reagiram ou reagem da mesma forma. Imagino que existiram ateus desde a infância da humanidade; alguns puderam viver tranquilamente com sua (des)crença, mas outros devem ter comido o pão que o diabo não amassou.

 

E onde pessoas como eu entram nessa viagem? Li em algum lugar sobre a existência de um “gene da religiosidade”. Não me lembro mais se isso foi dito a título de piada ou se há uma suspeita sincera sobre essa possibilidade. Não sei se há algum componente genético nessa história, só sei que se o tal gene existe  ele faz parte de meu DNA. Porque sempre, desde a adolescência, minha inquietação religiosa só fez aumentar.

 

Talvez a explicação para isso esteja bem definida nesta frase de Teilhard de Chardin: “A religião é para aqueles que precisam de alguém que lhes diga o que fazer e querem orientação. A Espiritualidade é para aqueles que prestam atenção à sua voz interior”.

 

Eu era esse sujeito, o cara que pelas próprias inseguranças e medos precisava de Alguém que me amparasse, que me guiasse e mostrasse que eu não estava sozinho comigo mesmo. E ainda preciso, mesmo depois de ter lido o livro destruidor de crenças “Sapiens”, do Yuval Harari, pois se muita coisa mudou na minha cabeça, ainda sou uma espécie de "homo spiritualis", um homem espiritualizado ou, como cantou o Erasmo Carlos, “sou uma criança que não entende nada”.


Hoje, para mim, as religiões são uma espécie de rocha sedimentar formada por camadas e mais camadas de crenças, fatos históricos, interpretações, ignorância, rituais e até má fé que foram se depositando ao longo do tempo. Apesar disso, não renego a experiência religiosa – que pode ser má ou benéfica dependendo do uso que se faça dela. Mas a espiritualidade – e por isso compartilhei o texto do padre jesuíta – não é boa nem ruim, justamente por estar entranhada em maior ou menor grau na forma de ver o mundo e a Vida que cada pessoa traz dentro de si.

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