Como sempre procuro fazer ao transcrever textos de terceiros aqui no blog, entrei na internet para ver se estava tudo OK com o texto da professora Vivian publicado no post anterior. Graças à essa procura, encontrei outro texto escrito por Hélio Schwartsman sobre o mesmo assunto, e publicado na Folha de São Paulo em 10/01/2021.
Publiquei na semana passada a coluna
“Parabéns aos argentinos”, em que felicitava nossos vizinhos pela legalização
do aborto. Leitores me escreveram recriminando-me por ter usado “argentinos” em
vez de “argentinas”, como preferiam.
Já tive mais paciência com a militância linguística. É claro que as
assimetrias de poder que há na sociedade aparecem também no idioma, e devemos
estar atentos a elas. Mas daí não decorre que a língua seja o melhor campo de
batalha para aqueles que querem fazer avançar suas agendas, por mais legítimas
que sejam.
O que me incomoda nessa batalha dos gêneros
gramaticais é que ela imprime um viés emburrecedor, uma vez que estimula o
literalismo dos falantes em vez de apostar em sua capacidade de abstração, uma
das marcas da inteligência.
Mesmo usuários pouco sofisticados dos idiomas
que fazem distinções de gênero sabem que o gênero gramatical não precisa
coincidir com o natural. Em alemão, “Mädchen”, a palavra para “mulher jovem”, o
protótipo mesmo da femilinidade, é do gênero neutro, e ninguém acha que esse
incidente linguístico afeta a sexualidade das raparigas teutônicas. Aqui mais
perto, no português, o vocábulo “masculinidades” é feminino, o que não basta para
tornar menos tóxicas algumas de suas manifestações.
Voltando aos “argentinos”, já faz décadas que aprendi o português, mas, da
última vez que chequei, no vernáculo, o plural que inclui todos os gêneros
tinha forma igual à do masculino; o uso da forma feminina é que implicaria a
exclusão de todos os legisladores e apoiadores que participaram do processo –o
que me parece injusto.
Meu ponto é que devemos escolher melhor
nossas batalhas. Policiar a língua funciona melhor para aplacar a mente do
militante do que para resolver injustiças e quebrar preconceitos. E, mais do
que nunca, precisamos encontrar comunalidades que nos unam, não ressaltar
diferenças que nos separam.
(10/01/2021)
O lobby dessa viadagem é muito forte. Dá só uma olhada nisso, notícia fresca, de hoje, aliás, fresquíssima:
ResponderExcluirhttps://pleno.news/mundo/politica-internacional/ministerio-argentino-oficializa-genero-neutro-em-documentos.html
E, claro, o comentário do nosso ilustríssimo
https://pleno.news/brasil/politica-nacional/bolsonaro-ironiza-uso-do-genero-neutro-na-argentina-pobreze.html
Eu sou totalmente a favor da igualdade de gênero e totalmente contra o Bolsonaro, mas, nesse caso, sou obrigado a concordar com ele. Como escreveu o Hélio Schwartsman, "daí não decorre que a língua seja o melhor campo de batalha para aqueles que querem fazer avançar suas agendas, por mais legítimas que sejam".
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