As notícias que li há algum tempo sobre a
situação de duas grandes, duas imensas construtoras brasileiras mexeram com
lembranças de minha vida passada (profissional, lógico). Aí resolvi contar
alguns casos engraçados que ouvi sobre pequenas construtoras e suas práticas nada edificantes. Antes, vamos às notícias que
chamaram minha atenção:
"A
Caixa Econômica Federal, um dos principais credores da Odebrecht, pediu à
Justiça que decrete a falência da construtora, que desde junho protagoniza a
maior recuperação judicial já realizada no país. O grupo, abalado desde o seu
envolvimento na Operação Lava-Jato, tenta renegociar R$ 98,5 bilhões em
dívidas". (O Globo, 03/10/2019)
"A
Camargo Corrêa S.A., holding do grupo Camargo Corrêa que controla e tem
participação em diversas empresas, anunciou nesta quinta-feira (14) a mudança
de nome para Mover. A mudança acontece quase 3 anos depois da empreiteira
Camargo Corrêa ter fechado acordo de leniência com Ministério Público Federal
(MPF) e a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) em meio às investigações da operação Lava Jato".
"Empresas
mudam de nome após a Lava Jato
A
Camargo Correia não é a primeira a mudar o nome ou a logomarca após a Lava
Jato. A Engevix mudou o nome para Nova Engevix. A Odebrecht manteve o nome para
a holding, mas decidiu retirar o nome "Odebrecht" de diversas
unidades de negócio. A Odebrecht Óleo e Gás mudou para Ocyan, a Odebrecht
Realizações Imobiliárias passou a se chamar OR e a Odebrecht Agroindustrial
virou Atvos. Já a Braskem, controlada pela Odebrecht, retirou o vermelho do
logotipo.(Portal G1, 14/06/2018)
Quando ouvi pela primeira vez alguém falar
sobre irregularidades em licitações eu era recém-formado. Trabalhava em uma
construtora de pequeno a médio porte (creio que tinha uns trinta engenheiros).
Era uma empresa excelente, moderna e que utilizava técnicas administrativas de
empresas bem maiores que ela. Tão boa que serviu de modelo para o surgimento de
pelo menos cinco outras empresas, criadas por alguns de seus ex-engenheiros.
Um desses foi meu gerente. Segundo ele, em
nenhuma hipótese essa empresa entrava em acordos com outras
empreiteiras para fraudar resultados de licitações. Talvez seja esse o motivo
de ela não ter crescido como merecia. Imagino também que era muito mal vista
pelas concorrentes.
“Acordo” é uma prática
que é (ou foi) muito comum entre empresas de engenharia de pequeno e médio
porte. Consistia no seguinte: uma indústria particular ou órgão público decide
licitar alguma obra. Segue-se o procedimento normal para isso: o edital é
publicado ou são expedidos convites para os participantes. Se a obra for
pública, participa da licitação quem cumpre os pré-requisitos estabelecidos no
edital (capacidade técnica, idoneidade financeira, etc.). Quando faltam poucos
dias para a entrega das propostas, a relação de participantes já é de
conhecimento de uma ou mais construtoras. Essa lista normalmente é obtida por
meio de contatos que essas construtoras mais espertas têm no dono da obra. Pode
ser uma secretária, um gerente, um fiscal, etc.
De posse da relação das empresas concorrentes,
a empresa que a conseguiu convoca as participantes para uma reunião de
acordo, normalmente realizada na sede de quem fez o convite. Só graudão, de
gerente para cima participa dessas reuniões. Se o preço previsto pelo órgão já
é conhecido, ótimo. Se não, discute-se qual seria o preço razoável para a obra
e decide-se qual será o preço do ganhador - sempre maior que o preço razoável.
Ganha quem oferece o maior valor para ratear entre os “perdedores”. Outra
modalidade pode ser a troca de favores: “eu ganho essa e te dou cobertura naquela”. Talvez até sorteio
possa acontecer, não sei bem, pois nunca fui a nenhuma dessas reuniões. O
diretor de outra empresa onde trabalhei dizia que reunião de acordo só é viável
se for pequeno o número de participantes (uns cinco, talvez). Duas são as
explicações para isso: se tiver muita gente, o rateio leva a valores
inexpressivos. Outro motivo é a dificuldade de harmonizar dez, quinze machos
alfa, conciliar os predadores. Quando há muitos participantes a concorrência “vai pro pau” e ganha quem
realmente apresenta o menor preço (e às vezes se fode por causa disso).
Quando o acordo é selado, podem acontecer
fatos imprevistos e muito engraçados. Na licitação para construção da sede de
um órgão público em BH, várias empresas reuniram-se, fecharam o acordo - e
dançaram. Tinham deixado de convidar uma empresa que era do Rio de Janeiro, por
imaginar que ela não apresentaria proposta! Como essa empresa não sabia do acordo,
entrou pra brigar e achou um bando de manés, todos com preços mais altos, "preços de acordo". Ganhou a
licitação e fez a obra.
Outro caso idiota aconteceu com a licitação
de uma trincheira em BH. Pelo edital, o preço do ganhador seria o que mais se
aproximasse da média das propostas apresentadas. Não me lembro mais se teve
também uma reunião de acordo feita às pressas ou se houve um “comportamento de manada” com todo
mundo subindo os preços para influir na média. Todo mundo subiu os preços,
menos a empresa onde eu trabalhava. O engraçado nessa história é que essa
empreiteira (que também não foi convidada) nunca foi barateira e entrou com seus preços normais. Se não
tivesse acontecido a tal reunião, teria perdido feio, pois seu preço sempre era
alto. Mas foi a ganhadora pois o preço por ela proposto era inferior e o mais
próximo de um valor médio artificialmente mais alto. Creio que houve até
tentativas de algumas concorrentes para anular a licitação.
(mais uma historinha, só amanhã)
(mais uma historinha, só amanhã)
Sei que você gosta dele :
ResponderExcluir"Van Gogh foi o único sujeito que deu ouvido às mulheres." (Millôr Fernandes)
uma aula de licitações e contratos na prática
ResponderExcluircurioso é o fator sorte atrapalhando as fraudes
abs!
a segunda parte sai hoje. Valeu!
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