quarta-feira, 6 de novembro de 2019

TRETAS E MUTRETAS - PARTE 01

As notícias que li há algum tempo sobre a situação de duas grandes, duas imensas construtoras brasileiras mexeram com lembranças de minha vida passada (profissional, lógico). Aí resolvi contar alguns casos engraçados que ouvi sobre pequenas construtoras e suas práticas nada edificantes. Antes, vamos às notícias que chamaram minha atenção:

"A Caixa Econômica Federal, um dos principais credores da Odebrecht, pediu à Justiça que decrete a falência da construtora, que desde junho protagoniza a maior recuperação judicial já realizada no país. O grupo, abalado desde o seu envolvimento na Operação Lava-Jato, tenta renegociar R$ 98,5 bilhões em dívidas". (O Globo, 03/10/2019)

"A Camargo Corrêa S.A., holding do grupo Camargo Corrêa que controla e tem participação em diversas empresas, anunciou nesta quinta-feira (14) a mudança de nome para Mover. A mudança acontece quase 3 anos depois da empreiteira Camargo Corrêa ter fechado acordo de leniência com Ministério Público Federal (MPF) e a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em meio às investigações da operação Lava Jato".

"Empresas mudam de nome após a Lava Jato

A Camargo Correia não é a primeira a mudar o nome ou a logomarca após a Lava Jato. A Engevix mudou o nome para Nova Engevix. A Odebrecht manteve o nome para a holding, mas decidiu retirar o nome "Odebrecht" de diversas unidades de negócio. A Odebrecht Óleo e Gás mudou para Ocyan, a Odebrecht Realizações Imobiliárias passou a se chamar OR e a Odebrecht Agroindustrial virou Atvos. Já a Braskem, controlada pela Odebrecht, retirou o vermelho do logotipo.(Portal G1, 14/06/2018)


Quando ouvi pela primeira vez alguém falar sobre irregularidades em licitações eu era recém-formado. Trabalhava em uma construtora de pequeno a médio porte (creio que tinha uns trinta engenheiros). Era uma empresa excelente, moderna e que utilizava técnicas administrativas de empresas bem maiores que ela. Tão boa que serviu de modelo para o surgimento de pelo menos cinco outras empresas, criadas por alguns de seus ex-engenheiros.

Um desses foi meu gerente. Segundo ele, em nenhuma hipótese essa empresa entrava em acordos com outras empreiteiras para fraudar resultados de licitações. Talvez seja esse o motivo de ela não ter crescido como merecia. Imagino também que era muito mal vista pelas concorrentes.

“Acordo” é uma prática que é (ou foi) muito comum entre empresas de engenharia de pequeno e médio porte. Consistia no seguinte: uma indústria particular ou órgão público decide licitar alguma obra. Segue-se o procedimento normal para isso: o edital é publicado ou são expedidos convites para os participantes. Se a obra for pública, participa da licitação quem cumpre os pré-requisitos estabelecidos no edital (capacidade técnica, idoneidade financeira, etc.). Quando faltam poucos dias para a entrega das propostas, a relação de participantes já é de conhecimento de uma ou mais construtoras. Essa lista normalmente é obtida por meio de contatos que essas construtoras mais espertas têm no dono da obra. Pode ser uma secretária, um gerente, um fiscal, etc.

De posse da relação das empresas concorrentes, a empresa que a conseguiu convoca as participantes para uma reunião de acordo, normalmente realizada na sede de quem fez o convite. Só graudão, de gerente para cima participa dessas reuniões. Se o preço previsto pelo órgão já é conhecido, ótimo. Se não, discute-se qual seria o preço razoável para a obra e decide-se qual será o preço do ganhador - sempre maior que o preço razoável. Ganha quem oferece o maior valor para ratear entre os “perdedores”. Outra modalidade pode ser a troca de favores: “eu ganho essa e te dou cobertura naquela”. Talvez até sorteio possa acontecer, não sei bem, pois nunca fui a nenhuma dessas reuniões. O diretor de outra empresa onde trabalhei dizia que reunião de acordo só é viável se for pequeno o número de participantes (uns cinco, talvez). Duas são as explicações para isso: se tiver muita gente, o rateio leva a valores inexpressivos. Outro motivo é a dificuldade de harmonizar dez, quinze machos alfa, conciliar os predadores. Quando há muitos participantes a concorrência “vai pro pau” e ganha quem realmente apresenta o menor preço (e às vezes se fode por causa disso).

Quando o acordo é selado, podem acontecer fatos imprevistos e muito engraçados. Na licitação para construção da sede de um órgão público em BH, várias empresas reuniram-se, fecharam o acordo - e dançaram. Tinham deixado de convidar uma empresa que era do Rio de Janeiro, por imaginar que ela não apresentaria proposta! Como essa empresa não sabia do acordo, entrou pra brigar e achou um bando de manés, todos com preços mais altos, "preços de acordo". Ganhou a licitação e fez a obra.

Outro caso idiota aconteceu com a licitação de uma trincheira em BH. Pelo edital, o preço do ganhador seria o que mais se aproximasse da média das propostas apresentadas. Não me lembro mais se teve também uma reunião de acordo feita às pressas ou se houve um “comportamento de manada” com todo mundo subindo os preços para influir na média. Todo mundo subiu os preços, menos a empresa onde eu trabalhava. O engraçado nessa história é que essa empreiteira (que também não foi convidada) nunca foi barateira e entrou com seus preços normais. Se não tivesse acontecido a tal reunião, teria perdido feio, pois seu preço sempre era alto. Mas foi a ganhadora pois o preço por ela proposto era inferior e o mais próximo de um valor médio artificialmente mais alto. Creio que houve até tentativas de algumas concorrentes para anular a licitação.


(mais uma historinha, só amanhã)


3 comentários:

  1. Sei que você gosta dele :
    "Van Gogh foi o único sujeito que deu ouvido às mulheres." (Millôr Fernandes)

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  2. uma aula de licitações e contratos na prática
    curioso é o fator sorte atrapalhando as fraudes

    abs!

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