Quando entrei na adolescência, a única coisa
interessante que tinha para fazer era ler as coleções de livros que minha tia
comprava - creio que para dar a ela um status de pessoa culta (ou para decorar
estantes, já que tinham capas vermelhas ou verdes ou azuis, todos com letras
douradas na lombada). Não importa. O fato é que eu lia bastante. E uma das
lembranças dessa época é um conto de Monteiro Lobato muito divertido (já tentei
encontrar na internet, mas, até agora, o insucesso é total).
Esse conto narra uma conversa do arcanjo
Gabriel com Deus. Em determinado momento, olhando para a Terra "lá embaixo", Gabriel pergunta
ao Criador o que é aquela "fila de formigas" andando de forma meio
desorientada. E Deus responde que "aquela" é a humanidade, etc.
O anjo estranha a algaravia toda que
está escutando, com todo mundo falando em milhares de línguas diferentes e Deus comenta que
surgirá um dia um homem que tentará acabar com esse problema. E Gabriel inocentemente pergunta: - "Vai
acabar com todas as línguas?". - "Não",
responde o Criador, "criará mais
uma". Essa ironia com a criação do esperanto é que me fez lembrar do
conto mesmo passados mais de cinquenta anos.
E por que entrei nessa estrada esburacada da
memória? Bem, talvez seja pelo fato de às vezes fazer analogias entre o que
vejo em determinado momento com casos e lembranças antigas, bem ao estilo de Miss Marple, simpaticíssima personagem
de Agatha Christie (a velhice, pelo menos, é semelhante). E a analogia que me
ocorreu foi comparar a criação do esperanto satirizada por Monteiro Lobato com
a anunciada criação de novo partido político pelo presidente Bolsonaro.
Pensem na ironia da notícia: atualmente, o
Brasil tem 32 (!!!) partidos legalizados. Aí, sem me preocupar com a motivação por trás de tudo,
chega o capitão e racha em dois o partido ao qual é filiado. E divulga que o
nome escolhido para a nova agremiação política é "Aliança pelo Brasil".
Espere um pouco, "aliança" feita a partir de um racha? Nada mais contraditório! Em um país que já
possui 32 partidos? Só mesmo parafraseando o diálogo divino:
- Ah, a "Aliança pelo Brasil" vai reduzir ou acabar com todos os partidos?
- Não,
vai só criar mais um!
Bela "aliança"
essa aí, não é, Miss Marple?
A analogia com o esperanto faz todo sentido. Mais uma língua e que não serviu para porra nenhuma.
ResponderExcluirTambém me lembro dos livros com lombadas douradas. Meu pai também tinha uma estante abarrotada deles. A maioria, comprado em bancas de jornais em forma de fascículos semanais ou quinzenais e depois encadernados. Os vermelhos com lombada dourada era a coleção Conhecer; os verdes, Medicina e Saúde; os azuis com lombadas prateadas, o Ciência Ilustrada.
Choque de gerações é uma merda! Quando esses livros que seu pai comprava começaram a sair eu já era adolescente ou adulto, não sei. Os livros que minha tia comprava também eram vendidos em banca, mas eram de grandes autores. Tinha uma que era do caralho, só clássicos da literatura mundial - Dickens. Dante Alighieri, Cervantes, Camões, Stendhal, Bocaccio, James Joyce e por aí. Mas dessa coleção eu só li alguns, coisa de que me arrependo muito. Em compensação, mais adequada ao meu espírito adolescente, tracei a obra completa de Alexandre Dumas. E outros tantos de que não me lembro mais. Teve uma coleção impressa em papel fuleiro, capa mole e só de autores brasileiros, se não me engano. Minha tia comprou todos e mandou encadernar em capa dura ... com letras douradas. Só me lembro que odiei "O Guarani", publicado em dois volumes. Era muito livro.
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