quarta-feira, 30 de outubro de 2019

COLISEU ROMANO


Este texto foi originalmente publicado no Facebook, provocado pela reação sempre apática, desfibrada, asséptica, desidratada ou robótica de um de meus "amigos de facebook".


Como todo mundo está careca de saber, o Facebook possui seis emojis para comentar as postagens que são publicadas. Os títulos são “Curtir”, “Amei”, “Haha”, “Uau”, “Triste” e “Grr”. São comentários sintéticos, ideais para quem tem preguiça de escrever ou não está disposto a perder tempo com isso. Fico pensando que poderiam ser criados mais alguns, para permitir um melhor detalhamento da emoção provocada por algum post. Por exemplo, em oposição ao “Curtir”, poderia existir o ”Não curtir” (ou “Babaquice!”), com o polegar virado para baixo, bem no estilo “Coliseu romano”. Ou então: se existe o “Amei”, poderia existir também o “Odiei”, mais específico que “Grr”. E, claro, um exclusivo para denunciar “fake news”. Até imagino um emoji para essa opção: a cara de uma vaquinha (nesse caso, seria mais um “emugido”).

Mas o que realmente me incomoda é ver o uso indiscriminado do pasteurizado “Curtir”, pois, aparentemente, algumas pessoas sofrem de paralisia emocional ou medo de mostrar que são de carne e osso. Se alguém posta uma notícia preocupante, impactante, daquelas de horrorizar ou escandalizar até robôs, o normal seria fazer algum comentário ou usar os emojis “Uau”, “Triste” ou “Grr”. Que nada! O “poste” (ou “pedra”) simplesmente aciona o “Curtir” e estamos conversados. Nunca compartilha ou replica nada. Da mesma forma, se alguém publica ou compartilha um post engraçadíssimo, daqueles de rolar de rir, olha o “poste” lá de novo, clicando na mãozinha símbolo do Facebook. Caramba, é proibido, pecaminoso ou ofensivo achar graça de alguém ou de alguma coisa?

Eu entendo ou imagino que alguns desejem ficar na sombra, não se comprometer, não chamar atenção para si, mas isso é bobagem. Melhor então seria deixar a mãozinha em paz. Afinal, a Bíblia já ensinava (Ap 3,15-16): “Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te." Olhaí, “pedra”, tá na Bíblia!

terça-feira, 29 de outubro de 2019

ENTREVISTA COM FERREIRA GULLAR - PEDRO DIAS LEITE (PARA A REVISTA VEJA)


Fui assinante da revista VEJA durante alguns anos. Sempre esperava ansioso sua entrega aos sábados. Aos poucos, fui percebendo que a situação do grupo Abril não era muito boa, pois a entrega ficou meio zoneada. Além disso, venderam vários títulos de revistas e, para piorar, a VEJA começou a emagrecer muito. Acredito que essa situação foi provocada (parcialmente, pelo menos) pelo governo Dilma, alvo de frequentes e pertinentes críticas. Com isso, a propaganda governamental secou. Fico tentado a pensar que pode também ter havido pressões sobre agências de publicidade com contratos com o governo, pois a quantidade de publicidade de empresas particulares (o oxigênio da imprensa) caiu barbaramente. Além disso, vários colaboradores craquérrimos foram saindo, etc.

Diante desse quadro, agravado por uma falta crescente de grana, resolvi não renovar minha assinatura da revista. Mas, enquanto ainda era assinante, copiei vários textos e entrevistas bacanérrimas que enviava por e-mail para filhos e alguns amigos. Uma delas é uma entrevista com o poeta Ferreira Gullar que já tinha sido objeto de um post publicado em 06/12/2016. Graças a um comentário de meu amigo Marreta, resolvi transcrever mais alguns trechos dessa entrevista, não só como homenagem ao poeta maranhense, como também à sempre excelente revista VEJA. Olhaí.


UMA VISÃO CRÍTICA DAS COISAS
O poeta diz que o socialismo não faz mais sentido, recusa o rótulo de direitista e ataca: “Quando ser de esquerda dava cadeia, ninguém era. Agora que dá prêmio, todo mundo é”
Um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, Ferreira Gullar, 82 anos, foi militante do Partido Comunista Brasileiro e, exilado pela ditadura militar, viveu na União Soviética, no Chile e na Argentina.
Desiludiu-se do socialismo em todas as suas formas e hoje acha o capitalismo “invencível”.
É autor de versos clássicos “À vida falta uma parte / seria o lado de fora / para que se visse passar / ao mesmo tempo que passa / e no final fosse apenas / um tempo de que se acorda / não um sono sem resposta. / À vida falta uma porta”.
Gullar teve dois filhos afligidos pela esquizofrenia. Um deles morreu. O poeta narra o drama familiar e faz a defesa da internação em hospitais psiquiátricos dos doentes em fase aguda. Sobre seu ofício, diz: “Tem de haver espanto, não se faz poesia a frio”
(...)
Qual a sua visão do governo Dilma Rousseff?
Dilma é uma mulher honesta, não rouba, não tem a característica da demagogia. Mas ela foi posta no poder pelo Lula. Assim, não tem autoridade moral para dizer não a ele. Nesse aspecto, é prisioneira dele.

Como o senhor avalia a perspectiva de condenação dos réus do mensalão?
O julgamento não vai alterar o curso da história brasileira de uma hora para a outra. Mas o que o Supremo está fazendo é muito importante. É uma coisa altamente positiva para a sociedade. Punir corruptos, pessoas que se aproveitaram de posições dentro do governo, é uma chama de esperança.

O senhor se identifica com algum partido político atual?
Eu fui do Partido Comunista, mas era moderado. Nunca defendi a luta armada. A luta armada só ajudou mesmo a justificar a ação da linha dura militar, que queria aniquilar seus oponentes. Quando fui preso, em 1968, fui classificado como prisioneiro de guerra. O argumento dos militares era, e é, irrespondível: quem pega em armas quer matar, então deve estar preparado para morrer.

O senhor condena quem pegou em armas para lutar contra o regime militar?
Quem aderiu à luta armada foram pessoas generosas, íntegras, tanto que algumas sacrificaram sua vida. Mas por um equívoco. Você tem de ter uma visão critica das coisas, não pode ficar eternamente se deixando levar por revolta, por ressentimentos. A melhor coisa para o inimigo é o outro perder a cabeça. Lutar contra quem está lúcido é mais difícil do que lutar contra um desvairado.
(...)
Como é seu método para fazer poesia?
Já fiquei doze anos sem publicar um livro. Meu último saiu há onze anos. Poesia não nasce pela vontade da gente, ela nasce do espanto, alguma coisa da vida que eu vejo e que não sabia. Só escrevo assim. Estou na praia, lembro do meu filho que morreu. Ele via aquele mar, aquela paisagem. Hoje estou vendo por ele. Aí começo um poema… Os mortos veem o mundo pelos olhos dos vivos. Não dá para escrever um poema sobre qualquer coisa.
O mundo aparentemente está explicado, mas não está. Viver em um mundo sem explicação alguma ia deixar todo mundo louco. Mas nenhuma explicação explica tudo, nem poderia. Então de vez em quando o não explicado se revela, e é isso que faz nascer a poesia. Só aquilo que não se sabe pode ser poesia.

A idade é uma aliada ou uma inimiga do poeta?
Com o avanço da idade, diminuem a vontade e a inspiração. A gente passa a se espantar menos. Tem poeta que não se espanta mais, mas insiste em continuar escrevendo, não quer se dar por vencido. Então ele começa a escrever bobagens ou coisas sem a mesma qualidade das que produzia antes. Saber fazer ele sabe, mas é só técnica, falta alguma coisa. Não se faz poesia a frio. Isso não vai acontecer comigo. Sem o espanto, eu não faço.
Escrever só para fazer de conta, não faço. Eu vou morrer. O poeta que tem dentro de mim também. Tudo acaba um dia. Quando o poeta dentro de mim morrer, não escrevo mais. Não vou forçar a barra. Isso não vai acontecer. Toda vez que publico um livro, a sensação que tenho é de que aquele é o definitivo. Escrever um poema para mim é uma grande felicidade. Se não acontecer, não aconteceu.



sábado, 26 de outubro de 2019

MERITOCRACIA E OUTRAS MUMUNHAS


Meu amigo virtual Marreta manifestou recentemente um certo alívio por eu não ter ainda "empacotado". E o motivo dessa preocupação foi o fato de ter ficado mais de uma semana sem postar nada, logo eu que fazia postagens diárias (nos áureos tempos, nos áureos tempos!). Agradeço constrangido o interesse, mas o motivo dessa "ausência" foi justamente a ausência de assunto (a repetição é proposital!). Já li em algum lugar que um sapo só enxerga quando há movimento. Dele próprio ou de algum lanche que passe voando mais perto. Se non è vero, è bene trovato

Quero dizer com isso que sou meio sapão, meio reativo, pois preciso ser cutucado para reagir. E não estou falando do Marreta, mas de uma "amiga de facebook". Essa jovem (é jovem) compartilhou um vídeo do Mário Sérgio Cortella sendo entrevistado no programa "Pânico". No trecho compartilhado ele aborda o tema meritocracia e faz os seguintes comentários (deu trabalho a transcrição!):

"Meritocracia é um tema que só tem presença válida quando todos partem no mesmo ponto de igualdade. Se todo mundo partir no mesmo lugar (provável corte do vídeo) Piscina. Saímos todos nós daqui agora e vamos para uma piscina fazer uma disputa de 100 metros. A piscina é a mesma, a temperatura da água é a mesma e nós vamos ter o mesmo tempo livre para fazer o percurso. Então você diz: “terá mérito quem chegar em primeiro e se esforçar mais”. Mas como é que a gente faz com quem não sabia nadar direito, nunca tinha entrado numa piscina, tá com uma dificuldade? Meritocracia funciona quando você parte de um ponto comum.  Igualdade de oportunidades significa equidade. Equidade é você não dar uma educação idêntica para necessidades diferentes. Numa democracia uma escola boa é aquela que não trata igualmente pessoas que tem condições desiguais. Trata igualmente no mérito, no respeito, na dignidade (...) Tratar igualmente os desiguais na condição é aprofundar a desigualdade".

Pois é, meu caro Cortella, até eu que sou uma besta quadrada já dizia coisa semelhante lá no início do Blogson. Aliás, até mesmo o Rui Barbosa já pensava assim! Segundo meu amigo Marreta, a "Águia de Haia" (ou Cabeção) teria dito que "A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real."

Minha visão sobre isso foi registrada no post "Citius Altius, Fortius" e em outros menos votados (a propaganda é a arma do negócio). Por isso, para mim está OK que o Cortella diga o que disse, pois ele é foda. Aliás, a melhor palestra que já ouvi até hoje foi justamente dada por ele no auditório da empresa pública onde trabalhei. Mesmo assim, ainda que não tenha sua cultura, relevância e didatismo, vou me atrever a comentar o mesmo tema, só que jogando na defesa (se o Lula usava imagens futebolísticas em suas lenga-lengas, por que eu não poderia? Isso sem falar no Bolsonaro, que prefere imagens "matrimoniais").

O lance é o seguinte: Parece ser uma lei natural o fato de que quando não se gosta de alguma coisa, situação ou pessoa, é quase sempre possível arranjar argumentos razoáveis para embasar essa aversão. Da mesma forma, quando se está em sintonia com alguma ideia, comportamento ou atitude, também é razoavelmente fácil arranjar argumentos ou exemplos que corroborem essa identificação. No caso da “meritocracia” é a mesma coisa. 

O Cortella é um fenômeno, mas deixou de dizer que em algum momento deverá existir uma linha de corte, um ponto de partida que valha para todos.  Caso contrário, precisaremos recuar até à maternidade ou, de forma radical, aos espermatozoides ou até mesmo aos primeiros organismos que surgiram na Terra, pois "Tratar igualmente os desiguais na condição é aprofundar a desigualdade"

Isso é bastante óbvio, pois ninguém de bom senso espera ver uma disputa entre o Cesar Cielo e Jotabê numa prova de 100 metros de crawl. Mas isso não invalida a ideia de se valorizar e premiar o mérito pessoal. Aparentemente, a valorização do mérito não é uma ideia muito simpática para o pessoal da Esquerda...

Sou favorável a direitos e oportunidades fundamentais iguais para todo mundo: homem ou mulher, rico ou pobre, preto ou branco, hetero ou gay, velho ou novo e por aí vai. Mas não aceito que desiguais sejam tratados como iguais só para que se promova a "justiça social". Inteligente é diferente de "burro", trabalhador é diferente de preguiçoso, honesto é diferente de ladrão, estudioso é diferente de malandro.

Por isso mesmo, uma linha de corte é necessária. Juntar meia dúzia de gatos pingados em variados graus de intimidade com o nado livre em uma prova de natação é bastante diferente de uma competição olímpica que reúna os melhores atletas do mundo. É nas olimpíadas ou nos torneios de futebol, basquete ou vôlei que o mérito individual fica mais visível. Desqualificar a meritocracia com exemplos em que dessemelhantes são tratados de forma igual é um comportamento muito simplista. Obviamente, longe de mim pensar que esse é o pensamento do Cortella (a quem admiro muito). Além do mais, a meritocracia não é medida apenas em um instante, pois é parte e consequência de um processo longo e continuado.

Acho louvável que a moçada adepta do "Lula Livre" sonhe com uma sociedade igualitária, mas, como disse o grande poeta (e ex-comunista) Ferreira Gullar, "a natureza é injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro. Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos nós".

Para não ficar só na divagação, vamos tratar de casos reais: quando fiz vestibular para engenharia, havia mais de três mil candidatos disputando uma das quinhentas vagas existentes. Por ter estudado pra caramba, passei em vigésimo sétimo lugar. Infelizmente, não tive maturidade nem bom senso durante o curso. O resultado foi terminar o curso em um dos últimos lugares (quatrocentos e cacetada). Se isso acontecesse com duas pessoas distintas, o mérito de cada um ficaria totalmente visível. Ponto para o jovem sonhador que passou no vestibular e ferro para o idiota que se formou aos trancos e barrancos.

Outro caso curioso é o de um casal muito humilde que conheço. Moram na favela e têm três filhos. O marido é super gente fina e trabalhou de servente aqui em casa. O filho mais velho era uma criança falante e esperta, mas hoje está preso por tráfico de drogas; enquanto isso, o segundo acaba de passar no vestibular de direito. Se ambos tiveram a mesma educação familiar, as mesmas condições iniciais, como deixar de pensar no mérito de cada um?

Esta é a mensagem da resposta que dei à minha amiga de facebook. Devemos valorizar o mérito sempre, mesmo que precisemos ajustar e calibrar os “instrumentos de aferição”. E para terminar, só um jogo de palavras, uma brincadeira ao estilo Jotabê.

Talvez algumas pessoas se oponham à meritocracia por sua terminação arrogante (cracia), pois Kratos em grego significa “poder, domínio” (Jotabé também é cultura!). Por isso, para maior aceitação e reconhecimento do mérito, poderiam ser criadas novas designações a partir de sufixos gregos conhecidos. Por exemplo:
De Sophos (“sabedoria, conhecimento”) surgiria “Meritosofia”. Bacana, não? De Philos (“apreço, amor”) sairia “Meritofilia”. Para evitar injustiças e erros de avaliação, de Nomos (“método, lei, regra”) surgiria a severa “Meritonomia”. Mas deveria ser evitada a todo custo a utilização do sufixo Phobos (“medo”). “Meritofobia” não, nem pensar.


sexta-feira, 25 de outubro de 2019

"UM TEXTO TÃO BOM"...


Comecei hoje a rascunhar algumas ideias sobre a meritocracia, mas achei um texto tão bom sobre isso que resolvi transcrevê-lo. Mas duas coisas precisam ser ditas: não abandonei a ideia de revisitar o tema “meritocracia”. Em segundo lugar, o texto que achei “tão bom” é de minha autoria, tendo sido publicado em 28 de setembro de 2014, lá no início do blog. E não se trata de falta de assunto, falta de caráter (talvez só um pouquinho) ou picaretagem (idem), pois iria (irei) citá-lo no próximo post. Sua republicação poupa o tempo que gastaria em explicações futuras. Dito isso, bora lá com a republicação do texto cujo título original é CITIUS, ALTIUS, FORTIUS.


Antes de começar a divagar, preciso deixar bem claro que sou contra qualquer tipo de segregação ou exclusão. Eu desejo exatamente o contrário! Meu sonho e desejo é que as crianças e os jovens brasileiros tenham acesso a um ensino de qualidade, a uma educação de morador de Cingapura. Meu sonho é que toda a população tenha acesso a uma saúde de sueco, que não tenha que ficar deitado em macas deixadas nos corredores de hospitais e unidades de saúde. Esse é o meu sonho. Mas, fora disso, é cada um por si, de acordo com suas próprias ambições, limitações, inteligência e capacidade. Paternalismo estatal, nem pensar.

Repetindo o que já disse antes em outro post (perdoem-me pela auto-citação), “Somos pessoas singulares, não somos iguais (embora devamos ter oportunidades básicas iguais). (...) É lógico que devemos tentar corrigir as injustiças, mas devemos sempre nos lembrar de que os resultados não serão iguais para pessoas que são diferentes entre si". Dito isso, vamos ao assunto deste post.

Sou um ignorante, um caipira. Eu ignoro tantas coisas, tantos assuntos, que me atrevo a dizer que sou um ignorante completo, pleno, uma verdadeira toupeira. Apesar disso, tenho a mania de dar palpite em tudo, com especial ênfase nos assuntos de que não entendo porra nenhuma. Por isso, hoje eu vou fazer uma viagem que irritará todos os tipos de cristãos, os ateus e, principalmente simpatizantes do socialismo e/ ou comunismo. Se este blog fosse conhecido, eu receberia um caminhão de críticas e xingamentos. Como – desde sua criação – recebeu pouco mais de mil acessos, é provável que ninguém chie. Vamos lá.

Alguém já parou para pensar que Jesus provavelmente desaprovaria o socialismo? (relaxe, não atire a primeira pedra!) Basta reler algumas de suas belíssimas parábolas. Para exemplificar o que acabei de dizer, transcrevo a “Parábola dos talentos” (Mateus 25: 14-30):

Pois é assim como um homem que, partindo para outro país, chamou os seus servos e lhes entregou os seus bens: a um deu cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual segundo a sua capacidade; e seguiu viagem. O que recebera cinco talentos, foi imediatamente negociar com eles e ganhou outros cinco; do mesmo modo o que recebera dois, ganhou outros dois. Mas o que tinha recebido um só, foi-se e fez uma cova no chão e escondeu o dinheiro do seu senhor. Depois de muito tempo voltou o senhor daqueles servos e ajustou contas com eles. Chegando o que recebera cinco talentos, apresentou-lhe outros cinco, dizendo: Senhor, entregaste-me cinco talentos; aqui estão outros cinco que ganhei. Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito; entra no gozo do teu senhor. Chegou também o que recebera dois talentos, e disse: Senhor, entregaste-me dois talentos; aqui estão outros dois que ganhei. Disse-lhe o seu senhor: Muito bem, servo bom e fiel, já que foste fiel no pouco, confiar-te-ei o muito, entra no gozo do teu senhor. Chegou por fim o que havia recebido um só talento, dizendo: Senhor, eu soube que és um homem severo, ceifas onde não semeaste e recolhes onde não joeiraste; e, atemorizado, fui esconder o teu talento na terra; aqui tens o que é teu. Porém o seu senhor respondeu: Servo mau e preguiçoso, sabias que ceifo onde não semeei e que recolho onde não joeirei? Devias, então, ter entregado o meu dinheiro aos banqueiros e, vindo eu, teria recebido o que é meu com juros. Tirai-lhe, pois, o talento e dai-o ao que tem os dez talentos; porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem, ser-lhe-á tirado. Ao servo inútil, porém, lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá o choro e o ranger de dentes”.

Que eu posso dizer? Meritocracia pura, para Jorge Lehmann nenhum botar defeito (sou fã desse cara!). Afinal, Jesus conhecia a humanidade e sabia que as pessoas são singulares, não são iguais, razão pela qual não devem ser tratadas de forma igual (“a cada qual segundo a sua capacidade”). Mesmo que a esquerda insista em não aceitar essa verdade e reaja com "choro e ranger de dentes", para dizer o mínimo.

Em entrevista à revista Veja, o poeta Ferreira Gullar disse isso: “O capitalismo é forte porque é instintivo. O socialismo foi um sonho maravilhoso, uma realidade inventada que tinha como objetivo criar uma sociedade melhor. O capitalismo não é uma teoria. Ele nasceu da necessidade real da sociedade e dos instintos do ser humano. Por isso ele é invencível.
A força que torna o capitalismo invencível vem dessa origem natural indiscutível. Agora mesmo, enquanto falamos, há milhões de pessoas inventando maneiras novas de ganhar dinheiro. É óbvio que um governo central com seis burocratas dirigindo um país não vai ter a capacidade de ditar rumos a esses milhões de pessoas. Não tem cabimento”.

Que posso eu fazer senão concordar com essa afirmação, feita por um ex-militante do PCB? Alguém já disse que a resistência de uma corrente é determinada pelo elo mais fraco. Corretíssimo. Por isso, não dá para acorrentar toda uma sociedade à crença de uma igualdade que não existe nem na natureza.

Quando eu vejo partidos políticos e pessoas defendendo o socialismo, a “social democracia”, é fácil eu me lembrar de minha infância pobre. Mas não me identifico de forma nenhuma com essas ideias. Desde que nasci, mesmo trabalhando a vida toda como assalariado, sempre fui a favor da democracia, da democracia capitalista. Mas abomino o “capitalismo selvagem”. Para mim, as conquistas pessoais devem ser coerentes com a capacidade, jamais com a rapacidade (boa essa!). 

Continuando nessa linha, que tal lembrar os Jogos Olímpicos? Quer coisa mais “meritocrática”? Com aquele papo de “citius, altius, fortius”, só “os” fodões ganham medalha. A prova de 100 metros rasos para homens é a mais badalada de todas as disputas; devem participar mais de cinquenta atletas de altíssimo nível. O que significa isso? Que todos tiveram a mesma oportunidade, o mesmo ponto de partida (a participação na prova), mas os resultados foram alcançados de acordo com a competência individual. O mesmo acontece nos concursos públicos, em entrevistas de empregos, em desempenho escolar. As pessoas não são iguais, os filhos de um mesmo casal não são iguais; nem os gêmeos univitelinos têm comportamentos iguais.

Finalizando esse lero-lero, só mais um comentário: para um não ateu, Deus está na origem da Natureza (relaxe, continue a ler!). Como sou darwinista, acredito piamente na evolução das espécies e, lógico na evolução da espécie humana. Acontece que essa evolução aconteceu pela seleção natural, processo onde os melhor adaptados, os mais fortes, os mais inteligentes tiveram êxito em deixar descendentes igualmente aptos. E assim, sucessivamente. Por um motivo ou por outro, até as espécies menos adaptadas ou incapazes de se adaptar rapidamente, dançaram, foram extintas (caso dos Neandertais, por exemplo).

Então, na Natureza, pode-se dizer que cada um recebe de acordo com sua capacidade, não tem essa de “irmãozinho”, de "companheiro", não existe igualdade boazinha. Pelo contrário, o pau come o tempo todo. Assim, se Deus está na origem da Natureza e se na Natureza o que rola é a seleção natural e o sucesso do mais capacitado, então Deus não é a favor do socialismo nem do comunismo (bom sofisma esse!), ainda que o Leonardo Boff bufe.


quinta-feira, 24 de outubro de 2019

BOI PRETO


Um de meus filhos, ao comentar minha aprovação ou simpatia por alguém com comportamento fora do convencional e da normalidade, alheio aos códigos de conduta social normalmente aceitos, diz que “boi preto reconhece boi preto”.

Sempre acho graça nessa avaliação, embora não me reconheça tão alternativo como me julgam. Mas, fazendo um retrospecto da minha “longa estrada da vida”, percebo que a maioria das pessoas com que mais me identifiquei, tive simpatia ou sentimentos de amizade (embora não saiba definir o que isso significa realmente) eram autênticos “bois pretos”.

Perdedores natos (born losers)? Bichos-grilos? Gente com gosto musical ou literário menos convencional? Colegas ou vizinhos que transitavam no limite estreito que separa a sanidade da loucura? Avessos às convenções sociais estabelecidas? Neuróticos de todo tipo e matiz? Ateus e agnósticos? Inimigos de música sertaneja ou funk? Colecionadores de inutilidades? Esportistas que odeiam futebol? Tudo “chegado meu”, todos pré-aprovados no teste da convivência.

Mas, para entrar - e permanecer - no “seleto” grupo de gente descompensada ou não convencional com quem gosto de conversar ou conviver, duas exigências devem ser cumpridas: o “chegado” deve ter senso de humor e inteligência. Sem isso, pode “caçar outro rumo”, outra turma.

Pensando bem, melhor ainda que um boi preto, vacas pretas sempre foram bem vindas. Entretanto, devido ao adiantado da hora, melhor será não dar muito destaque a isso.
 

ONDE ESTÁ VOCÊ - OSCAR CASTRO NEVES E LUVERCY FIORINI


Acho que hoje bateu uma saudade de mim, que acabou se espalhando, se espalhando, como petróleo no mar...

Onde está você
Se o sol morrendo te escondeu?
Onde ouvir você
Se a sua voz a chuva apagou?
Onde buscar, se o coração
Bater de amor
Pra ver você

Hoje a noite não tem luar
Eu não sei onde te encontrar
Pra dizer como é o amor
Que eu tenho pra te dar

Passa a noite tão devagar
Madrugada é silêncio e paz
E a manhã que já vai chegar
Onde te despertar

Vem depressa de onde está
Já é tempo do sol raiar
Meu amor que é tanto não
Pode mais esperar



terça-feira, 15 de outubro de 2019

MUITO PRAZER!


Existem situações que melhor seria se não tivessem acontecido. Uma delas, por exemplo, foi ter afirmado em post recente que nunca tinha ouvido falar do escritor Mia Couto. Como fui exemplarmente contestado e ironizado por meu amigo virtual Marreta - que até disponibilizou o link de um post onde eu tecia loas ao poeta  moçambicano (creio que ele desejava matar a cobra e mostrar o pau), - resolvi reagir à altura, mergulhando na página da Wikipédia que fala desse autor. 

Por isso mesmo, resolvi exibir o conhecimento enciclopédico adquirido sobre autor tão badalado. E a melhor forma que encontrei para isso foi compará-lo a Jotabê, um sujeito multimidia, um cara verdadeiramente excepcional (segundo o dicionário, "Frequentemente a palavra excepcional é usada para denotar um indivíduo que tem deficiência cognitiva de qualquer espécie"). Então, bora lá:


Agora, você, caro leitor, poderia dizer que já sabe (quase) tudo de relevante sobre Mia Couto. Ainda bem que eu disse "poderia", pois há uma pegadinha no quadro acima: os poemas estão trocados. O poeta moçambicano é o verdadeiro autor do magnífico poema "O Espelho". Aliás, foi esse truque (trick) o motivo deste post. Por isso, fica o aviso final: não compre gato por lebre, recuse e-miações, pois Mia Couto é um dos grandes escritores dessa língua periférica que é o português, mas Jotabê só existe no Blogson Crusoe.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

DOIS POEMAS DE MIA COUTO


Talvez para boa parte das pessoas que me conhecem eu possa parecer um cara culto, pois gosto de música menos comercial, já ouvi falar de muita coisa, cito fatos, pensamentos, ideias e curiosidades sobre gente ilustre e a época em que viveram e - sacrilégio! - nunca comento sobre futebol.

Curiosamente, há muitos anos, ganhei de presente uma bíblia da cultura inútil, o "Livro dos Fatos de Isaac Asimov", com 3.000 (!!!) curiosidades sobre dezenas ou centenas de assuntos. Impossível não ler o livro todo - mesmo que tenha ficado intoxicado com ao final. Era muita cultura inútil! Acabei emprestando o livro para meu pai (que nunca o devolveu). Por essas e outras, posso dizer que sou razoavelmente bom em cultura superficial.

Mas essa cultura de fachada é só um out-door que esconde minha ignorância abissal, mais profunda que "the deep blue sea", que a Fossa das Marianas. Já senti vergonha de toda essa incultura, já fiquei na fossa por causa disso, mas me libertei. Hoje em dia, confesso alegremente minha condição de toupeira cultural, pois reconheço grandes nomes da literatura mundial, mas a maioria ainda permanece inédita para mim. Gosto muito de poesia mas nada sei da obra dos poetas mais cultuados. Gosto muito de música mas a erudita para mim ainda é um muro de difícil escalada. O mesmo acontece com pintores, escultores e filósofos. Por isso, sempre aviso que minha falsa cultura é alimentada por orelhas de livros, documentários da TV, a cabo, revistas semanais e cadernos "B" de jornais diários que leio na sala de espera de médicos ou dentistas.

Assim, foi com imensa e prazerosa surpresa que tomei conhecimento ontem da poesia de Mia Couto, graças a um comentário anônimo publicado no blog "A Marreta do Azarão". Corri à internet (força de expressão, claro!) para saber mais e descobri uma insuspeitada e imensa afinidade com a obra do poeta. Aliás, foi amor à primeira vista. Mas meu desconhecimento era tão gigantesco que ao ler o nome "Mia" pensei tratar-se de poeta do sexo feminino (ou poetisa). E por gostar tanto do que li, resolvi fazer uma espécie de brincadeira ao comparar-me com ele. Mas isso fica para outra ocasião. Ao dia de hoje bastam suas próprias preocupações (acho que errei a citação). Não importa, bom mesmo é ler um poema do Mia Couto. Melhor ainda se forem dois. Olha aí.

SER, PARECER

Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida

Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos.


FUI SABENDO DE MIM

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia

pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

VOCÊ SABE O QUE É ROCK?


Estou pensando em dar uma atualizada em seus conhecimentos músico-comportamentais. Você, caro (e raro) leitor, ainda acha que o rock é só rebeldia, gente jovem reunida, som pesado e riffs de guitarra? Enganou-se meu velho (provavelmente é mesmo).

Hoje o rock joga golfe com o Alice Cooper, cria cavalos de raça com Charlie Watts, pilota um Boeing 747 com o vocalista do Iron Maiden, é sócio do Facebook com o Bono Vox e fabrica cachaça artesanal com o Marcelo Bonfá.

Também tem uma marca de roupas com  a vocalista do No Doubt, administra uma editora de música com o Paul McCartney e é sócio de uma gravadora, de uma rede de restaurantes e de um time de futebol americano com o baixista do Kiss.

Mas é no Rio – surpreenda-se! - que o rock (in Rio!), cantou samba com Alcione e axé com Ivete Sangalo. Definitivamente, o rock hoje não é para amadores!

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

POESIA DE GUARDANAPO - MARCOS COLLETA

Tenho por um “amigo da vida real” uma admiração quase irrestrita, em virtude dos postos estratosféricos que foi ocupando ao longo da vida. Hoje, além de consultor, possui um blog - Blog do MaLuCo:)que alimenta com dicas diversas, críticas de cinema e “crônicas de guardanapo”. Perguntado sobre o significado desse título bizarro, disse-me que um dia estava em um restaurante quando lhe ocorreu uma ideia que achou por bem registrá-la rápido, para que não a esquecesse. À falta de meio mais adequado a esse registro, pediu ao garçom um guardanapo de papel e escreveu o texto ali mesmo.

Muito bem. No último fim de semana fomos a uma feira de artes gráficas, pois é o tipo de evento que sempre me atrai. Até já fiz um post sobre isso (https://blogsoncrusoe.blogspot.com/2017/08/vidro.html). A meninada manda super bem e tem uma criatividade bem legal. Ficamos lá um tempão, conversei pra caramba e até fiz propaganda do Blogson (eu não tenho nenhuma vergonha na cara!). Entre os panfletinhos, filipetas e cartões de visita que me deram veio também um guardanapo com uma poesia impressa. Pode  meu amigo ter inventado a “crônica de guardanapo”, mas teve gente que viabilizou no mundo real a “poesia de guardanapo”. Olhaí.

domingo, 6 de outubro de 2019

SOLAMENTO - TUYO


Marco Antonio Araujo foi um músico de formação erudita, morto aos 36 anos em consequência de hemorragia cerebral, um dia antes de receber o prêmio de melhor músico instrumentista do Brasil, concedido pela revista VEJA. Além de seu trabalho como violoncelista na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, compunha e gravava rocks progressivos. Deixou alguns discos gravados (ainda na época dos vinis). Um deles tem um título que eu acho ótimo: "Quando a sorte te solta um cisne na noite".

Lembrei-me desse título ao ver um "comentário" deixado no Blogson por um visitante anônimo (Obrigado, Anônimo!). Não disse nada, apenas "soltou um cisne na noite", pois só deixou um link do Youtube. Fui conferir e descobri uma música com uma letra longa e muito boa, gravada por um trio totalmente desconhecido para mim. Aliás, em vez de Trio, talvez fosse melhor dizer Tuyo, que é o nome do grupo. A piada pode ser horrível, mas a letra é boa! por isso, resolvi transcrevê-la aqui no blog. Toca aí, Tuyo!

Eu posso ser muito idiota
Muito negativa, muito imbecil
Eu posso ser muito otimista
Muito sorridente, muito varonil
Eu posso ser a rainha do planeta
O príncipe encantado, a vilã da novela
Eu posso ter um monte de dinheiro
Viajar o mundo inteiro, te chamar pra ir comigo
Mas nada disso vai fazer você me olhar
Mas nada disso vai fazer você se apaixonar por mim
Se o que eu tenho e o que eu sou não valem mais
Não acho justo a vida me ensinar
De um jeito tão cruel, como se fosse só assim
Pra entender que você não é pra mim
Eu posso até te levar naquele show
Arrumar o meu cabelo, te olhar daquele jeito
Eu posso ser quem eu nunca fui na vida
Ser aquela bem bonita que você viu na revista
Eu posso até te fazer aquela música
Te levar pra ver a tempestade no mar
Eu posso ver o que tem dentro de você
E te dizer o que existe em mim e te amar de um jeito infinito
Mas nada disso vai fazer você me olhar
Mas nada disso vai fazer você se apaixonar por mim
Se o que eu tenho e o que eu sou não valem mais
Se do meu jeito não consegui te alcançar
Agora é aceitar e me silenciar
E entender que eu não sou pra você




A ARTE DA POESIA: ENSAIOS ESCOLHIDOS - EZRA POUND


Estava buscando algum poema de algum grande poeta para publicar aqui no Blogson (eu gosto de poesia, embora seja um boçal nato nesse quesito, pois sou um bronco, um ignorantão no assunto), quando esbarrei na poesia de Ezra Pound publicada no site "Revista Prosa Verso E Arte". Fiquei meio cabreiro de encarar poemas longos e cheios de referências desconhecidas. Mas encontrei um texto altamente instrutivo (para mim, é claro) sobre a arte da poesia, na verdade um excerto do livro “A ARTE DA POESIA”. Não poderia deixar de divulgá-lo aqui no velho Blogson. A parte sublinhada (por mim) foi um soco na minha cara! Olhaí.


Não use palavras supérfluas, nem adjetivos que nada revelam. Não use expressões como dim lands of peace (brumosas terras de paz). Isso obscurece a imagem. Mistura o abstrato com o concreto. Provém do fato de não compreender o escritor que o objeto natural constitui sempre o símbolo adequado.

Receie as abstrações. Não reproduza em versos medíocres o que já foi dito em boa prosa. Não imagine que uma pessoa inteligente se deixará iludir se você tentar esquivar-se aos obstáculos da indescritivelmente difícil arte da boa prosa subdividindo sua composição em linhas mais ou menos longas. O que cansa os entendidos de hoje cansará o público de amanhã.

Não imagine que a arte poética seja mais simples que a arte da música, ou que você poderá satisfazer aos entendidos antes de haver consagrado à arte do verso uma soma de esforços pelo menos equivalente aos dedicados à arte da música por um professor comum de piano.

Deixe-se influenciar pelo maior número possível de grandes artistas, mas tenha a honestidade de reconhecer sua dívida, ou de procurar disfarçá-la.

Não permita que a palavra influência signifique apenas que você imita um vocabulário decorativo, peculiar a um ou dois poetas que por acaso admire. Um correspondente de guerra turco foi surpreendido há pouco se referindo tolamente em suas mensagens a colinas cinzentas como pombas, ou então lívidas como pérolas, não consigo lembrar-me. Ou use o bom ornamento, ou não use nenhum.



sábado, 5 de outubro de 2019

TERRAPLENO


ESPELHO PARA VAMPIRO

Às vezes, justo quando estou posto em sossego (cochilando), alguma ideia impertinente surge só para me impedir de continuar coçando o saco. Aí não tem jeito, imediatamente passo a refletir sobre o assunto que surgiu por pelo menos um minuto. Mas são reflexões sem profundidade, mais rasas que a terra plana e tão inúteis quanto espelho em casa de vampiro. Olhaí.


A memória é mesmo uma coisa traiçoeira: às vezes ela te deixa na maior saia-justa, mesmo que você seja heterossexual.


Como talvez todo evangélico (ou crente) saiba, “Nada a Perder” é a autobiografia do Edir Macedo, que enricou depois de fundar a Igreja Universal do Reino de Deus. Não contente com as burras cheias de dinheiro proveniente do dízimo pago por seus fieis seguidores, resolveu estimular um culto à personalidade (a sua, lógico) ao lançar uma autobiografia em três volumes, que, reconheça-se, vendeu mais que banana em fim de feira. Se vacilar, quase tanto ou até mais que os livros do mago Paulo Coelho. Para mim, está valendo, mas quando vejo notícias ou comentários sobre o sucesso de vendas desses livros ou dos dois (dois!!!) filmes neles baseados, sempre fico com a sensação de que teve gente pagando o mesmo dízimo duas vezes.


Hoje, um dos piores problemas do Brasil é a paranoia dos extremos. Aliás, hoje e sempre.


Eu odeio e sinto desprezo por todas as manifestações de burrice que vejo, mas não se trata de soberba ou falta de humildade. O problema é que eu já tenho muita dificuldade em conviver com a minha própria.


Nosso presidente é muito rude, bronco e agressivo. E parece gostar de se exibir assim! Por isso, tudo o que fala ou faz me leva a pensar que sua verdadeira vocação é mesmo ser capitão, capitão do mato.


Quando se sentir sem chão, cuidado! Pode ser que você tenha entrado na água sem notar.


Numa boa, sabe por que eu nunca assisti a filmes biográficos do tipo “Nada a Perder” (sobre o Edir Mais Cedo) ou “Lula, o Filho do Brasil”? Porque não tenho mais saco para assistir a filme de ficção.


Hoje em dia, em BH, o bairro etílico-cultural por excelência chama-se Santa Tereza. Tem muito bar por lá, às vezes até três em um mesmo cruzamento! É nele que se encontra a famosa esquina do Clube da Esquina, foi lá que surgiu a banda Sepultura e é onde existe o bar mais antigo da cidade. Em BH existe também o Buritis, um bairro com alguma atividade boêmia, mas só Santa Tereza mereceria o apelido de “Biritís”.


Os adoradores do Messias exibem um comportamento extremamente curioso nas redes sociais, pois usam e abusam do coitadismo ou vitimismo para defender seu “consagrado”Essas atitudes falsamente defensivas levam-me pensar que até as defesas que fazem do Bolsonaro são usadas como ataques a quem o critica. Assim agindo publicam pérolas desse tipo: “O mesmo pessoal que não gostou do discurso do Bolsonaro, deve estar com saudades dos gloriosos discursos da Dilma na ONU”Puro coitadismo, pois o que eu senti (e sinto) foi muita vergonha dos dois!

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

A VERDADEIRA FACE



Meu amigo virtual Ozy é um sujeito esforçado. Mais que esforçado, generoso, pois resolveu fazer meu retrato falado sem cobrar nada (imagino que nas horas vagas pega um bico na Polícia Civil fazendo retratos falados de criminosos ou pessoas desaparecidas). Graças a ele, descobri que tenho mais um irmão, meu amigo virtual Marreta. Nem precisa fazer DNA, está na cara! Mas preciso dizer que sou mais que esse irmão – mais velho, mais recatado e mais pintudo (ou pintoso), pois além de pinto tenho também uma pinta (no rosto, linda!).

Mesmo um tanto constrangido, preciso dizer que o retrato falado era bonito demais para ser real. Fiz alguns comentários retificadores e meu amigo pacientemente fez nova versão. Infelizmente, fez a pinta do lado errado e se esqueceu de tirar minha barba. E continuou bonitão. Olha o Jotabelo aí:



 A título de agradecimento ao nobre gesto de meu amigo Ozy, resolvi mostrar de forma definitiva minha verdadeira face. Para isso, escolhi um retrato recente, tirado em uma das muitas vezes - duas em quarenta anos - em que fui à praia (acho que passei muito protetor solar). Olhaí.




quinta-feira, 3 de outubro de 2019

AVATAR


A falta de vergonha na cara de Jotabê já é conhecida pelas pessoas que acessam o Blogson (são milhares!). Por isso, que ninguém estranhe uma resposta mais longa a algum comentário virar novo post. E esta é uma dessas ocasiões.

Recapitulando, meu amigo virtual Ozymandias Realista solicitou que eu lhe fornecesse uma foto minha para ser transformada em caricatura. Essa caricatura seria utilizada (até onde entendi) em uma “galeria de colaboradores” de seu blog, um verdadeiro blogbuster.

Agradecido e – por que não dizer? – até envaidecido, prontamente atendi sua solicitação, como pode ser lido e visto no post “Retrato Mal Falado” (como diria o Kid Bengala, “a propaganda é a alma do Negócio, entende?”). Mas foi aí que a Realidade e a Fantasia se misturaram. Meu amigo Ozy foi mais “realista que o rei”, pois criou um avatar tão bonito que meu retrato verdadeiro é que virou caricatura. Senão, vejamos:

- Meus cada vez mais ralos cabelos são ligeiramente ondulados e penteados para trás (às vezes nem penteados são);
Tenho uma pinta ovalada no lado esquerdo do rosto (nevo) de uns 20 x 15 mm. Graças a ela, já fui chamado de “Zé da Pinta”, “Pintinha” ou “Mancha”. Quando jovem, qualquer baranga achava o máximo (mas só as barangas!). Aliás, poderia ter patenteado esse teste com o nome de “teste das piranhas”. Era infalível;
- Não uso barba atualmente, “adorno” que só deixo crescer a cada vinte anos. Faltam onze anos para deixá-la crescer de novo (um pouco de loucura nunca fez mal a ninguém!);
- Tenho bolsas sob os olhos de causar inveja a um canguru ou outro marsupial;
- E, para não ficar muito detalhista, minhas sobrancelhas são espessas e sempre me deixam carrancudo, com cara de poucos amigos (deve ser essa a explicação!).

Mesmo assim, meu caro Ozy, sinta-se à vontade para usar meu “retrato” como quiser. Talvez, quem sabe?, um dia eu ganho uma grana na megassena e encaro um ivopitangui da vida para ficar com esse rosto bonito pra caralho que você imaginou que eu tivesse. Aí só faltaria eu mudar meu apelido para Jotabelo (eita!)

Como diria o Dr. Spock, “Live long and prosper!”



MARCADORES DE UMA ÉPOCA - 4