Meu amigo virtual Marreta manifestou
recentemente um certo alívio por eu não ter ainda "empacotado".
E o motivo dessa preocupação foi o fato de ter ficado mais de uma semana sem
postar nada, logo eu que fazia postagens diárias (nos áureos tempos, nos áureos
tempos!). Agradeço constrangido o interesse, mas o motivo dessa "ausência" foi
justamente a ausência de assunto (a repetição é
proposital!). Já li em algum lugar que um sapo só enxerga quando há
movimento. Dele próprio ou de algum lanche que passe voando mais perto. Se non è vero, è bene trovato.
Quero dizer com isso que sou meio sapão, meio reativo, pois preciso ser
cutucado para reagir. E não estou falando do Marreta, mas de uma "amiga de facebook". Essa
jovem (é jovem) compartilhou um vídeo do Mário Sérgio Cortella sendo
entrevistado no programa "Pânico". No trecho compartilhado
ele aborda o tema meritocracia e faz os seguintes comentários (deu trabalho a
transcrição!):
"Meritocracia é um tema que só
tem presença válida quando todos partem no mesmo ponto de igualdade. Se todo
mundo partir no mesmo lugar (provável corte do
vídeo) Piscina. Saímos todos nós daqui agora e vamos para uma piscina fazer
uma disputa de 100 metros. A piscina é a mesma, a temperatura da água é a mesma
e nós vamos ter o mesmo tempo livre para fazer o percurso. Então você diz: “terá
mérito quem chegar em primeiro e se esforçar mais”. Mas como é que a gente faz
com quem não sabia nadar direito, nunca tinha entrado numa piscina, tá com uma
dificuldade? Meritocracia funciona quando você parte de um ponto comum.
Igualdade de oportunidades significa equidade. Equidade é você não dar uma
educação idêntica para necessidades diferentes. Numa democracia uma escola boa
é aquela que não trata igualmente pessoas que tem condições desiguais. Trata
igualmente no mérito, no respeito, na dignidade (...) Tratar igualmente os
desiguais na condição é aprofundar a desigualdade".
Pois é, meu caro Cortella, até eu que sou uma
besta quadrada já dizia coisa semelhante lá no início do Blogson. Aliás, até
mesmo o Rui Barbosa já pensava assim! Segundo meu amigo Marreta, a "Águia
de Haia" (ou Cabeção) teria dito que "A regra
da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na
medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade... Tratar com
desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade
flagrante, e não igualdade real."
Minha visão sobre isso foi registrada no post
"Citius Altius, Fortius" e
em outros menos votados (a propaganda é a arma
do negócio). Por isso, para mim está OK que o Cortella diga o que disse, pois
ele é foda. Aliás, a melhor palestra que já ouvi até hoje foi justamente dada
por ele no auditório da empresa pública onde trabalhei. Mesmo assim, ainda que
não tenha sua cultura, relevância e didatismo, vou me atrever a comentar o
mesmo tema, só que jogando na defesa (se o Lula usava imagens futebolísticas em
suas lenga-lengas, por que eu não poderia? Isso sem falar no Bolsonaro, que
prefere imagens "matrimoniais").
O lance é o seguinte: Parece ser uma lei
natural o fato de que quando não se gosta de alguma coisa, situação ou pessoa, é
quase sempre possível arranjar argumentos razoáveis para embasar essa aversão.
Da mesma forma, quando se está em sintonia com alguma ideia, comportamento ou
atitude, também é razoavelmente fácil arranjar argumentos ou exemplos que
corroborem essa identificação. No caso da “meritocracia” é a mesma coisa.
O Cortella é um fenômeno, mas deixou de dizer
que em algum momento deverá existir uma linha de corte, um ponto de partida que
valha para todos. Caso contrário,
precisaremos recuar até à maternidade ou, de forma radical, aos espermatozoides
ou até mesmo aos primeiros organismos que surgiram na Terra, pois "Tratar
igualmente os desiguais na condição é aprofundar a desigualdade".
Isso é bastante óbvio, pois ninguém de bom
senso espera ver uma disputa entre o Cesar Cielo e Jotabê numa prova de 100
metros de crawl. Mas isso não invalida a ideia de se valorizar e premiar o
mérito pessoal. Aparentemente, a valorização do mérito não é uma ideia muito
simpática para o pessoal da Esquerda...
Sou favorável a direitos e oportunidades fundamentais
iguais para todo mundo: homem ou mulher, rico ou pobre, preto ou branco, hetero
ou gay, velho ou novo e por aí vai. Mas não aceito que desiguais sejam tratados
como iguais só para que se promova a "justiça social". Inteligente é
diferente de "burro", trabalhador é diferente de preguiçoso, honesto
é diferente de ladrão, estudioso é diferente de malandro.
Por isso mesmo, uma linha de corte é
necessária. Juntar meia dúzia de gatos pingados em variados graus de intimidade com o nado livre em uma prova de natação é
bastante diferente de uma competição olímpica que reúna os melhores atletas do
mundo. É nas olimpíadas ou nos torneios de futebol, basquete ou vôlei que o
mérito individual fica mais visível. Desqualificar a meritocracia com exemplos
em que dessemelhantes são tratados de forma igual é um comportamento muito
simplista. Obviamente, longe de mim pensar que esse é o pensamento do Cortella
(a quem admiro muito). Além do mais, a meritocracia não é medida apenas em
um instante, pois é parte e consequência de um processo longo e continuado.
Acho louvável que a moçada adepta do
"Lula Livre" sonhe com uma sociedade igualitária, mas, como disse o
grande poeta (e ex-comunista) Ferreira Gullar, "a natureza é
injusta. A justiça é uma invenção humana. Um nasce inteligente e o outro burro.
Um nasce inteligente, o outro aleijado. Quem quer corrigir essa injustiça somos
nós".
Para não ficar só na divagação, vamos tratar
de casos reais: quando fiz vestibular para engenharia, havia mais de três mil
candidatos disputando uma das quinhentas vagas existentes. Por ter estudado pra
caramba, passei em vigésimo sétimo lugar. Infelizmente, não tive maturidade nem
bom senso durante o curso. O resultado foi terminar o curso em um dos últimos
lugares (quatrocentos e cacetada). Se isso acontecesse com duas pessoas
distintas, o mérito de cada um ficaria totalmente visível. Ponto para o jovem
sonhador que passou no vestibular e ferro para o idiota que se formou aos
trancos e barrancos.
Outro caso curioso é o de um casal muito
humilde que conheço. Moram na favela e têm três filhos. O marido é super gente
fina e trabalhou de servente aqui em casa. O filho mais velho era uma criança falante
e esperta, mas hoje está preso por tráfico de drogas; enquanto isso, o segundo
acaba de passar no vestibular de direito. Se ambos tiveram a mesma educação
familiar, as mesmas condições iniciais, como deixar de pensar no mérito de cada
um?
Esta é a mensagem da resposta que dei à minha amiga de facebook. Devemos valorizar o mérito sempre, mesmo que precisemos ajustar e calibrar os “instrumentos de aferição”. E para terminar, só um jogo de palavras, uma brincadeira ao estilo Jotabê.
Talvez algumas pessoas se oponham à
meritocracia por sua terminação arrogante (cracia), pois Kratos em grego significa “poder, domínio” (Jotabé também é cultura!).
Por isso, para maior aceitação e reconhecimento do mérito, poderiam ser criadas
novas designações a partir de sufixos gregos conhecidos. Por exemplo:
De Sophos (“sabedoria,
conhecimento”) surgiria “Meritosofia”.
Bacana, não? De Philos (“apreço,
amor”) sairia “Meritofilia”. Para
evitar injustiças e erros de avaliação, de Nomos
(“método, lei, regra”) surgiria a severa “Meritonomia”.
Mas deveria ser evitada a todo custo a utilização do sufixo Phobos (“medo”). “Meritofobia” não, nem pensar.
Muito simples a questão da meritocracia : o melhor vence e pronto. Muito complicada a questão da meritocracia em tempos de politicamente correto. Para você ter uma ideia, eu trabalho com um professora de física cujo marido também é físico, tem dois pós-doutorados no exterior e vive a prestar concursos públicos para universidades federais. Você sabia que mesmo nesses concursos, em que os concorrentes têm que ter pelo menos doutorados, existem cotas raciais? Se houver três ou quatro finalistas e um for negro, independente do currículo, a vaga será dele.
ResponderExcluirAgora eu pergunto : ainda que tenha havido uma desvantagem inicial para o concorrente negro, isso lá em sua "fase embrionária" de estudante, ela já não foi nivelada, uma vez que ele chegou a ter título de doutor? Com que razão, ou desculpa, manter a cota?
Como professor, conheci vários casos como o que relatou. Em um deles, dois irmãos, mesmos pais, mesma criação, mesmo ambiente escolar, de vizinhança etc; um também se envolveu com tráfico e vive entrando e saindo da cadeia; o outro, no ano que vem se forma em oficial pela academia militar do Barro Branco.
Gostei da citação do Ferreira Gullar, eu não conhecia.
Pois é, à medida que "evoluímos", fomos perdendo o impacto da velha e boa seleção natural.
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