Talvez para boa parte das pessoas que me
conhecem eu possa parecer um cara culto, pois gosto de música menos comercial,
já ouvi falar de muita coisa, cito fatos, pensamentos, ideias e curiosidades
sobre gente ilustre e a época em que viveram e - sacrilégio! - nunca comento
sobre futebol.
Curiosamente, há muitos anos, ganhei de
presente uma bíblia da cultura inútil, o "Livro dos Fatos de Isaac
Asimov", com 3.000 (!!!) curiosidades sobre dezenas ou centenas de
assuntos. Impossível não ler o livro todo - mesmo que tenha ficado intoxicado
com ao final. Era muita cultura inútil! Acabei emprestando o livro para meu pai
(que nunca o devolveu). Por essas e outras, posso dizer que sou razoavelmente
bom em cultura superficial.
Mas essa cultura de fachada é só um out-door
que esconde minha ignorância abissal, mais profunda que "the deep blue
sea", que a Fossa das Marianas. Já senti vergonha de toda essa incultura,
já fiquei na fossa por causa disso, mas me libertei. Hoje em dia, confesso
alegremente minha condição de toupeira cultural, pois reconheço grandes nomes
da literatura mundial, mas a maioria ainda permanece inédita para mim. Gosto
muito de poesia mas nada sei da obra dos poetas mais cultuados. Gosto muito de
música mas a erudita para mim ainda é um muro de difícil escalada. O mesmo
acontece com pintores, escultores e filósofos. Por isso, sempre aviso que minha
falsa cultura é alimentada por orelhas de livros, documentários da TV, a cabo,
revistas semanais e cadernos "B" de jornais diários que leio na
sala de espera de médicos ou dentistas.
Assim, foi com imensa e prazerosa surpresa
que tomei conhecimento ontem da poesia de Mia Couto, graças a um comentário
anônimo publicado no blog "A Marreta do Azarão". Corri à internet
(força de expressão, claro!) para saber mais e descobri uma insuspeitada e
imensa afinidade com a obra do poeta. Aliás, foi amor à primeira vista. Mas meu
desconhecimento era tão gigantesco que ao ler o nome "Mia" pensei
tratar-se de poeta do sexo feminino (ou poetisa). E por gostar tanto do que li,
resolvi fazer uma espécie de brincadeira ao comparar-me com ele. Mas isso fica
para outra ocasião. Ao dia de hoje bastam suas próprias preocupações (acho que
errei a citação). Não importa, bom mesmo é ler um poema do Mia Couto. Melhor ainda se forem dois. Olha aí.
SER, PARECER
Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida
Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos.
Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida
Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos.
FUI SABENDO DE MIM
Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia
pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia
fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei
eu vi
a árvore morta
e soube que mentia
Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia
pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia
fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei
eu vi
a árvore morta
e soube que mentia
Rapaz, a velha memória está rateando, hein? Você comentou que só conheceu Mia Couto agora, por conta de um comentário anônimo. Porém, eu já publiquei esse mesmo poema em fevereiro do ano passado : e você até comentou na ocasião.
ResponderExcluirVeja lá:
https://amarretadoazarao.blogspot.com/2018/02/o-deus-cego-de-mia-couto.html
PUTA QUE PARIU! Não me lembrava de nada disso! A sensação que tive foi como se estivesse lendo seu post pela primeira vez! Por essas e outras é que eu preciso corrigir: não é "a velha memória", mas "a memória velha". Talvez seja uma boa ideia procurar um geriatra ou neurologista (falando sério!), pois estou assustado com isso. Valeu!
ExcluirAcho que não é motivo para tanto alarme, não deve ser um começo de Alzhemeir - ainda.
ExcluirAliás, ouvi uma muito boa dia desses, um diferencial entre o Alzheimer e o mero esquecimento, distração : se esquecemos onde colocamos as chaves de casa, do carro etc, é somente esquecimento, desatenção; porém, se encontrarmos as chaves e não nos lembrarmos do para que que elas servem, aí é Alzhemeimer.