segunda-feira, 31 de março de 2025

ÁGUA QUENTE

 
Sempre disse que não sentia saudade de tempos idos, mas só de mim – do que poderia ter feito e não fiz, do que não deveria ter feito, mas fiz. Talvez fosse uma visão bastante egocêntrica, uma forma de resistir ao saudosismo que muitas pessoas exibem ao dizer “no meu tempo” ou “o meu tempo é que era bom”.
 
Sempre achei esse tipo de pensamento um lixo, mas alguma coisa mudou em mim. O sono interrompido, fracionado em três ou quatro partes, tem provocado sonhos inusitados, pensamentos estranhos e desejos inesperados. Dia desses, acordei às três da manhã com uma sensação enorme de melancolia, com saudade de algumas pessoas com quem mal convivi, meninas que desejei sem sucesso, em um período em que o que poderia ter acontecido não aconteceu.
 
E me peguei triste, com vontade de rever essas imagens há muito esquecidas, esfumaçadas depois de passados mais de 50 anos – mesmo sabendo que o Tempo erodiu e tornou provavelmente irreconhecíveis rostos e corpos hígidos de que já nem me lembro mais. Mesmo assim, gostaria de poder rever quem esquentou a água dessa saudade – uma saudade sem sentido e que eu nunca tinha sentido antes.

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