- Gás Lacrimogêneo
Foi em 1969, quando estava fazendo curso preparatório para o vestibular da UFMG, que conheci o gás lacrimogêneo, ou melhor, os efeitos dele. O cursinho (que depois se transformou na maior empresa da área educacional do Brasil) funcionava em um sobrado antigo localizado nos limites da área central e a uma quadra da Faculdade de Direito da UFMG, outro “ninho” de manifestantes contra o regime. Para pegar o ônibus, eu precisava passar na região onde as manifestações eram mais exaltadas e barulhentas. E a reação da polícia mais intensa. Foi assim que senti o cheiro irritante (no sentido literal) de gás lacrimogêneo utilizado para dispersar manifestações.
Foi em 1969, quando estava fazendo curso preparatório para o vestibular da UFMG, que conheci o gás lacrimogêneo, ou melhor, os efeitos dele. O cursinho (que depois se transformou na maior empresa da área educacional do Brasil) funcionava em um sobrado antigo localizado nos limites da área central e a uma quadra da Faculdade de Direito da UFMG, outro “ninho” de manifestantes contra o regime. Para pegar o ônibus, eu precisava passar na região onde as manifestações eram mais exaltadas e barulhentas. E a reação da polícia mais intensa. Foi assim que senti o cheiro irritante (no sentido literal) de gás lacrimogêneo utilizado para dispersar manifestações.
- O DOPS
Para mim, o DOPS - Departamento de Ordem Política e Social era a única face conhecida dos órgãos de repressão policial, pois nem sonhava com a existência de endereços clandestinos onde os presos eram “moídos” por sádicos e psicopatas. Em BH, o prédio ficava dentro da área delimitada pela Avenida do Contorno, em um cruzamento de avenidas um pouco afastado do centro. A entrada ficava na principal avenida de BH. Quando, por qualquer motivo, tinha de passar perto daquele lugar sinistro de tantas histórias macabras já ouvidas, eu preferia atravessar a avenida e passar do outro lado, pois cagava de medo de alguém me abordar. Um desses casos escabrosos era sobre o interrogatório de um estudante universitário, que depois de negar dezenas de vezes a acusação de ser comunista, acabou se cansando e dizendo que era comunista.
- E por que você é comunista?
- Porque meu pai é comunista, meus vizinhos são comunistas, meu cachorro é comunista...
- Ah é? E se sua mãe fosse puta, o que você seria?
- Eu seria agente do DOPS.
Dizem que teria sido tão espancado que ficou retardado. Embora seja um bom retrato da época, duvido de sua veracidade. Quem teria tornado pública essa história? O preso? O policial? Ninguém?
Foi nessa época em que fiquei sabendo da prisão e exílio de músicos, atores, jornalistas e todo tipo de gente que tinha a audácia de escrever, compor músicas ou encenar peças que contivessem críticas aos detentores do poder.
- Convocação
Em 1970 aconteceu um caso engraçado. O presidente Medici pediu para que o Dario, artilheiro do Atlético mineiro, fosse convocado para a seleção que disputaria a copa do mundo no México. O técnico João Saldanha recusou, pois, apesar de goleador, o Dadá Maravilha era considerado perna de pau. Resultado: o Saldanha perdeu o posto de técnico da seleção e o Dario foi convocado. Mas como era reserva do Pelé, não jogou nem meio minuto.
- Jornaleco Filho da Puta!
O Pasquim era um jornalzinho semanal da imprensa alternativa, que chegou a vender mais de 200.000 exemplares por tiragem. Fazia oposição aberta à ditadura militar, mas usando o humor e o sarcasmo para driblar a censura. Suas sátiras políticas acabaram provocando a prisão no final de 1970 de praticamente todos os colabores. Apesar disso (e provável desgosto e irritação dos militares), continuou a ser vendido, tendo Millôr Fernandes como editor e a colaboração de artistas, cartunistas, escritores e intelectuais de todo tipo. Seu sucesso incomodou tanto o regime que grupos de extrema-direita partiram para a destruição de bancas de revistas que o vendiam, numa tentativa destemperada de quebrar financeiramente o jornal e de calar a oposição.
- Atentados a Bomba
Uma das coisas mais odiosas promovida pela ala mais radical da ditadura foi o uso de explosivos para silenciar os opositores do regime. Apesar da truculência própria dessa atitude, os atentados usavam métodos sofisticados. Um deles foi a utilização de cartas-bomba. Uma delas, endereçada ao presidente da OAB do Rio de Janeiro explodiu nas mãos de sua secretária, que veio a falecer.
- Queimando Bancas de Revista
Lá pela década de 1980, em uma das empresas onde trabalhei, fui colega de um senhor idoso, afável e muito simpático, tratado por todos como “Major”, sua última patente militar antes de ser reformado. Puxa-saco juramentado que sou, chamava-o de “Coronel”, patente adquirida automaticamente após a reforma.
Apesar da afabilidade e modos corteses, mantinha sobre sua mesa a guisa de peso de papeis, um protótipo de sua autoria (segundo ele!) para uma granada de mão – na prática, um cilindro de ferro oxidado de uns doze centímetros de altura e sete de diâmetro, oco por dentro, todo ranhurado externamente e com tampa de rosca – e pesado pra caramba. Buona gente, já se viu. Tinha trabalhado na área de inteligência do exército e foi ele que me contou esta história.
Com o objetivo de impedir a propagação de reportagens e artigos contra o regime, grupos radicais realizaram mais de 30 atentados contra bancas de jornal que vendiam publicações contra o regime. E as bancas, sem que ninguém soubesse como, começavam a pegar fogo e ficavam destruídas. Segundo o então major, ele foi designado com outras pessoas para descobrir o que estava acontecendo. Depois de algum tempo e provável interrogatório de prováveis autores, chegaram à conclusão de que o artefato incendiário (fabricado por quem entendia do assunto) era feito de alguma substância explosiva ao entrar em contato com o ar, envolta em cera de abelha. Colocadas sobre o telhado das bancas ou locais estratégicos, ficavam “hibernando” até que a cera fosse derretida pelo calor do sol. E o bicho então pegava. Infelizmente não me lembro dos detalhes corretos contados com um sorrisinho malicioso nos lábios, mas é algo assim.
- Inseguro
Em resumo, mesmo continuando anticomunista, mesmo sendo super inofensivo e inocente, mesmo podendo andar “em segurança” pelas ruas, eu me sentia como o protagonista do livro 1984, pois tinha mais medo da polícia que de eventuais bandidos.
Talvez tenha sido nessa época que comecei a perceber que se havia radicalismo extremado tanto na esquerda quanto na direita, também poderia existir moderação, uma "esquerda boa" e uma "direita boa". Talvez tenha sido a partir daí que eu entendi ser a “pista do meio” o melhor lugar para mim. E estas lembranças de tempos sombrios agora chegaram ao fim.
Muito bom o relato das suas lembranças da ditadura. Eu nunca fui um militar caxias. Aliás, eu poderia ter sido qualquer outra coisa, acabei militar por influência do meu pai e talvez por um gosto por aventuras. Nunca defendi os crimes dos governos militares. Até gosto de Gil, Chico e Caetano...lembro bem do Pasquim nas bancas, apesar de eu não comprar, eu era adolescente, estava na fase de gibis e revistinhas de mulher pelada.
ResponderExcluirMas há uns anos eu comprei uma coleção em dois volumes das melhores edições do Pasquim.
Como eu disse, culturalmente a esquerda ganhou. Os milicos ficaram muito preocupados com os comunistas da ação e se esqueceram dos comunistas das redações, das universidades, do cinema, etc. Se eles quisessem de fato dominar todo o cenário político e cultural, deveriam ir em cima de quem pensava e não de quem atirava. Não que eu quisesse que isso acontecesse, estou falando em tese.
Eu prefiro pensar que a maioria daqueles que muitos chamam de comunistas era apenas de esquerda ou apoiadores de algumas bandeiras da Esquerda. Comunistas mesmo eu poderia citar o Niemeyer, o Jorge Amado, um ator da Globo muito engraçado que dizia "Eu sou normal!". É claro que devem existir muitos mais, mas eu tenho esse registro. Creio que o Ferreira Gullar foi, mas pulou fora. Eu acho uma bitola horrorosa ser a favor de regimes totalitários, venham de onde vierem. E os relatos partem apenas da percepção que tinha daquele momento. Tudo o que eu queria era fica longe disso. O que eu queria mesmo era ser guitarrista de banda de rock e seduzir todas as menininhas.
ExcluirCorreção: Eu NÃO tenho esse registro
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