Eu devo ter alguma incompatibilidade com a
telefonia móvel, com os aparelhos de telefonia móvel. Falando mais claramente,
eu tenho problema com celulares, pois sempre acontece alguma coisa que me leva
a pensar isso.
Já disse que sou horroroso para comprar
presentes, pois erro todos. Cor, tamanho, modelo, estação do ano são barreiras
intransponíveis para mim quando quero comprar uma roupa ou sapatos para minha
mulher. Desde o início do namoro até hoje devo ter dado de trezentos a quatrocentos
presentes para ela, acertando apenas cinco – três deles comprados com a ajuda
de suas amigas. Em resumo, sou um desastre no quesito presente. Justamente por
isso caminhei para as traquitanas eletroeletrônicas – celulares, notebook,
aparelhos de som, televisores, refrigeradores, etc.
O primeiro celular que comprei para ela era
ainda daqueles que nem tinham chip, mas fez um sucesso enorme. E eu, até por
considerá-lo inútil e desajeitado para carregar no bolso da calça ou da camisa,
nunca quis ter um. Tudo mudou quando compramos um refrigerador ou lavadora de
roupas e ganhamos um aparelhinho de brinde, na cor “azul bebê”. E na tela
minúscula ainda aparecia um desenho da Xuxa! Nem preciso dizer quem ficou com
ele, não é?
Eu morria de constrangimento quando ele tocava
e eu precisava atender, pois sempre via alguém por perto tentando segurar um sorriso
de deboche. Povo cretino! Mas um dia a sorte sorriu para mim quando ganhei de
minha mulher um smartphone novinho. Novinho e enorme, quase do tamanho de um
tijolo. E foi aí que realmente surgiu minha incompatibilidade com esses
aparelhinhos do capeta.
Fiquei pensando em como carregá-lo até
perceber que as jovens o colocam no bolso traseiro de suas calças jeans. “É lá!”, pensei comigo, um “lugar” macio
e protegido, só raramente apalpado por desconhecidos desavergonhados. Não
tive dúvida, enfiei o tijolo na bunda, ou melhor, no bolso traseiro da calça,
entrei no carro e ao sentar no banco do motorista imediatamente quebrei o celular. Minha mulher ficou uma fera,
esbravejou e disse que “nunca mais me
daria um celular”. Para encurtar a conversa, voltei para o celularzinho
azul bebê – que eu dizia ser movido a carvão, de tão antiquado.
O tempo passou, a empresa onde trabalhava me
deu um celular para usar durante o trabalho. Em uma vistoria que estava fazendo
esqueci o merdinha em cima de alguma mesa e babau, tive de comprar um para
repor o aparelho roubado. Em outro momento minha mulher resolveu trocar seu
celular por modelo mais novo e me deu o antigo. Já escaldado com o presente
quebrado, passei a carregá-lo no bolso da frente da calça. Quebrou também em uma das entradas no carro.
Aí já não tinha mais desculpa, eu e os
aparelhinhos que as pessoas utilizam até mesmo para conversar éramos incompatíveis.
Fiquei uns seis meses sem celular até um filho comprar um novo e repassar seu
modelo antigo para mim.
Naquele momento eu já não tinha mais meu
número antigo (a explicação é muito longa), a portabilidade tinha ido pro saco
e eu fui obrigado a comprar um novo chip. Pedi ajuda ao antigo dono do aparelho
para instalar o chip para mim. OK, “qual
desses números você prefere?” O mais fácil de memorizar, foi a minha
resposta. Informei por e-mail o novo número para minha mulher, meus filhos e alguns
parentes. Mas não houve jeito de eu mesmo memorizar o diabo do número.
A brilhante solução jotabélica foi escrevê-lo
em uma fita crepe colada nas costas do aparelho e protegida pela capa de plástico
transparente. Isso até serviu para fazer piadinhas, pois quando alguém
perguntava meu número eu dizia ter feito um upgrade e exibia a prova de meu
retardamento mental.
Para não correr o risco de quebrá-lo também,
passei a deixá-lo dentro do carro, da bolsa de minha mulher ou simplesmente
esquecido em algum móvel da casa. Até esta semana. Precisando fazer algumas
compras em um supermercado e não querendo ficar sem comunicação com minha mulher,
resolvi procurá-lo. Liguei para ele, mas estava desligado. Revirei o carro,
olhei todos os lugares da casa, todos os móveis e até dentro da geladeira (sei
lá, vai que o Alzheimer pediu para que eu o guardasse ali!) e nada, um nada
absoluto e definitivo.
“Deve ter
caído quando saí do carro” ou “talvez o tenha
esquecido na padaria, na farmácia ou supermercado”. Sacaneado com mais uma
perda de celular fui fazer minhas compras. Na hora de pagar, sem nenhuma
expectativa, perguntei à moça do caixa se teriam encontrado um celular esquecido
por alguém. A fiscal da loja foi chamada e seguiu-se este diálogo:
- Tem
quanto tempo que o senhor perdeu o aparelho?
- Sei
lá, há uns três ou quatro dias.
- Qual
a marca e o modelo?
- Não
sei.
- Qual
é o número dele?
-
Também não sei, mas está desligado, provavelmente sem bateria. A única coisa
que eu sei é que ele tem uma fita crepe colada nas costas do aparelho, onde eu
anotei seu número, pois eu não consigo memorizá-lo.
-
Aguarde aqui que eu preciso ir ao escritório, pois encontraram um celular
esquecido no carrinho.
Alguns minutos depois volta a funcionária com
um aparelho na mão e me pergunta se era aquele. Minha tentação imediata foi
dizer que não, pois não vi a fita crepe. Entretanto, ao pegar o celular,
percebi que apesar da fita crepe ter sido retirada, ainda havia sua marca nas
costas do aparelho. Era ele!
Voltei para casa todo feliz, liguei-o no
carregador de bateria e descobri que ele estava todo desconfigurado. Imagino
que a primeira reação do funcionário que o encontrou deve ter sido o desejo de
ficar com ele. Depois, talvez pensando nas onipresentes câmeras, resolveu
entregá-lo à administração do supermercado.
Se você me perguntar agora onde o celular
está, eu direi que está em algum lugar da casa ou dentro do carro, pois só utilizo
a função “telefone”. Quando vou enviar um zap para meus filhos ou parentes
utilizo o computador.
Uma coisa eu sei: para mim os celulares são
como algumas pessoas que conheci – mesmo que não desgoste delas não temos
nenhuma afinidade ou compatibilidade. Em compensação, se eu e os celulares não temos uma
convivência muito amistosa, fiquei fã incondicional da fita crepe. Já estou até
pensando em usá-la para me identificar. Sei lá, já pensou se o Alzheimer resolve me
desencaminhar? Como farei para voltar para casa?
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